Levantamento do InfoAmazonia mostra que 43% dos requerimentos de mineração em terras indígenas amazônicas são para minerar ouro. Em várias dessas áreas requeridas, imagens de satélite mostram que há exploração garimpeira em atividade, mesmo sem autorização.

Em 7 de março, enquanto as tropas russas invadiam a Ucrânia, o preço do ouro ultrapassou a marca histórica de US$ 2.000 a onça (31 gramas), algo em torno de R$ 10 mil na cotação atual. Um patamar de valorização que só tinha sido alcançado em julho de 2020, quando chegou a US$ 2.070. Considerado investimento à prova de incertezas, o ouro é também o metal mais procurado por mineradoras e garimpeiros nas terras indígenas da Amazônia.

No entanto, quando anunciou uma suposta crise de fertilizantes para acelerar a tramitação do Projeto de Lei (PL) 191/2020 que quer abrir as terras indígenas para a mineração e obras de infraestrutura, o presidente Jair Bolsonaro omitiu que os maiores beneficiados com esse PL serão os exploradores de ouro. Dados do Amazônia Minada, projeto do InfoAmazonia que monitora requerimentos de mineração nas terras indígenas amazônicas, revela que 2.467 pedidos de mineração registrados na Agência Nacional de Mineração (ANM) estão em terras indígenas (TIs) ou são contíguos aos territórios. Destes, 1.067 (43%) são para minerar ouro.

No total, são 280 solicitantes, entre mineradoras, garimpeiros e cooperativas, que requerem da ANM autorização para explorar 3,7 milhões de hectares, uma área quase do tamanho da Suíça. As mais afetadas pelos requerimentos em busca de ouro são as terras Yanomami, Munduruku e Kayapó. Esses territórios também são palcos constantes de conflitos. Na TI Yanomami, que é alvo de garimpeiros há mais de 40 anos, a atividade ilegal se intensificou a partir de 2020. Os dados do Amazônia Minada mostram como quase todo o território é requerido por garimpeiros e mineradoras.

Mapa mostra requerimentos na ANM em busca de ouro na terra indígena Yanomami.

Considerando todas as substâncias, os pedidos para mineração na Amazônia alcançam 254 das 385 terras indígenas na Amazônia, colocando 65% dos territórios sob pressão de mineradoras e garimpeiros. Os requerimentos para explorar ouro afetam 156 delas. Ou seja, 40% das terras indígenas são alvos da corrida do ouro.

A cassiterita, que é usada na produção de estanho, por exemplo, é o segundo metal procurado nas terras protegidas. São 169 pedidos para explorar uma área de 716 mil hectares. Já o potássio, que foi destacado por Bolsonaro como mineral estratégico para produção de fertilizantes, aparece em 4º lugar. Dos mais de 550 pedidos para explorar potássio registrados na ANM, 73 requerimentos estão sobrepostos ou em áreas contíguas a terras indígenas.

Para o secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Luis Ventura, “é inaceitável o governo federal usar a guerra para justificar a mineração em terras indígenas”. Ele  avalia que já era esperada uma pressão ainda maior sobre os direitos dos povos indígenas em 2022, no fim do mandato de Bolsonaro.

É inaceitável o governo federal usar a guerra para justificar a mineração em terras indígenas.

Luis Ventura, secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

“Sabemos que é totalmente falso esse discurso da falta de fertilizantes para aprovar o PL. Esse projeto será um desastre para os povos tradicionais e para o meio ambiente, porque sabemos bem a pressão que a mineração já provoca. Será o fim da terra indígena”, afirma Ventura.  

Além de liberar a mineração em terras indígenas, o PL 191 também quer autorizar, por meio de decretos legislativos, empreendimentos para exploração de petróleo, gás, hidrelétricas e projetos de agricultura nesses territórios.

“Se não for pela mineração, será por outros projetos de infraestrutura, como prevê o PL. Isso vai mexer profundamente com o modo de vida dos povos tradicionais”, diz Ventura.Um estudo publicado na revista científica One Earth aponta que a mineração em terras indígenas tem um potencial de aumentar o desmatamento na Amazônia em 20% acima dos níveis já registrados.

Requerimentos protocolados na ANM para mineração de ouro em terras indígenas da Amazônia Legal.
No mapa, mova o mouse sobre os requerimentos para mais informações sobre cada um deles, e explore a barra lateral para análises.

Ouro ilegal da Amazônia  

E apesar de a exploração em terras indígenas ser proibida, a reportagem do InfoAmazonia identificou que em várias dessas áreas requeridas na Agência Nacional de Mineração a exploração de ouro já ocorre, ilegalmente, através de garimpos em escala industrial.

Através de imagens de satélite, nossa reportagem encontrou áreas requeridas em Roraima e no Pará que não possuem nenhum tipo de autorização, mesmo assim há sinais de exploração de ouro através de garimpos. O metal retirado dessas áreas, que podem ser beneficiadas com a aprovação do PL 191, percorre um longo caminho para legalização antes de ser colocado como ativo no mercado financeiro.

No Pará, por exemplo, identificamos uma área que é requerida desde 2016 dentro da Terra Indígena Munduruku. Em setembro de 2019, a ANM indeferiu o pedido por “interferência total” sobre o território indígena. Mesmo assim, imagens de satélite confirmam que a área é amplamente explorada por garimpos.

Google Earth

O relatório de conflitos do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração aponta que o garimpo ilegal é um dos principais motivos dos confrontos entre garimpeiros e indígenas na Amazônia. A atividade também provoca uma série de impactos negativos à preservação ambiental e à saúde desses povos, como a contaminação de mercúrio nos rios.

Luiz Jardim Wanderley, Coordenador do Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil, diz que, além da valorização do ouro no mercado internacional, outros fatores como as crises econômicas, desemprego e a falta de fiscalização contribuem para o avanço da exploração do metal na Amazônia. 

“A crise econômica que passa a ocorrer a partir de 2016, somada com a valorização do ouro e o sucateamento dos órgãos de fiscalização, potencializa esse avanço do garimpo”, explica Wanderley.

Deslize o slider para ver a  evolução do garimpo dentro da TI Munduruku, no Pará, em área requerida para exploração de ouro. Apesar de nunca ter sido liberada pela ANM, área é intensamente explorada desde 2016, como mostram as imagens de satélite. 

Lavagem de ouro 

A aprovação do PL 191 promete legalizar  boa parte do ouro que já é explorado ilegalmente na Amazônia e abrir novas fronteiras em busca do metal. Um levantamento do Instituto Escolhas mostra que quase metade da produção de ouro no país tem origem ilegal. Mas destaca que a ilegalidade pode ser muito maior, já que não há como contabilizá-la ao certo. Dos mais de 487 mil quilos de ouro comercializados em 2020, segundo o Instituto, 228 mil quilos tinham indícios de origem ilegal, mais de uma tonelada chegou a ser declarada em processos minerários sobrepostos em terras indígenas e unidades de conservação.

“Levantamentos mostram que a área de extração do garimpo no Brasil já é maior que a área ocupada pela mineração industrial. A gente não tem mais um avanço tímido e que não causa impactos”, afirma Juliana Siqueira-Gay, gerente de projetos do Instituto Escolhas. A organização pediu às Nações Unidas que classifiquem o Brasil como área de conflito e alto risco para importações de ouro.

Levantamentos mostram que a área de extração do garimpo no Brasil já é maior que a área ocupada pela mineração industrial. A gente não tem mais um avanço tímido e que não causa impactos.

Juliana Siqueira-Gay, gerente de projetos do Instituto Escolhas

Juliana Siqueira reforça a necessidade da adoção de mecanismos legais e confiáveis para rastrear o ouro que chega ao mercado. O Instituto tem cobrado  do governo, de investidores e dos bancos que se perguntem também de onde vem o ouro. “É fundamental trazermos isso para o debate, essa conscientização para a vida das pessoas. Se cada um que compra uma aliança questionar, já forçamos esse rastreio da cadeia de produção”, explica Siqueira. 

O Instituto trabalhou na elaboração de um projeto de lei, apresentado pelo senador Fabiano Contarato (PT/ES), que busca regulamentar a comercialização de ouro no Brasil, condicionando compra e venda do minério a autorizações e pesagem que possam ser confirmadas pelas autoridades  . Atualmente, a cadeia de comercialização não é digitalizada, muitos documentos ainda são manuscritos, presumindo boa fé nas informações prestadas por garimpeiros e dos compradores desse ouro. 

Um dos indicadores sobre a produção de ouro no Brasil é o valor recolhido pela Contribuição Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). Os dados da contribuição mostram uma produção recorde de ouro na Amazônia nos últimos três anos.

Mesmo assim, parte do minério não declarado vai direto para joalherias e é contrabandeado por rotas ilegais. “Hoje, o que temos de informações são essas estimativas [da CEFEM], mas naturalmente quando temos essa questão da boa fé, a própria origem dificulta esse entendimento sobre o que de fato está acontecendo”, diz  Juliana Siqueira. “O que facilitaria, de fato, seria a digitalização de todas essas informações”, completa.

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Fábio Bispo

Repórter investigativo do InfoAmazonia em parceria com o Report for the World, que aproxima redações locais com jornalistas para reportar assuntos pouco cobertos em todo o mundo. Tem foco na cobertura...

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  1. A exploração do Ouro é agora do Potássio está em poder de empresas estrangeiras e cujas lavras foram concedidas em atos obscuros no governo do partido do deputado federal do ES que agora quer regular o tema. Penso que a exploração da floresta deva ser regulamentada e não adianta fechar os olhos ou sonhar sem gerar riqueza a partir desta e aos povos que lá vivem. Os Canadenses com a empresa PDB para exploração do Potássio; há alguns anos a Noruega fazia(e faz) fortes críticas ao Brasil para preservar a floresta Amazônica, mas foi a sua empresa HYDRO ALUNORTE a maior poluidora das águas dos rios Amazônicos. Na epoca, houve duas constatações: 1⁰ o transbordo de efluentes e com isso os níveis de alumínio nos rios estavam 25 vezes mais altos que os estabelecidos pela legislação. 2⁰ e ainda mais grave, foi a empresa construir uma tubulação para jogar resíduos diretamente no ambiente. O laudo do pesquisador em saúde pública Marcelo de Oliveira Lima, que assina o laudo oficial. A midia, nada fala. Não vi nenhuma nota inclusive neste site… E quem mais sofre não são
    os Europeus, os manifestantes em Paris, Manhattan, Porto ou Faria Limers; quem sofreu diretamente foi a população ribeirinha e indígenas que utilizam estas águas para recreação, consumo e captura de peixes, do rio e do solo contaminando, contaminando também o organismo dos moradores. Então sejamos realistas que o interesse mundial não é pelo povo nem pela floresta, mas sim pela riqueza. Não sou um radical socialista ou nacionalista a vociferar, mas entendo que ONG’s que deveriam fiscalizar, tem olhar enviesado e dão de costas para assuntos que possam impedir a entrada de recursos dos seus mecenas que querem posar de benfeitores apenas e recolher likes. Portanto, que seja regulada a exploração de ouro, de Potássio e o que quer que seja, mas que o meio ambiente seja protegido e principalmente os habitantes da floresta que não são unicamente os índios. Os países do primeiro mundo tem florestas manejadas e podem explora-las e capitalizar a terra, pois tem de protegê-la, mas pars isso precisam ter capital. Por que não se faz o mesmo no Brasil?

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