Ligado dia e noite, motor da embarcação pode ser ouvido por toda a aldeia Sawré Muybu, no médio Tapajós. InfoAmazonia registrou caso denunciado por jovem Munduruku no Twitter.
Há mais de um mês os Munduruku da aldeia Sawré Muybu dormem e acordam ao som de uma draga de garimpo rodeando suas casas. O barulho alto do motor opera 24 horas por dia sugando sedimentos do rio Tapajós a procura de ouro pode ser ouvido por toda a aldeia.
Na segunda semana do mês de abril, o InfoAmazonia registrou a presença da draga durante visita à Sawré Muybu, localizada na Terra Indígena (TI) Sawre Muybu, chamada pelos indígenas de território Daje Kapap Eipi, que fica no médio Tapajós, entre os municípios paraenses de Trairão e Itaituba. O som permanente da dragagem chamou a atenção da reportagem que, a partir de imagens captadas por drone, calculou a proximidade da draga a menos de 500 metros da aldeia.
A casa mais próxima do local onde a garimpagem estava instalada na ocasião é a de Mariuza Puxu, de 67 anos. Ela vive com o filho, nora e netos e conta que, assim que a draga chegou, as crianças tiveram dificuldade de dormir. “É o tempo todo, sobe e desce o rio, não para”, revela. “Eu queria falar para eles trabalharem longe, fora daqui, que aqui a gente não quer eles. Mas eu não sei falar muito português”, afirma Mariuza.
Segundo seu filho, Deuziano Munduruku, após mais de 20 dias convivendo com a presença da draga, todos já estavam acostumados com o barulho e não é a primeira vez que garimpeiros chegam tão perto da aldeia. “Sempre estão trabalhando por aqui. Eles alegam que têm Permissão de Lavra Garimpeira (PLG) : Tipo de autorização da Agência Nacional de Mineração (ANM) para requerimentos de mineração para garimpo , que estão legalizados, mas a gente acha que eles têm documentos forjados”.
Neste domingo (1), a jovem liderança Beka Munduruku fez uma postagem em suas redes sociais denunciando a presença da draga. Ela afirma que os Munduruku já pediram para os garimpeiros deixarem o local e denunciaram a situação para o ICMBio, mas não obtiveram resposta.
Em resposta ao InfoAmazonia, a autarquia afirmou que operações em terras indígenas não estão no “escopo de atuação do ICMBio” mas que o instituto apoia a operação Guardiões do Bioma, que acontece na região, sob comando do Ministério da Justiça.
Invasores e demarcação
A TI Daje Kapap Eypi tem 178 mil hectares e foi reconhecida pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2016. No entanto, desde então, o processo não avançou.
Em 2014, em resposta à morosidade do processo, o povo Munduruku iniciou um processo de autodemarcação do seu território, por meio de georreferenciamento e instalação de marcos e placas em seu perímetro. A iniciativa tem como objetivo controlar o território e coibir o avanço da atividade madeireira e garimpeira sobre o território.
Segundo o cacique Juarez Saw Munduruku, no entanto, com as últimas operações de fiscalização contra a atividade garimpeira no alto rio Jamanxim, afluente do Tapajós cuja foz se encontra dentro da TI Munduruku, muitos garimpeiros têm fugido com suas dragas para dentro do território indígena. “Quando tem operação lá em cima eles vêm para cá e escondem as dragas “, revela.
Nos últimos meses, uma série de operações comandadas pela Polícia Federal têm apreendido e destruído maquinários de garimpeiros em Itaituba e Jacareacanga, municípios vizinhos. Em fevereiro, foi deflagrada a operação “Caribe Amazônico” que durante uma semana inutilizou cerca de 21 máquinas escavadeiras e 15 acampamentos de garimpeiros na região. A operação levou a protestos por parte de associações garimpeiras.
Juarez teme pela segurança dos cerca de 100 indígenas moradores da aldeia em relação à presença dos garimpeiros. Ele conta que, em outras ocasiões, garimpeiros já chegaram a explorar ouro sem autorização na Sawré Muybu. “Eu disse que não tinham minha autorização, mas eles continuaram nos dias seguintes”, lembra.
Hoje, o cacique se resguarda e evita entrar em conflito direto com os garimpeiros e prefere denunciar direto às autoridades ou fazer pressão nas redes sociais. Em 2016, quando denunciava mais ativamente a presença de madeireiros e garimpeiros no território, chegou a ser perseguido por dois homens em uma moto durante uma estadia na zona urbana de Itaituba.
“Ninguém sabe o inimigo que está esperando a gente, então eu parei de brigar. Ninguém conhece esse pessoal “, afirma.
Contaminação
Em 2020, uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) analisou a quantidade de mercúrio no sangue de indígenas de três aldeias da TI Daje Kapap Eypi, entre elas a Sawré Muybu, e constatou que 60% dos Munduruku apresentam concentrações do metal acima do limite tolerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Juarez acredita que o garimpo por dragas é um dos grandes responsáveis pela situação uma vez que, além do uso do mercúrio pelos garimpeiros no processo de separar o ouro das rochas ou areia, as dragas também são responsáveis por espalhar o mercúrio que já está concentrado no fundo do rio. “Levantam a areia e o mercúrio sobe junto”, afirma o cacique.
Desde que os garimpeiros possuam uma Permissão de Lavra Garimpeira (PLG) e a autorização da Companhia dos Portos, a utilização de dragas para o garimpo não é ilegal. No entanto, segundo Luiz Jardim, professor de geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF) que pesquisa garimpo, praticamente todas as dragas utilizadas para a atividade trabalham na “fronteira entre o legal e o ilegal” na medida em que a PLG é autorizada pela Agência Nacional de Mineração (ANM) para áreas específicas. O garimpo, assim como qualquer atividade de extração mineral, é proibido em terras indígenas.
“Como o rio é fluido e o ouro flui no rio, é muito improvável que os garimpeiros se mantenham sobre sua área de concessão, que é fixa”, afirma. “Como a gente viu no rio Madeira no início do ano, essas embarcações se movem nos rios a partir de informações de que determinados lugares têm mais ouro que outros”, completa.
Funai
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Fundação Nacional do Índio (Funai) afirma “que não foi notificada oficialmente sobre a presença de suposta balsa de garimpo na Terra Indígena Sawré Muybu, mas esclarece que realiza ações permanentes de fiscalização, vigilância e monitoramento territorial na região”.
A Funai informa, ainda, “que tem atuado, junto aos órgãos ambientais e forças de segurança pública competentes, no fortalecimento de atividades que visam combater ilícitos na área indígena, bem como garantir a proteção das comunidades indígenas locais”.