Dono dos 77 kg de ouro ilegais recém apreendidos no interior de São Paulo, Dirceu Sobrinho articulou decretos para legalizar garimpos em escala industrial que favorecem suas próprias empresas.

O empresário Dirceu Santos Frederico Sobrinho, apontado como um dos maiores negociadores de ouro ilegal do país e que atua em toda a cadeia de exploração, da extração à exportação, será diretamente beneficiado pelos decretos do governo federal para legalizar a “mineração artesanal” na Amazônia. 

Através da Associação Nacional do Ouro (Anoro), entidade que preside, Dirceu Sobrinho tem participado da articulação da política sobre garimpagem em mais de 40 audiências com órgãos do governo de Jair Bolsonaro (PL), incluindo agendas com o vice-presidente Hamilton Mourão; com o ex-ministro da Casa Civil e Trabalho, Onyx Lorenzoni; com Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente; e Augusto Heleno, chefe do Gabinete Institucional da Presidência da República. 

O empresário chegou a viajar com a comitiva presidencial à Índia e participou ativamente dos Grupos de Trabalho (GTs) do Garimpo e do Novo Código de Mineração, que serviram como base para edição dos decretos 10.966/2022, que instituiu o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala, e o 10.965/2022, que simplificou a liberação de garimpos considerados “empreendimentos de pequeno porte”.

Os decretos beneficiam diretamente os negócios de Sobrinho, que opera na extração e compra ouro dos chamados garimpos mecanizados —a partir do decreto considerado empreendimentos de pequeno porte—, e que fazem uso de maquinário pesado para revolver a terra, sugar e processar o  material que envolve o minério, incluindo nessa modalidade o uso extensivo de mercúrio.

Sobrinho é dono dos 77 quilos de ouro apreendidos pela Polícia Federal (PF) no início de maio em Sorocaba, no interior de São Paulo, na Operação Ricezione. Segundo a PF, o ouro, que foi extraído de garimpos ilegais do Pará e seria enviado à Itália, não tinha documentação de origem e pertencia à FD’Gold, uma Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM) com sede na Avenida Paulista, em São Paulo, que pertence a Dirceu Sobrinho.

Em vídeo, Dirceu confirmou ser dono do ouro apreendido e alega que o minério tem documentação. “Todo ele foi comprado sob permissão de lavra garimpeira concedida, que não pertence a área indígena, e não pertence a garimpos ilegais”, afirmou na mensagem.

Sobrinho também é investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) por extração e receptação de ouro com origem ilegal, lavagem de dinheiro e é réu em cinco processos por desmatamento ilegal. Ele também foi denunciado por usar cianeto na extração de ouro na Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós.

Segundo investigações do MPF, entre 2019 e 2020, a FD’Gold, que comercializa ouro como ativo financeiro, comprou 1,3 tonelada de ouro ilegal. Em agosto do ano passado, os procuradores do caso pediram a suspensão do registro da FD’Gold junto ao Banco Central, mas o pedido cautelar ainda aguarda julgamento.

Apesar de envolvido em investigação sobre inúmeras ilegalidades ligadas à mineração, as portas dos ministérios e do Palácio do Planalto em Brasília sempre estiveram abertas para Sobrinho e para seu projeto intitulado “Garimpo 4.0”, que consiste em um pacote de ações apresentadas pela Anoro para “inovar na cadeia do ouro”. Entre elas, a permissão garimpeira para as chamadas pequenas minerações, regularização de garimpos em florestas nacionais, unificação do licenciamento ambiental, além de propostas para exportação de ouro e valorização do profissional do garimpo. 

Em pelo menos três encontros com o vice-presidente Hamilton Mourão, o garimpeiro esteve acompanhado de José Altino Machado, minerador responsável pelas três maiores invasões de garimpeiros à Terra Indígena Yanomami nos anos 1970, 1980 e 1990. Em uma das agendas, eles negociaram o fim das ações que destruíram equipamentos do garimpo, prometendo em contrapartida buscarem alternativas para legalizar os garimpos.

Romério Cunha/VPR
Dirceu Sobrinho e Altino Machado em agenda com o vice-presidente Hamilton Mourão.

Uma das propostas para viabilizar seus negócios apresentada ao governo por Sobrinho foi a criação das figuras da “mineração de pequeno porte” e a “mineração artesanal”, que acabaram simplificando a liberação de maquinário pesado para exploração em áreas de até 50 hectares – tamanho máximo que pessoas físicas ou empresas podem requerir no regime de lavra garimpeira.

Dirceu Sobrinho mantém 179 requerimentos de lavra garimpeira para extração de ouro registrados na Agência Nacional de Mineração (ANM). São mais de 30 mil hectares concentrados nos municípios de Itaituba e Jacareacanga, no sul do Pará. No entanto, todos os pedidos são estrategicamente divididos em áreas de até 50 hectares. 

Em algumas dessas áreas requeridas, apesar de não haver qualquer tipo de autorização e licenciamento válido, imagens de satélites mostram intensa atividade garimpeira.

Planet Explorer
Áreas requeridas por Dirceu Sobrinho no Tapajós para garimpo de ouro e ainda não concedidas têm sinais de exploração mineral. Imagem Planet Explorer (set/2021).

Segundo o MPF, da produção de 30,4 toneladas de ouro do estado do Pará, no período de 2019 a 2020, cerca de 17,7 toneladas (58,4%) foram extraídas ilegalmente, com falsa indicação de origem. As empresas de Sobrinho foram apontadas entre as principais comercializadoras desse ouro ilegal.

Dirceu Sobrinho é filiado ao PSDB e foi candidato a primeiro suplente do senador Flexa Ribeiro (PSDB). Na época, declarou uma fortuna de R$ 20 milhões. Ao lado de outras figuras políticas, como o deputado Joaquim Passarinho, do PSD-PA, do ex-deputado Antônio Feijão, e de José Altino Machado, o garimpeiro pauta os debates sobre o garimpo na região do Tapajós, onde está uma das principais concentrações de garimpos ilegais da Amazônia e onde estão as terras indígenas Munduruku, Sai Cinza e Sawré Muybu.

Ele também manteve agendas com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e tem atuado no Congresso Nacional como representante da Anoro pela aprovação do PL 191/2020, que quer liberar a mineração em terras indígenas.

Maquinário pesado e mercúrio

Além das próprias áreas requeridas na ANM, através da Anoro, Sobrinho também atua diretamente em outros garimpos da região. Em parceria com a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), o empresário tem viabilizado a operação de cooperativas garimpeiras e atuado junto às prefeituras e à Secretaria de Meio Ambiente do estado para emissão de licenças. Como contrapartida deste apoio, garante a compra do ouro.

Em Itaituba, onde Sobrinho já foi secretário de Meio Ambiente por duas vezes e mantém estreita relação com o prefeito, Valmir Climaco (MDB), que também é dono de garimpo, a ANM liberou a operação de extração de ouro em escala industrial, com uso de maquinário pesado e até mercúrio, através de permissões de lavra garimpeira (PLG), que têm processo de aprovação simplificado “pela forma de lavra rudimentar”.

Um exemplo é o garimpo Mamoal, localizado na APA do Tapajós, em Itaituba. A placa na entrada do garimpo exibe a autorização da Agência de Mineração e confirma a parceria com a Anoro. O InfoAmazonia teve acesso à licença de operação emitida pelo órgão estadual, que autoriza o uso de máquinas hidráulicas e o uso de mercúrio para uma área de 10 mil hectares.

Prefeitura de Itaituba/Divulgação
Imagem redes sociais da prefeitura de Itaituba

O projeto de mineração no Mamoal foi requerido à ANM em 2002, inicialmente para pesquisa industrial. Em 2020, no entanto, a Ouro Norte Cooperativa do Garimpeiro pediu alteração do requerimento para permissão de lavra garimpeira (PLG), regime simplificado de mineração que desobriga a realização de pesquisa prévia e licenciamento ambiental completo, além de ter tramitação mais barata e menos burocrática que a da lavra industrial. Segundo consta no processo na ANM, serão investidos R$ 2,5 milhões para a operação do garimpo.

 “Fomenta a sustentabilidade”

Uma ação movida pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) no Supremo Tribunal Federal (STF) contesta a legalidade dos decretos. O pedido de inconstitucionalidade diz que os decretos tentam formalizar e incentivar práticas até então tidas como ilegais, que resultam em retrocesso em matéria ambiental. Segundo a ação, ao tratar atividades industriais (com uso de maquinário pesado) como artesanais, o decreto promulgado por Bolsonaro tenta apresentar o garimpo “como uma atividade desenvolvida de forma rudimentar, ignorando-se a grande estrutura empresarial que lhe dá suporte”.

Em manifestação ao STF, a Advocacia-Geral da União (AGU) combate a tese de que os decretos incentivariam o garimpo ilegal e aponta que “o decreto em questão, que fomenta a sustentabilidade e o respeito ao meio ambiente para garantir uma vida mais digna para as comunidades tradicionais”.O MPF também tem questionado o uso de maquinário pesado em projetos de mineração com vultuosos investimentos. Segundo aponta no manual “Mineração Ilegal de Ouro Na Amazônia: Marcos Jurídicos o Questões Controversas”, o investimento inicial para aquisição dessa forma de maquinário – balsas, dragas, tratores, escavadeiras – “é, em si, incompatível com a ideia de rudimentaridade e de simplicidade que permeou historicamente a concepção imagética de garimpo”.

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Fábio Bispo

Repórter investigativo do InfoAmazonia em parceria com o Report for the World, que aproxima redações locais com jornalistas para reportar assuntos pouco cobertos em todo o mundo. Tem foco na cobertura...

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  1. O mais absurdo de tudo é o Procurador Geral da República, que deveria defender a coisa pública, dizer que projetos de mineração vão promover sustentabilidade e vida digna para as populações indígenas. Para que isto aconteça, basta que tiremos os garimpeiros ilegais de lá e que não criem estruturas legais que permitam o uso de maquinários de grande porte e contaminação das águas e solo com mercúrio e cianeto como já foram usados. A o Procurador quer garantir sustentabilidade e dignidade ao povo indígena e comunidades locais, pergunte a eles e escute o que eles dizem. Dar ouvidos apenas aos mineradores, é fácil.

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