Estudos da Fiocruz mostram que 60% dos indígenas da Terra Indígena Sawré Muybu têm o metal tóxico no organismo acima do limite tolerado pela OMS. Garimpo em terras indígenas cresceu quase 500% em uma década.

Sete estudos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostram que mulheres e crianças são as mais vulneráveis à intoxicação por mercúrio, que atinge todas as 200 pessoas nas aldeias Sawré Muybu, Poxo Muybu e Sawré Aboy, na Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku, no oeste do Pará. A origem da contaminação é o garimpo de ouro, que cresceu quase 500% em áreas indígenas, especialmente na Amazônia, desde 2010 e hoje conta com incentivo e apoio do governo Bolsonaro. Terras, peixes e águas estão contaminados e aumentam os riscos a populações rurais e urbanas.

Área do estudo da Fiocruz, com a localização das 3 aldeias (pontos vermelhos). Imagem:  IJERPH

As pesquisas vêm sendo realizadas desde 2017, foram consolidadas recentemente pela Fiocruz e divulgadas na primeira quinzena de novembro. Segundo o estudo, seis em cada dez mulheres em idade fértil nas aldeias têm mercúrio no organismo acima dos níveis tolerados por órgãos como Organização Mundial da Saúde (OMS) e agências ambientais dos Estados Unidos e União Europeia. Atraso motor e anemia graves foram identificados em um bebê de 11 meses. Duas crianças Munduruku, de 12 e 14 anos e que comiam peixe ao menos três vezes na semana, têm problemas de visão, perda de memória e tremores. 

A média de contaminação acima dos limites toleráveis é de seis em cada dez indígenas (40% na aldeia Muybu, de 60% na Poxo e de 90% na Aboy). Os territórios estão às margens dos rios Tapajós e Jamanxim, onde há garimpo desde os anos 1950. Em abril, o ambientalista Cássio Beda morreu após dois anos vivendo e consumindo peixes na bacia do rio Tapajós, onde apoiava demandas de povos indígenas.

Todos os indígenas das 3 aldeias da TI Sawré Muybu estão contamidados em algum nível e 6 em cada 10 têm mercúrio no sangue acima do limite tolerado pela OMS.

“Os indígenas da Amazônia dependem dos recursos naturais para viver, mas os impactos crescentes das atividades humanas ameaçam sua saúde e sua subsistência”, destaca o mais recente dos estudos da Fiocruz, publicado no International Journal of Environmental Research and Public Health. As pesquisas começaram após denúncias quanto à contaminação por mercúrio por entidades como a Associação Pariri, que representa 11 aldeias Munduruku no Médio Tapajós. Os testes em cabelos e sangue dos indígenas e também nos pescados consumidos ocorreram no fim de 2019.

Coordenador das investigações sobre a contaminação por mercúrio entre os Munduruku, Paulo Basta alerta que todos os habitantes das aldeias avaliadas têm alto risco de adoecimento porque não há nível seguro de mercúrio no organismo humano. “É uma calamidade que associa crises sanitária e ambiental, com ampliação das contaminações e do desmatamento, e de contínua violação de direitos, com invasões de garimpeiros e madeireiros que se arrastam por décadas”, alertou o pesquisador na Fiocruz.

É uma calamidade que associa crises sanitária e ambiental, com ampliação das contaminações e do desmatamento, e de contínua violação de direitos, com invasões de garimpeiros e madeireiros que se arrastam por décadas.

Paulo Basta, pesquisador da Fiocruz

Os estudos esclarecem que comer peixes nos povoados aumenta as chances de contaminação. O corpo humano não tem mercúrio e não elimina o que absorve por contato direto ou consumo de animais e água contaminados. O metal tóxico é associado à malformação de bebês e doenças neurológicas, como demência, tonturas, tremores, problemas de audição e visão. Os efeitos são cumulativos e podem levar à morte. 

Alessandra Korap Munduruku, da Associação Pariri, avalia que muitas doenças e mortes não são ligadas ao poluente pela precariedade dos serviços de saúde na floresta tropical, especialmente para os indígenas. Ou seja, quando adoecem ou morrem, os atestados não associam os óbitos ao mercúrio. “Os peixes com mercúrio e agrotóxicos não vivem amarrados, sobem e descem os rios. Única fonte de alimento de muitas pessoas, o peixe não é mais um alimento seguro na Amazônia”, lamentou em debate recente. 

Deslize o slider para ver o avanço do garimpo em terras indígenas da Amazônia. Destacadas em branco, os limites das TIs dos povos Munduruku, Kayapó e Yanomami, os mais afetados pelo garimpo. Dê zoom no mapa para mais detalhes.
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