Governo tem base mais sólida no Senado e conta com atuação favorável do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, mas falta de posicionamento claro sobre cada projeto de lei pode implicar em derrotas.

O Senado tornou-se a última fronteira para tentar impedir o avanço de projetos de lei (PLs) que desconstroem a estrutura central da legislação ambiental do país. Com a aprovação, em 30 de maio, do PL 490, que institui a tese do Marco Temporal sobre a demarcação das terras indígenas: Territórios da União reconhecidos e delimitados pelo poder público federal para a manutenção do modo de vida e da cultura indígenas em todo o país., a Câmara dos Deputados subiu a régua da pressão que já recaia fortemente sobre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O PL do Marco Temporal, que ganhou diversas emendas parlamentares: A emenda parlamentar é o instrumento que permite aos deputados e senadores realizarem alterações no orçamento anual. e passou a carregar todo tipo de esvaziamento das demandas indígenas, passa a fazer companhia, agora, a outros três textos que já passaram pela Câmara dos Deputados e que são prioridades da oposição para que sejam levados a plenário. Trata-se dos projetos de lei dos agrotóxicos, do licenciamento ambiental e da regularização fundiária.  

Lula pode, a rigor, vetar qualquer trecho de projetos que venham a passar pelo crivo do Senado. Ainda assim, esses vetos podem ser derrubados posteriormente pelo Congresso, ou seja, todo o esforço se concentra em não deixar que o jogo se resolva dentro do Legislativo, que pode exercer a palavra final, caso não concorde com os vetos presidenciais.

A InfoAmazonia esmiuçou o andamento de cada uma dessas propostas e ouviu pessoas do entorno do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), para saber quais são as expectativas em relação a cada um dos temas e a leitura sobre como eles devem caminhar dentro da Casa.

Uma base sólida, mas nem tudo são flores…

Diferente do que acontece na Câmara, o governo tem uma base mais sólida dentro do Senado e conta, hoje, com cerca de 55 votos favoráveis, entre os 81 senadores. No entanto, uma fonte próxima a Pacheco disse à InfoAmazonia que essa maioria pode se dissipar devido à dificuldade do governo em se posicionar sobre os temas de forma concisa. Há, portanto, um limite de atuação para os senadores. 

Em linhas gerais, as críticas apontam que o governo Lula precisa dizer, claramente, o que pensa sobre cada projeto, sob risco de ver a sua base mais fragilizada, deixando o Senado agir por si só. Essa divisão fica hoje escancarada com as diferentes sinalizações dadas, por exemplo, pelos ministérios da Agricultura, Meio Ambiente e Povos Indígenas.

Carlos Fávaro (PSD), ministro da Agricultura, era senador até o ano passado e apoiava, com afinco, os projetos de lei que liberam mais agrotóxicos, flexibilizam o licenciamento ambiental e promovem a regulação de terras. São temas, porém, combatidos a qualquer preço pela ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, e sua colega Sonia Guajajara, na pasta dos Povos Indígenas.

À falta de consenso soma-se, ainda, o fato de que o líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues, é hoje um senador sem partido, após deixar o Rede Sustentabilidade por não concordar com a decisão do Ibama: Autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente responsável por fiscalização, licenciamento e outras funções na área ambiental. em rejeitar os estudos para exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, o que poderia, em sua visão, beneficiar economicamente o seu estado, o Amapá.

Randolfe, que explorou nos últimos anos a imagem de defensor das pautas ambientais, deixou o partido arranhado com as principais instituições do setor, sob críticas de fazer apenas uso político do assunto e de rachar com a ministra Marina Silva. Agora, está sob a sua batuta defender, justamente, as pautas mais caras ao governo na área ambiental.

“A Câmara dos Deputados jogou no colo do Senado Federal um conjunto completo de retrocessos em direitos socioambientais consagrados. O pacote da destruição vindo do governo anterior continua nos ameaçando com força”, comenta Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima. “A pressão está gigantesca e poderemos ter perdas absurdas se votarem a Lei do Veneno, a Lei Geral do Licenciamento que implode quatro décadas de licenciamento ambiental no país, o PL 490 que colide frontalmente com os direitos das populações indígenas e outros projetos.”

A Câmara dos Deputados jogou no colo do Senado Federal um conjunto completo de retrocessos em direitos socioambientais consagrados. O pacote da destruição vindo do governo anterior continua nos ameaçando com força.

Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima

O que vem por aí

Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco tem procurado manter o que sinalizou ao governo e enviado os projetos de lei para discussões em comissões da Casa antes de pautar o tema no plenário. Esse processo, no entanto, tem limite e, em algum momento, os textos serão submetidos ao crivo dos parlamentares.

Jefferson Rudy / Agência Senado
Presidente do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG)

O projeto mais avançado em tramitação hoje é o que trata dos agrotóxicos. Aprovado pelo plenário da Câmara em fevereiro de 2022, o PL 1459/2022 (dos agrotóxicos) chegou a passar pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado em novembro do ano passado e a oposição fez de tudo para que fosse à votação no plenário, principalmente após a vitória de Lula. Houve reação, porém, para que o texto voltasse a ser discutido. O pedido foi atendido.

Em 8 de maio deste ano, Pacheco encaminhou o assunto para debate pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado, após pedido do relator da matéria, senador Fabiano Contarato (PT-ES). A promessa é tentar chegar a um consenso entre o que pretende a bancada ruralista e o que dizem os ambientalistas, para que o texto vá ao plenário do Senado.

Pacheco já deixou claro, em algumas ocasiões, que defende parte do projeto relacionada à entrada de novas substâncias que seriam mais modernas e menos nocivas à saúde. O texto aprovado na Câmara não só abre o setor para a entrada de novos produtos, como centraliza tarefas de fiscalização e análise desses produtos no Ministério da Agricultura, excluindo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ibama.

Há ainda previsão de concessão de registro temporário de produto caso sua avaliação não seja atendida no prazo máximo de 30 dias, em solicitações de pesquisa, a dois anos, para um produto novo ou matéria-prima.

O projeto, conhecido entre os ambientalistas como o “PL do Veneno”, já foi aprovado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). O texto atual é resultado de um longo caminho de debates e adiamentos, tendo a sua origem numa proposta original de 24 anos atrás, o projeto de lei 526, apresentado pelo então senador Blairo Maggi. Ocorre que, enquanto a ideia inicial era fazer mudanças pontuais na legislação, o projeto atual, do deputado Luiz Nishimori (PL-PR), põe fim às regras atuais, fazendo uma reformulação geral no setor.

“As perspectivas são muito ruins. Espero que o Poder Executivo mantenha coerência com a narrativa de proteção ambiental assumida pelo presidente Lula desde a posse e defenda essa pauta no Congresso. Necessita ser uma posição explícita de governo, transversal. A sociedade civil fará a sua parte para barrar esse show de horrores, mas precisará do apoio do governo”, diz Suely Araújo, do Observatório do Clima.

Marco temporal será debatido

Sem pressa. O compromisso assumido por Rodrigo Pacheco com o governo é o de pautar, em comissões e audiências públicas, a discussão sobre o PL 490, que impõe a tese do Marco Temporal sobre a demarcação de terras indígenas, determinando que só as ocupações por povos originários que existiam no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, podem ser reconhecidas. 

Integrantes da etnia Tapirapé em manifestação contra o Marco Temporal na terça-feira, 6 de junho de 2023

Senadores da oposição têm pressionado para que o tema tenha a sua urgência votada no plenário, como aconteceu na Câmara. Ciro Nogueira (PP-PI) chegou a apresentar um requerimento de urgência do projeto, que, agora, passa a tramitar como Projeto de Lei n° 2903, de 2023. Já está praticamente decidido, porém, que o texto passará pelo crivo de comissões, o que pode ocorrer de maneira separada ou conjunta. As principais comissões previstas são as de Meio Ambiente e da Agricultura. 

Existe uma forte mobilização para assumir a relatoria do texto em discussão. A senadora Soraya Thronicke (União-MS), presidente da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), já se reuniu com o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, e manifestou interesse. Essa escolha, porém, não depende do chefe da pasta da Agricultura. Normalmente, o presidente da comissão designa um relator para apresentar seu parecer sobre a matéria e este nome é escolhido a partir da proporção das bancadas partidárias ou blocos que compõem cada comissão.

Licenciamento fragilizado

Se no projeto dos agrotóxicos o governo conta com a relatoria de um aliado no Senado, o mesmo não ocorre no projeto de lei que trata da flexibilização do licenciamento ambiental.

O projeto de lei 2159/2021, que tem passado pelas comissões da Casa, tem a relatoria da senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura do governo Jair Bolsonaro e uma das vozes mais fortes do agro dentro da Casa.

Em 31 de maio, foram concluídas as audiências públicas conjuntas sobre o assunto, com debates pelas comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). Agora, o projeto está nas mãos de Tereza Cristina, para que a relatora apresente seu texto final.

Como acontece com os agrotóxicos, a proposta também tem origem antiga e foi originalmente apresentada na Câmara dos Deputados em 2004, chegando ao Senado em 2021. Seu texto prevê o fim de uma série de exigências para licenciamento de obras de infraestrutura, como manutenção de estradas e portos, além de transmissão de energia.

Uma das principais mudanças prevê o enfraquecimento de regras nacionais, repassando a governos estaduais e municípios a atribuição de definir qual tipo de empreendimento precisa de licença, além do tipo de processo que será aplicado em cada caso. O PL prevê ainda acesso irrestrito a terras indígenas e quilombolas que estejam em fase de estudo.

Grilagem liberada

O terceiro projeto nesta lista, e não menos importante, é o que trata da regularização fundiária e que passou a ser conhecido como “PL da Grilagem”. Aprovado em agosto de 2021 na Câmara, o texto prevê a regularização de ocupação indevida de terras públicas.

Sob o argumento de que é preciso dar um CPF para os donos de terras, permitindo que estas sejam fiscalizadas e seus donos responsabilizados em casos de crimes ambientais, a bancada ruralista propõe que áreas com tamanho de até seis “módulos fiscais:  O módulo fiscal é uma unidade de medida em hectares, mas que varia conforme o município ou Estado, podendo ficar entre 5 e 110 hectares, de acordo com a região.” possam obter sua regularização de forma automática e sem vistoria presencial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Já os ambientalistas afirmam que o projeto, da forma como está, será uma ampla anistia a grileiros de terras, facilitando invasões e o desmatamento.

O texto, que tramita em conjunto com Projeto de Lei 510, de 2021 – o qual trata do mesmo assunto –, já passou por três audiências públicas conjuntas no Senado. Em dezembro de 2021, foi defendido pelo relator, o então senador Carlos Fávaro (PSD-MT), hoje ministro da Agricultura no governo Lula.

A bancada ruralista tentou avançar com o projeto no ano passado, diante das eleições e, depois, da derrota de Jair Bolsonaro, mas não teve êxito e o assunto ficou para este ano. 

Em março, o PL da regularização fundiária foi distribuído ao relator do texto na Comissão de Meio Ambiente, senador Fabiano Contarato, para que ele emitisse sua avaliação sobre o projeto. A senadora Margareth Buzetti, que relata a matéria na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, também recebeu o PL para dar seu parecer.

Direitos fundamentais

“O Brasil é uma democracia moderna, com os poderes da República alicerçados em Constituição Cidadã e Ecológica. Se o Poder Legislativo entrou em profunda crise ética, alimentada majoritariamente por representantes de um modelo de economia primária baseada na exploração irracional do território, o Executivo deve usar todo seu poder discricionário para manter posição de estrita legalidade”, diz Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).

O Brasil é uma democracia moderna, com os poderes da República alicerçados em Constituição Cidadã e Ecológica. Se o Poder Legislativo entrou em profunda crise ética, alimentada majoritariamente por representantes de um modelo de economia primária baseada na exploração irracional do território, o Executivo deve usar todo seu poder discricionário para manter posição de estrita legalidade.

Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

O especialista entende que questões relacionadas ao Marco Temporal, agrotóxicos, licenciamento ambiental e a exploração de petróleo com alternativa locacional inadequada dizem respeito a direitos fundamentais constitucionais, que são inegociáveis, onde decisões adequadas contam com amplo respaldo legal e científico. 

“O Brasil necessita de uma governança ambiental que não sucumba à crise ética dos interesses predatórios e se mantenha à altura do que é: um Estado ecológico, que encontra amplo respaldo nas conquistas sociais, nas decisões bem-informadas, em sua Constituição e nos tratados internacionais”, afirma Bocuhy.


Reportagem da InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.

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André Borges

André Borges, 47 anos, atua como repórter há 25 anos. Natural de São Paulo, vive em Brasília desde 2010, cobrindo temas ligados ao meio ambiente, impactos sociais, política e infraestrutura. É mestre...

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  1. As vantagens da Proteção a natureza são tão óbvias, que de certa forma atesta que os homens são burros ou gananciosos cegos sem visão do futuro.

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