Mineradora Potássio do Brasil teria coagido indígenas para comprar áreas dentro de território que é reivindicado à Funai desde 2003, no município de Autazes (AM), onde planejam instalar a maior mina de potássio do país

Em decisão publicada em 11 de maio, a juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe, da Justiça Federal do Amazonas, foi taxativa ao determinar que a Potássio do Brasil, mineradora controlada pelo banco canadense Forbes & Manhattan, devolva as terras adquiridas do povo Mura na aldeia Soares, em Autazes (AM). “Não pode o ancião da aldeia indígena —pessoa encarregada pela ancestralidade de realizar o papel de sábio e curandeiro— ser retirado de sua territorialidade mediante aquisição de posse por terceiros estranhos ao povo indígena. Foi um equívoco grave que merece ser imediatamente corrigido”.

Segundo o despacho da juíza, a empresa teria coagido moradores das aldeias Mura para adquirir áreas onde pretende instalar a maior mina de potássio do Brasil para produção de fertilizantes. O megaprojeto, localizado às margens rio Madeira, inclui a construção de estradas, portos e uma fábrica de insumos agrícolas.

Os planos de mineração estão dentro da autodemarcada Terra Indígena Soares/Urucurituba, que é reivindicada pelo povo Mura desde 2003, mas que ainda aguarda identificação pela Funai. 

No final de abril, o InfoAmazonia revelou que a mineradora estaria coagindo os indígenas para conseguir o consentimento para a instalação da mina. Desde o mês passado, os Mura realizam o processo de consulta livre, prévia e informada, nos moldes da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante aos povos tradicionais o direito de serem ouvidos sobre projetos que impactem diretamente em suas terras.

Em março, durante uma inspeção judicial, a Justiça Federal e o Ministério Público Federal (MPF) constataram ações de coação e pressão econômica da empresa canadense sobre as comunidades locais para comprar terras tradicionalmente ocupadas por indígenas e ribeirinhos. Em alguns casos, a empresa teria afirmado que quem não aceitasse vender seu terreno poderia perder sua área quando o projeto fosse implantado. “Eles falavam: ‘ou vende ou perde’”, contou Sérgio do Nascimento, tuxaua (líder político) da aldeia Soares sobre a abordagem da mineradora para ocupar o território onde o povo Mura vive há séculos.

Eles falavam: ‘ou vende ou perde’

Sérgio do Nascimento, tuxaua (líder político) da aldeia Soares
Reprodução/JF
Comitiva liderada pela juíza federal Jaiza Fraxe (ao centro) e o presidente da Potássio do Brasil, Adriano Espeschit (à direita), durante inspeção judicial no local onde a empresa pretende instalar base do projeto da mina de potássio.

Durante a inspeção, a magistrada confirmou a ocupação histórica dos Mura na região, característica imprescindível para reconhecimento da terra indígena. Na decisão, a juíza destaca que deslocar indígenas, como ocorreu, para fora dos territórios “é o mesmo que acabar com toda a comunidade a que pertence”.

é o mesmo que acabar com toda a comunidade a que pertence

Jaiza Maria Pinto Fraxe, da Justiça Federal do Amazonas

Além de determinar a devolução das áreas adquiridas dos indígenas, Jaiza Fraxe também decidiu que a Potássio do Brasil não pode mais manter placas de “área de uso” na área indígena e que seja apresentado aos Mura o Estudo de Componente Indígena do projeto, que compõe uma das etapas do licenciamento da obra e se caracteriza como o instrumento que aponta os potenciais impactos do empreendimento nas terras indígenas.

Christian Braga/InfoAmazonia
Placa da Potássio do Brasil na Aldeia Soares, no local próximo onde pretende escavar a entrada da mina que vai ficar a quase 1 km de profundidade. Foto: Christian Braga/InfoAmazonia

MPF cobra demarcação

Os requerimentos da Potássio do Brasil foram solicitados à Agência Nacional de Mineração em 2008. Em 2010 a empresa começou a fazer perfurações na região incluindo sondagens do solo, sem autorização, nas Terras Indígenas Jauary, identificada em 2008 pela Funai, e na autodemarcada Soares/Urucurituba. 

Depois da perfuração, uma ação civil pública movida pelo MPF obrigou, em 2017, a empresa assinar um acordo judicial que suspendeu o processo de licenciamento ambiental até que a consulta prévia nas 44 aldeias do povo Mura fosse concluída. Na época, a mineradora também pediu a retirada da área do projeto que estava sobreposto à TI Jauary, já que a legislação brasileira não permite mineração em terras indígenas. Mesmo assim, estudos técnicos e as manifestações da própria mineradora indicam que o projeto poderá escavar o subsolo das terras indígenas.

Em janeiro deste ano, o Ministério Público Federal instaurou inquérito para “averiguar as medidas adotadas pelo poder público para proteção territorial e em relação à pretensão de demarcação das comunidades indígenas Soares/Urucurituba, em Autazes/AM”.

Em nota, a Potássio do Brasil diz que recebeu a decisão da Justiça Federal “com surpresa e preocupação” e sem “oportunizar à Potássio do Brasil qualquer defesa”. A mineradora não inclui a TI Soares/Urucurituba entre as “terras indígenas existentes” (veja íntegra da nota aqui).Sobre a compra dos imóveis, a empresa ainda afirma que “consultou a própria Funai que concedeu o Termo de Referência em relação ao Estudo de Componente Indígena, considerando as terras indígenas existentes de Jauary e Paracuhuba”.  

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Fábio Bispo

Repórter investigativo do InfoAmazonia em parceria com o Report for the World, que aproxima redações locais com jornalistas para reportar assuntos pouco cobertos em todo o mundo. Tem foco na cobertura...

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