O grupo interministerial que se dedica a criar estratégias de combate ao tráfico de drogas em territórios tradicionais anunciou sua primeira ação. Nesta segunda-feira (5), o Grupo de Trabalho (GT), coordenado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), lançou edital no valor de R$ 3 milhões, que deve beneficiar organizações que atuam no enfrentamento do crime organizado, principalmente em terras indígenas na Amazônia Legal.
A presidente da Funai, Joênia Wapichana, afirmou que deve tratar o tema com foco na redução dos danos que o consumo e o tráfico de drogas causam nas terras indígenas. Dentro do GT, a Funai trabalha ações de saúde mental. “Às vezes a gente tenta combater, mas, estrategicamente, talvez seja [melhor] fazer a prevenção , trazer a proteção e até mesmo trazer as mitigações”, afirmou.
Os conflitos gerados pelo tráfico de drogas envolvem diversos danos à vida dos povos indígenas e seus defensores, mas também alteram a cultura e o comportamento nas aldeias propiciando a entrada de mais invasores. A antropóloga Beatriz Matos, uma das representantes do Ministério dos Povos Indígenas e que foi companheira de Bruno Pereira, citou a morte do indigenista, ocorrida há um ano na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, como exemplo das consequências destas invasões.
“A gente acredita que o que vitimou o meu marido e o Dom tem relação com isso (crime organizado), a gente acredita que as ameaças que as lideranças indígenas no Vale do Javari continuam sofrendo estão relacionadas a isso”, disse.
O GT foi instituído em abril deste ano para “mitigação e reparo dos efeitos do tráfico de drogas sobre as populações indígenas”. O advogado indígena Eloy Terena afirmou que o edital sofreu modificações para ampliar seu alcance na Amazônia Legal e também para outras regiões. “O tráfico também está atuando no Mato Grosso do Sul, está atuando nas regiões litorâneas na Bahia e especialmente na Amazônia”, disse.
O advogado também afirmou que o GT está trabalhando em torno de debates envolvendo o encarceramento dos povos indígenas no Brasil. “Um aspecto essencial aprovado pelo Ministério da Justiça é a gente pensar essa dimensão ao enfrentamento do encarceramento indígena. Temos que colocar essa dimensão porque são coisas interligadas”, disse o advogado.
O edital ainda não está disponível para consulta, mas deve ser publicado no site do Ministério da Justiça. Participam do GT os ministérios dos Povos Indígenas (MPI), Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Educação (MEC), Igualdade Racial (MIR), Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e Saúde (MS).
“O crime não vai esperar”
O advogado indígena Eliésio Marubo, liderança na Terra Indígena Vale do Javari, cobrou as ações do Governo Federal que ainda não foram feitas nestes primeiros seis meses. Durante a sessão, ele contou que sofreu um novo atentado e que está andando com seguranças. “Estivemos na comissão de transição indicando as prioridades, fizemos uma reunião com os ministérios, apontando onde estava doendo. O resultado disso é que enquanto fazíamos esse diálogo com o governo, as pessoas continuaram sendo ameaçadas. É preciso que haja um enfrentamento de fato. O crime não vai esperar”, afirmou.
A liderança também criticou as burocracias dos programas de segurança do Governo Federal. “Eu estou nesse programa de proteção às testemunhas. É como se fosse uma grande central telefônica. Estou em perigo, o criminoso apontou a arma na minha direção, o que o programa prevê? Que eu ligue para a central, fale com alguém do programa, alguém do programa vai entrar em contato com uma autoridade e vai localizar uma viatura para enviar até mim”, contou.
Eliésio é representante da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), organização que atua no Vale do Javari, em defesa dos povos indígenas e dos defensores da floresta desde 2010 . Ele pediu celeridade para a proteção de quem vive na Amazônia.
A InfoAmazonia mostrou, em reportagem publicada, que parte dos assassinatos de defensores da floresta, incluindo indígenas e não indígenas, estão ligados ao narcotráfico, garimpeiros e militares. Além disso, 90% dos assassinatos na Amazônia Legal não são julgados, de acordo com dados da CPT (Comissão Pastoral da Terra).
No Maranhão, entre setembro de 2022 e janeiro de 2023 ao menos dez indígenas e defensores da floresta foram assassinados ou sofreram atentados. A escalada de violência nas terras indígenas do estado é constante e aqueles que são ameaçados vivem escondidos.
Impactos da desinformação ambiental
A InfoAmazonia também foi convidada para a sessão, com o projeto Mentira Tem Preço, feito em parceria com a produtora FALA, que investiga desinformação ambiental e os danos causados contra os direitos dos povos indígenas e da floresta amazônica. Há três anos o projeto monitora, investiga e faz checagem de casos em que as fake news colaboram para o aumento dos ataques, com mentiras e discurso de ódio contra defensores do meio ambiente.
A coordenadora do projeto, a jornalista Thaís Lazzeri, avalia que o GT, como está constituído, é positivo por ser interministerial, mas que precisa considerar que a desinformação pode interferir nas medidas adotadas e deve ser considerada na hora de criar as ações. “A desinformação trabalha para os interesses de poucos, isso significa que você pode ter adesão ou repulsa à uma política pública, significa que a desinformação pode ter impacto dentro dos territórios, pode inclusive significar violência. Essa frente tem que pensar que a desinformação é chave para construir essas estratégias”, avalia.
É o caso das investigações das mentiras que impactam o território Yanomami, em Roraima, por exemplo. Com as reportagens “Como a desinformação digital desumanizou os Yanomami” e “Tese de militar morto pauta ataques à crise dos Yanomami” ou ainda “Rede bolsonarista usa o YouTube para tachar MST de terrorista”.
A desinformação ambiental causa prejuízos também aos órgãos públicos, como foi o caso envolvendo o resgate de uma capivara no interior do Amazonas. O assunto repercutiu nas redes sociais e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) sofreu ataques, inclusive de perfis da extrema direita.