A Associação de Silves Pela Preservação Ambiental (ASPAC) e o cacique Jonas Mura apresentaram denúncia ao MPF que estão sofrendo intimidações. Ameaças a defensores ambientais ocorrem após eles entrarem na Justiça contra a empresa Eneva, que possui blocos de exploração de gás.

A Associação de Silves Pela Preservação Ambiental (ASPAC), liderada por representantes da sociedade civil do Amazonas, denunciou ao Ministério Público Federal (MPF) que está sofrendo uma série de intimidações, desde a reivindicação da área da sede pela prefeitura até a aproximação de “pessoas estranhas” ao cacique do povo Mura. As ameaças ocorrem após a organização ter entrado com uma ação contra a empresa Eneva S.A por causa da exploração de gás no município de Silves, localizado a 181 km de Manaus. 

Devido às intimidações desde o início do processo, o cacique Jonas Mura foi incluído no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), construído por secretarias estaduais e federais, e está fora de seu território após ameaças contra a sua vida. Ele integra o programa há quatro meses. No PPDDH, ativistas e ambientalistas que estejam ameaçados recebem suporte constante das autoridades. 

“O aparato é concedido àqueles que são reconhecidamente lideranças de seus territórios e que estejam sob ameaça. Nós damos apoio psicológico, judicial e policial. Aqui no Amazonas, a maioria dos integrantes do programa são indígenas. Pessoas que estão em risco por causa da defesa da sua cultura ou da sua terra”, diz a secretária Gabriella Campezatto, da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc), responsável por fazer a gestão do programa. 

Desde 2019, Jonas participa de protestos e eventos em que se posiciona a favor de uma transição energética justa, sem impacto aos povos tradicionais. Ele alega que o Campo do Azulão, área entre o município de Silves e Itapiranga, onde ocorre a exploração de gás gerida pela empresa Eneva S.A., está prejudicando a vida de comunidades indígenas, afetando o modo de vida dos animais e dos rios. 

Cacique Jonas Mura em protesto na frente do banco BTG Pactual, acionista da Eneva, em 2021. Foto: Arquivo pessoal/ Jonas Mura

“Os parentes começaram a me informar que pessoas estranhas estavam perguntando sobre mim, gente aparecendo de carro, de moto, até gente armada. Até agora ninguém conseguiu identificar quem são essas pessoas e por isso eu tive que sair de lá”, conta. 

O cacique Jonas já sofreu ataques anteriores. Ele conta que, em 2016, registrou boletim de ocorrência após ter sua casa incendiada. O documento diz que os ataques foram motivados por preconceitos contra a sua identidade indígena. Esse histórico deixa sua segurança ainda mais vulnerável. 

Os parentes começaram a me informar que pessoas estranhas estavam perguntando sobre mim, gente aparecendo de carro, de moto, até gente armada. Até agora ninguém conseguiu identificar quem são essas pessoas e por isso eu tive que sair de lá.

Cacique Jonas Mura

Foto: Lucas Landau/350

Já os dirigentes da associação, Márcia Ruth e Vicente Neves, afirmam que o prefeito de Silves, Paulino Grana (PSDB), passou a reivindicar o território onde hoje está situada a sede da ASPAC, um espaço que foi concedido à organização há 30 anos pelo próprio município. Eles contam que até mesmo a luz elétrica da sede foi cortada durante um dia, em julho deste ano. O MPF acompanha e investiga os casos. 

“Eles dizem que a ASPAC está denunciando a Eneva porque não conseguiu apresentar uma proposta de trabalho [parceria] para a empresa, que estamos devendo, e por isso estaríamos fazendo as denúncias. Isso é mentira e esses ataques estão vindo de todos os lados”, diz Márcia. 

Eles dizem que a ASPAC está denunciando a Eneva porque não conseguiu apresentar uma proposta de trabalho [parceria] para a empresa, que estamos devendo, e por isso estaríamos fazendo as denúncias. Isso é mentira e esses ataques estão vindo de todos os lados.

Márcia Ruth, dirigente da ASPAC

O MPF informou que as denúncias foram feitas ao órgão e encaminhadas ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI), à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e ao PPDDH. Também confirmou que estuda a adoção de novas medidas de proteção às lideranças da ASPAC. A reportagem da InfoAmazonia solicitou entrevista com o procurador responsável pelo caso, Fernando Merloto, mas o órgão negou. 

O processo da associação contra a empresa Eneva existe desde o início deste ano. Nele, a ASPAC e Jonas alegam que a empresa não fez o Estudo de Impacto Ambiental: Estudo elaborado por empresas interessadas em utilizar recursos ambientais com potencial de degradação e que deve considerar aspectos sociais, geográficos, geológicos, físicos, culturais e econômicos. e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA): Resumo do Estudo de Impacto Ambiental (EIA). O texto se diferencia por sua linguagem mais clara e acessível, usada para divulgação na sociedade, contendo todos os pontos importantes abordados no EIA. antes das licenças serem concedidas e que os documentos não foram divulgados. Também alega que o processo de licenciamento ignorou a existência de comunidades indígenas na região. 

Em julho deste ano, a InfoAmazonia mostrou que a Eneva obteve suas primeiras licenças sem apresentar EIA/RIMA. O Instituto de Proteção Ambiental (IPAAM), órgão responsável pelo licenciamento estadual no Amazonas, alega que isso ocorreu porque o Campo do Azulão já tinha um EIA/RIMA feito anos antes pela Petrobras, antiga proprietária. O EIA/RIMA da Petrobras é de 2013 e as primeiras licenças da Eneva são de 2019. O processo ainda está em andamento. 

Visitas não programadas

Em maio deste ano, dias antes da Justiça Federal suspender temporariamente as licenças da Eneva, a ASPAC recebeu a visita do prefeito e do deputado estadual Sinésio Campos (PT). Sem convite, eles exigiram entrar na sede da organização, alegando a necessidade de uma vistoria. Em um vídeo publicado pelo portal Correio da Amazônia, é possível vê-lo no portão, com a presença de policiais e outros apoiadores. 

Mesmo com duas mulheres negando sua entrada, Sinésio Campos insistiu, acabou entrando com a comitiva e conversou com as lideranças da organização. O deputado é abertamente a favor da exploração de gás no Amazonas e faz, constantemente, agradecimentos à Eneva S.A. em seus discursos na plenária da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam). 

“A gente entende que essas ‘visitinhas’ são tentativas de intimidação. Nesse dia, era para ter ocorrido uma audiência pública [sobre o empreendimento], mas também foi cancelada. O deputado e o prefeito subiram ao palco para falar mal da ASPAC, disseram que iriam fiscalizar a gente”, conta Vicente Neves, dirigente da associação.

A gente entende que essas ‘visitinhas’ são tentativas de intimidação. Nesse dia, era para ter ocorrido uma audiência pública [sobre o empreendimento], mas também foi cancelada. O deputado e o prefeito subiram ao palco para falar mal da ASPAC, disseram que iriam fiscalizar a gente. 

Vicente Neves, dirigente da ASPAC

Depois, Sinésio Campos divulgou uma nota afirmando que teria ido à sede da associação para dialogar e que não aceitou ser proibido de entrar porque o local seria público. “Como presidente da Comissão de Geodiversidade, Recursos Hídricos, Minas, Gás, Energia e Saneamento da Aleam, é meu papel dialogar com os entes envolvidos para encontrar possíveis caminhos para solucionar o impasse”, disse. 

A reportagem procurou o prefeito Paulino Grana e o deputado Sinésio Campos, mas não conseguiu retorno. A Eneva disse, em nota, que repudia práticas violentas e que mantém comunicações periódicas com lideranças locais, mas com abordagens pacíficas. A empresa também afirmou que nunca identificou “incidentes de qualquer natureza”. Leia a nota completa aqui. 

Organizações da sociedade civil em evento sobre transição energética em Silves, no Amazonas. Foto: Divulgação/ASPAC

Transição energética

A luta por uma transição energética, que é uma das bandeiras da ASPAC e do cacique Jonas Mura, tem como objetivo promover uma mudança no modelo que utiliza combustíveis fósseis, como petróleo, gás natural e carvão, substâncias que emitem grandes quantidades de carbono. Essa posição é estimulada dentro das discussões da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP), para que os países utilizem fontes de energia renováveis, como a hídrica, solar, eólica, biomassa, o que ainda é um desafio. 

Dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP) mostram que existem seis blocos de exploração de gás no Amazonas, sendo cinco deles da Petrobrás e um da Eneva. A Bacia do Solimões, onde ficam os blocos da Petrobras, foi a que mais emitiu gases de efeito estufa no ano passado. Foram 679 mil toneladas, compondo 49% das emissões feitas por exploração em bacias terrestres no país, de acordo com o Painel Dinâmico de Emissões da ANP. O painel não informa os dados da Bacia do Amazonas, onde estão dois blocos, o da Eneva e um outro da Petrobrás. 

Esses gases, emitidos por países de todo o mundo, são os responsáveis pelo aquecimento do planeta. A média de temperatura global em 2022 foi de 1,15 °C acima da média da era pré-industrial. Em 2023, tivemos o julho mais quente da história desde 1961. O aumento da temperatura global está causando mudanças no clima, consequentemente, desastres ambientais são registrados com mais frequência. 

Esse debate é acompanhado de perto pela Ong 350, organização internacional que está dando apoio à ASPAC, e que também realiza protestos e campanhas. “A lógica do petróleo e gás é explorar o máximo num menor tempo e menor custo. Hoje, eles estão autorizados a explorar essa área, mas pretendem avançar para outras regiões. Nós somos contra esse modelo, a Amazônia precisa ser livre das minerações de forma geral, principalmente as que vão causar impacto ao solo, aos rios e às pessoas”, diz Luiz Afonso, do Programa de Defensores Climáticos, da 350. 

A lógica do petróleo e gás é explorar o máximo num menor tempo e menor custo. Hoje, eles estão autorizados a explorar essa área, mas pretendem avançar para outras regiões. Nós somos contra esse modelo, a Amazônia precisa ser livre das minerações de forma geral, principalmente as que vão causar impacto ao solo, aos rios e às pessoas.

Luiz Afonso, do Programa de Defensores Climáticos da Ong 350
Sociedade civil em evento que pede transição energética limpa, em Silves, no Amazonas Foto: Arquivo pessoal/ Márcia Ruth

Defensores do Clima 

A ASPAC nasceu há 30 anos no Amazonas. Ela é composta por integrantes da sociedade civil, envolvendo jovens, adultos e idosos, pessoas indígenas e não indígenas, ribeirinhos e agricultores. O trabalho começou dentro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), grupo que atua dentro da Igreja Católica em todo o Brasil. Em 1993, eles decidiram construir uma organização não religiosa, para ter mais independência e, assim, surgiu a ASPAC. 

No início do mês, a associação organizou diversas ações dentro do evento global Renova Já!, que tem como tema a transição energética limpa, justa e popular. 

“Basta olhar para os exemplos que temos dessa exploração por combustíveis fósseis em todo o mundo. São experiências de destruição, de mortes de pessoas, de animais. Então, a gente começou essa luta em Silves contra a Eneva, não contra o trabalho, porque não somos contra o progresso, mas contra esse modelo que é hegemônico no país e nosso rio Amazonas está correndo risco”, diz Márcia Ruth.

A gente começou essa luta em Silves contra a Eneva, não contra o trabalho, porque não somos contra o progresso, mas contra esse modelo que é hegemônico no país e nosso rio Amazonas está correndo risco.

Márcia Ruth, dirigente da ASPAC

Além da ASPAC, também participaram do Renova Já! outras dez organizações, dentre elas a 350, a CPT e a Associação da Advocacia Popular do Amazonas (AAPAM). A advogada Alessandrine Silva, presidente da AAPAM, informou que as intimidações contra a ASPAC foram denunciadas também ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e que está prestando apoio jurídico e pessoal ao caso. 

“Nós estivemos em Silves para participar da programação e estamos dando apoio à ASPAC. Eles estão sofrendo várias tentativas de ataques de agentes políticos locais por sua luta contra a exploração da Eneva, encaminhamos as denúncias e vamos continuar acompanhando”, relatou Alessandrine. 

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1 comment

  1. Agradeço o apoio de Vocês em divulgar a luta das nossas comunidades Ribeirinhas, Indígenas, Quilombolas e agricultores da economia solidaria em querer continuar vivendo em seus territórios. Afinal não querem muita coisa, apenas agua limpa, ar puro e terra fértil para plantar.

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