De acordo com o GT de Povos Indígenas, do governo de transição, cinco terras indígenas da Amazônia têm processo de demarcação avançado e podem ser homologadas imediatamente; outras 31 estão aguardam medidas do Ministério da Justiça e da Funai
As conclusões do Grupo de Trabalho (GT) Povos Indígenas, entregues no dia 12 de dezembro ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), expõem o atraso do Brasil em relação às demarcações de Terras Indígenas (TI), principalmente na Amazônia. No total, o documento, elaborado pelo grupo de transição de governo, recomenda a demarcação imediata de 13 TIs, sendo cinco delas da Amazônia, nos estados do Acre, Amazonas e Mato Grosso.
O documento também aponta outras 66 TIs, sendo 31 na Amazônia Legal, que estão com processos relativamente menos avançados – 21 aguardam demarcação física e 10 a publicação da portaria do Ministério da Justiça (MJ) no Diário Oficial da União (DOU). A reportagem da Rede Cidadã InfoAmazonia teve acesso ao relatório produzido pelo GT que traz um raio-x da criação de TIs no país.
As demarcações de TIs servem para garantir o direito indígena à terra, pois estabelece a extensão da posse indígena, ajuda a assegurar a proteção dos limites demarcados e a impedir a ocupação por terceiros. Após a etapa de demarcação física e publicação da decisão do MJ no DOU, essas terras são homologadas e registradas como propriedade da União, mas com usufruto dos indígenas. Hoje, a Amazônia tem 424 TIs reconhecidas, em diversos estágios do processo de demarcação, as 36 terras apontadas pelo relatório na região representam 8,5% desse total.
As cinco TIs da Amazônia apontadas como prioridade pelo GT são: a TI Cacique Fontoura, entre os municípios de Luciara e São Félix do Araguaia, no Mato Grosso; a TI Arara do Rio Amônia, em Marechal Taumaturgo, no Acre; a TI Rio Gregório, em Tarauacá, também no Acre; e as terras Uneiuxi, em Santa Isabel do Rio Negro, e Acapuri de Cima, em Fonte Boa, ambas no Amazonas. Juntas, somam 813 mil hectares. Elas foram escolhidas porque estão sem pendências no processo demarcatório.
”Nós, do GT de transição, identificamos mais de 40 TIs pendentes de demarcação. Destas, 13 estão prontas para serem demarcadas, pendentes apenas de homologação e foram justamente estas que entregamos como prioridade no relatório”, explicou à reportagem da Rede Cidadã InfoAmazonia a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara.
Ainda segundo Sonia, uma questão importante sobre a política de demarcações que deve ser adotada pelo governo Lula é o critério escolhido para selecionar as regiões onde as TIs serão criadas. Integrantes do GT Povos Indígenas defendem que regiões pressionadas por desmatamento e invasões sejam priorizadas.
De acordo com a ministra, o número que consta no relatório não é definitivo, visto que há terras indígenas pendentes de levantamento fundiário, estudos, portaria declaratória, pagamento de benfeitorias ou outras exigências jurídicas.
No relatório do GT, a TI com o processo de criação mais antigo é a Acapuri de Cima, em Fonte Boa, no Amazonas, que teve processo iniciado em 1991 e seus limites físicos declarados em 2000. Até hoje, o povo Kokama, habitante da terra, aguarda a homologação. Até o processo mais recente é antigo. Trata-se da TI Rio Gregório, no Acre, que teve os estudos iniciados em 2006.
A demarcação das terras indígenas é uma luta antiga dos povos originários porque representa ainda hoje a garantia de proteção e sobrevivência. “O pedido de demarcação ficou em análise por muito tempo. Com esse governo do Bolsonaro ninguém teve resposta de nada. O Ministério Público Federal tentou forçar a Funai a demarcar, mas não conseguiu”, afirma Adnélson Mura, morador da TI Urucurituba-Soares, em Autazes, no Amazonas, que está listada no relatório e aguarda demarcação desde 2007. O território é alvo da Potássio Brasil, que pretende executar um ambicioso projeto de exploração mineral na região. Adnélson está otimista com a mudança de governo e espera que o tão sonhado reconhecimento jurídico enfim aconteça.
O presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Marivelton Baré, participou do GT Povos Indígenas e afirmou que as organizações indígenas já estão pensando em novos passos.
“O nosso Amazonas é um estado que tem muitas terras com criação ainda pendente, mas, agora, com a nossa ministra, vamos retomar todos esses processos. Isso é um primeiro passo. Para além disso, as coordenações regionais da Funai precisam ser fortalecidas e as coordenações técnicas, recriadas”, afirmou Marivelton. A TI Uneiuxi, que está entre as indicações prioritárias, fica em Santa Isabel do Rio Negro, na região do Alto Rio Negro, no Amazonas.
Atualmente, o Amazonas é um dos estados com maiores índices de desmatamento, invasões e registros de violência contra os povos da floresta. Marivelton argumenta que as ações de fiscalizações sejam discutidas junto com as demarcações. “Precisamos garantir postos de vigilância e o monitoramento desses territórios. Nos últimos anos, qualquer um entrou e saiu dos nossos territórios e isso tem que ser controlado. Temos que voltar a ter o controle das nossas terras junto com as organizações, os movimentos indígenas e a Funai”, afirmou.
Uma terra indígena só pode ser demarcada depois de passar por cinco fases: estudo, delimitação, declaração, homologação e regularização. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério da Justiça são os principais responsáveis pelo processo e o presidente da República é quem assina o registro final.
A demarcação de terras indígenas busca, além de resgatar uma dívida histórica com os povos originários do Brasil, propiciar condições fundamentais para a sobrevivência física e cultural deles e, assim, preservar a diversidade cultural brasileira.
A criação de TIs no Brasil foi completamente interrompida durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Em 2018, uma das maiores promessas de campanha do ex-presidente foi a de não demarcar nenhuma TI, o que de fato cumpriu. De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), o ex-presidente Michel Temer (MDB) foi o último a homologar uma Terra Indígena.
Não basta demarcar
O missionário Francesc Comelles, conhecido como “Chiquinho”, do Cimi, defende a necessidade de ações que fortaleçam a homologação dessas terras. “Além da demarcação, é preciso fazer a proteção dos territórios demarcados, assim como a chegada de políticas públicas. A população indígena sofre dificuldades na atenção de políticas públicas diferenciadas e específicas, de saúde e educação”, disse à nossa reportagem.
Em junho de 2022, o Cimi publicou o livro “Terras Indígenas não demarcadas: Amazonas e Roraima”, que relata a existência de 45 mil indígenas vivendo em terras ainda não reconhecidas no Amazonas. Para Comelles, a demarcação é algo esperado para o governo Lula e que, agora, a Funai deve ser reestruturada e a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental resgatada. Mas não só: o estado também é um dos mais perigosos do Brasil para os indígenas. Ainda segundo dados do Cimi, em 2021 o estado teve o maior número de assassinatos de indígenas, com 38 registros.
“Deve-se recompor e fortalecer o quadro de funcionários da Funai, entidade que também sofreu o impacto do finado desgoverno Bolsonaro. A retomada do rumo democrático do país, deveria retomar a Política Nacional de Gestão Ambiental de Terras Indígenas, política que vinha sendo construída pelo governo junto aos povos indígenas e que foi escanteada nos últimos quatro anos”, afirmou.
Terras pendentes
A criação de Terras Indígenas é uma luta não apenas por um espaço físico, mas por um território que resguarde as diferenças culturais de cada povo. Essas diferenças vão desde a língua até a cosmovisão.
A Terra Indígena Tuwa Apekuokawera, por exemplo, do povo indígena Surui Aikewara, situada no Pará, teve seu processo de demarcação iniciado em agosto de 2004. Desde então, a terra não foi demarcada e a última movimentação ocorreu em setembro de 2021, de acordo com os registros do Ministério da Justiça.
O local tem 12 mil hectares e fica entre os municípios de Marabá e São Geraldo do Araguaia. O povo Suruí Aikewara é habitante da TI Sororó, mas também estão na TI Tuwa Apekuokawera. Ocorre que, quando a TI Sororó foi registrada, uma parte do território não foi demarcada.
“Esse é um processo antigo e que, de fato, nós reivindicamos há muito tempo. Os meus tios, meu pai, meus avós, todos já falavam desse território que ficou fora da demarcação. Mas, apesar disso, entendemos que nosso território é um só”, explicou o cacique Welton Suruí.
Em agosto de 2021, antes da última movimentação do processo, uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) ordenou que a Funai fizesse a demarcação, após o Ministério Público Federal exigir a conclusão. À época, a Funai alegou a suspensão para aguardar decisões do Marco Temporal. O MPF, no entanto, afirma que essa demora é uma violação dos direitos dos povos indígenas e está permitindo “que ameaças, invasões, interferências e danos ao território se agravem”.
Sem a demarcação, o território foi ocupado por fazendeiros e tem sido invadido por criminosos. ”Ele é todo ocupado por fazendas e, na divisa do nosso território, tem gente invadindo pra caça ilegal, pra roubo de castanha, de cupuaçu, de açaí, às vezes até de madeira. Sem falar também do perigo que a gente sofre aqui todo ano, por causa de incêndio”, disse o cacique.
Outra terra do Pará que aguarda homologação é a Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku. Em 2016 a Funai concluiu a primeira fase de demarcação, mas o processo permanece parado. Antes disso, os Munduruku já tinham começado uma autodemarcação das suas terras, algo que foi mais frequente durante o governo Bolsonaro, como mostrou reportagem da InfoAmazonia. O cacique Juarez Saw Munduruku avalia que a iniciativa foi necessária para preservação do local. ”Se a gente for esperar o governo demarcar, vai demorar muito. Então, se a gente quer preservar nossa terra, temos que demarcar”, disse.
A TI Sawré Muybu também está na lista do GT. De acordo com o cacique Welton Suruí, os nomes das TIs foram analisados desde o início da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva. “Nós juntamos os processos que estão parados e, agora, com a reestruturação da Funai, acreditamos que temos chances de ver esse território demarcado”, disse.
Esta reportagem faz parte do projeto Rede Cidadã InfoAmazonia, iniciativa para criar e distribuir conteúdos socioambientais produzidos na Amazônia.
Naice e me criei aqui e o que vejo é muita desinformação falta de lentamente da realidade de quem Naice e mora nessas regiões um governo despreparado que não procura ver a realidade de que vive nessa área