Principal doador, Noruega pode aumentar contribuições; ministro do meio ambiente do país faz visita ao Brasil até sábado (25) e reafirma compromisso, além de dizer que vai apoiar o Brasil na mobilização de recursos adicionais. Suíça, França, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos também entram em jogo como interessados em investir no fundo.

Principal mecanismo de captação de recursos para o meio ambiente no Brasil, o Fundo Amazônia: Projeto que capta e investe recursos nacionais e internacionais para potencializar a conservação e o uso sustentável da Amazônia. ganhou ainda mais importância no governo graças às intensas negociações para atrair novos doadores, iniciadas na COP27. No Itamaraty, mais diplomatas estão dedicados à área de clima após uma reestruturação interna promovida em janeiro. França, Suíça, Espanha e Reino Unido são alguns dos países que avaliam se juntar nos próximos meses aos Estados Unidos, que declararam um “apoio inicial para o Fundo Amazônia”. Já a Alemanha, que desde 2010 colabora com a iniciativa, também anunciou, em janeiro, um novo aporte a ser repassado ao longo de 2023.

Apesar dos novos países interessados, a Noruega deve continuar sendo o principal financiador da iniciativa. O país foi responsável por mais de 90% das doações captadas até a paralisação do fundo (leia mais abaixo sobre os valores do fundo), em 2019, com a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência. 

Ministério do Meio Ambiente / Divulgação
Ministro do Meio Ambiente norueguês, Espen Barth Eide, e a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, em reunião na quarta-feira, 22 de março de 2023

Nesta semana, o ministro do Meio Ambiente norueguês, Espen Barth Eide, tem reuniões com autoridades em Brasília para discutir “mais cooperação”. Ele se encontrou com a ministra Marina Silva nesta quarta (22) e reafirmou a parceria bilateral em clima e florestas, iniciada em 2008, com o lançamento do Fundo Amazônia. Eide disse que vai apoiar o Brasil na mobilização de recursos adicionais. 

Durante a viagem à Brasília, que deve ocorrer até o sábado (25), o ministro da Noruega deve ter ainda reuniões com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, com o ministro da Justiça, Flávio Dino, além de outras autoridades do governo e de representantes de povos indígenas e da sociedade civil. 

Reforço no Itamaraty

Além de ser considerado estável e atrativo por investidores externos, o Fundo Amazônia é também a principal bandeira da diplomacia brasileira em discussões internacionais sobre meio ambiente. Apresentada como uma importante pauta do governo Lula, a agenda climática virou prioridade no Ministério das Relações Exteriores, uma das nove pastas que possuem cadeira permanente no comitê orientador do Fundo

“O Itamaraty, como braço do governo federal, é mais um reflexo das prioridades do governo, e é um governo que está priorizando a agenda climática. Por isso, houve uma reestruturação, e não só no Itamaraty, vários ministérios criaram áreas voltadas para meio ambiente e mudanças climáticas”, explica o diplomata Daniel Machado da Fonseca, chefe da Divisão de Ação Climática no Itamaraty. 

Fernando Frazão / Agência Brasil
Em 15 de fevereiro de 2023, as ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, falam do Comitê Orientador do Fundo Amazônia no BNDES.

“Dentro do Itamaraty, a área de clima, que tradicionalmente era uma divisão do departamento de meio ambiente, virou um departamento em si. Então, isso quer dizer mais diplomatas trabalhando nisso. É uma área que ganhou importância”, complementa Machado da Fonseca. 

Dentro do Itamaraty, a área de clima, que tradicionalmente era uma divisão do departamento de meio ambiente, virou um departamento em si. Então, isso quer dizer mais diplomatas trabalhando nisso. É uma área que ganhou importância.

Daniel Machado da Fonseca, chefe da Divisão de Ação Climática no Itamaraty

Desde sua criação em 2008, a iniciativa recebeu R$ 3,4 bilhões em doações. O principal responsável por esses recursos foi o governo da Noruega, que doou 93,8% do total, seguido do governo da Alemanha, responsável por 5,7%, e da Petrobras, que contribuiu com 0,5%. Por isso, graças a aplicações financeiras contratadas em 2018, o fundo possui atualmente R$ 5,4 bilhões em recursos, conforme balanço do BNDES publicado em fevereiro.

Ou seja: o valor supera o total doado pelos países participantes porque, enquanto o fundo esteve paralisado no governo de Bolsonaro, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que é o gestor da iniciativa, investiu os recursos. Assim, o fundo conta com cerca de R$ 3,6 bilhões disponíveis para uso atualmente — R$ 1,8 bilhões dos 5,4 bilhões já estão contratados porque foram aprovados para projetos apoiados pelo mecanismo. 


Retomada após paralisação

Apesar dos valores avantajados, boa parte do dinheiro esteve parado desde 2019, quando o governo Bolsonaro extinguiu diversos comitês vinculados à administração federal. Como as regras do Fundo Amazônia determinam que ele só pode operar sob orientação do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (COFA), a iniciativa ficou, virtualmente, paralisada: novos projetos pararam de ser recebidos, e os países doadores congelaram novos aportes. Apenas os projetos que já haviam sido contratados antes da paralisação continuaram recebendo recursos nos últimos 4 anos. 

Agora, com o fundo reativado com decretos assinados ainda no primeiro dia de mandato, a gestão Lula tem buscado atrair novos doadores enquanto ainda define o destino dos mais de R$ 3 bilhões em recursos disponíveis. Na primeira reunião do COFA após sua restauração, no dia 15 de fevereiro, o grupo definiu que os novos projetos apoiados pelo Fundo Amazônia devem abranger prioritariamente três áreas: monitoramento e controle, estudos para ordenamento territorial e apoio às populações indígenas e tradicionais.

Na primeira reunião do COFA após sua restauração, no dia 15 de fevereiro, o grupo definiu que os novos projetos apoiados pelo Fundo Amazônia devem abranger prioritariamente três áreas: monitoramento e controle, estudos para ordenamento territorial e apoio às populações indígenas e tradicionais.

Em nota, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) declarou à InfoAmazonia que, além de instituir essas áreas prioritárias, a reunião também determinou que novos projetos “podem ser apresentados a qualquer momento, e serão avaliados pelas equipes técnicas”. 

“A retomada do fundo adotou inicialmente critérios aplicados até 2018, e as novas diretrizes serão apontadas pelo PPCDAm: Planejamento lançado em 2004 para reduzir o desmatamento e as emissões de gases de efeito estufa geradas pela perda de vegetação nativa na Amazônia Legal., que será finalizado em abril, após consulta pública”, afirma o MMA. Após o primeiro encontro do COFA, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, declarou que o governo está fazendo um “esforço de captação” e que houve “sinalização” de apoio por parte da França, Espanha e da União Europeia. 

Atraente para doadores

As sinalizações citadas por Marina Silva em fevereiro começaram, no entanto, ainda no ano passado, durante a COP27. Apenas quinze dias depois da vitória de Lula no segundo turno, representantes do governo de transição, inclusive o presidente eleito, embarcaram para o Egito para costurar as negociações e promover o Fundo Amazônia. Segundo especialistas, essa propaganda não é especialmente difícil: o mecanismo é considerado atraente para os países doadores graças à sua transparência na divulgação de resultados. 

“Para os países que querem investir, não há dúvidas de que o Fundo Amazônia é o veículo mais robusto e estruturado que o Brasil possui. Ele tem um olhar nacional e um caráter de política pública, que é preferível ao apoio a ONGs específicas”, explica Eugênio Pantoja, diretor de Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam), que já participou de avaliações periódicas do fundo no passado. 

Para os países que querem investir, não há dúvidas de que o Fundo Amazônia é o veículo mais robusto e estruturado que o Brasil possui. Ele tem um olhar nacional e um caráter de política pública, que é preferível ao apoio a ONGs específicas.

Eugênio Pantoja, diretor de Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial do Ipam

“Além disso, ele tem uma governança muito sólida, é uma estrutura muito forte dentro de um arranjo institucional do governo federal, com representantes da sociedade civil e também dos estados da Amazônia Legal: É uma região que ocupa quase metade do território brasileiro, abrange 9 estados e tem área superior ao do bioma amazônico.”, completa Pantoja. 

Um artigo científico publicado no final de fevereiro concluiu que os impactos positivos do Fundo Amazônia “se devem em grande parte às suas três dimensões inovadoras interligadas” — a governança diversa, o sistema de pagamentos por resultados e o fato de o financiamento dos projetos ser conduzido pelo BNDES.  

Outro fator que contribui para o interesse dos países estrangeiros, segundo os especialistas ouvidos pela InfoAmazonia, é o reconhecimento internacional que os investimentos em meio ambiente trazem a esses governos. Em um cenário geopolítico no qual a agenda climática é cada vez mais relevante, os aportes para esses fundos ganham importância, como explica Adriana Ramos, assessora do Instituto Socioambiental (ISA). 

“Esses países têm compromissos próprios de reduções e compensações de emissões [de carbono], então eles têm interesse direto no carbono florestal da Amazônia. Existe uma relação de custo benefício para eles também, porque embora o Fundo Amazônia não gere créditos REDD+: Incentivo político-econômico no âmbito das Nações Unidas para a redução das emissões de gases de efeito estufa por países em desenvolvimento., ele gera uma espécie de diploma que tem valor geopoliticamente”, explica Ramos, que já atuou como representante da sociedade civil no COFA.

Existe uma relação de custo benefício para eles também, porque embora o Fundo Amazônia não gere créditos REDD +, ele gera uma espécie de diploma que tem valor geopoliticamente.

Adriana Ramos, assessora do Instituto Socioambiental (ISA)

Diplomacia e meio ambiente

A importância do tema é tanta que, no final de fevereiro, o Ministério das Relações Exteriores criou o cargo de Embaixador Extraordinário para a Mudança do Clima, ocupado por Luiz Alberto Figueiredo Machado. 

“Do nosso ponto de vista, o Fundo Amazônia é um dos mecanismos mais eficientes de financiamento climático dentre as opções existentes no mundo. Isso se dá não só pela transparência e boa gestão do fundo, mas também pelo grande potencial de impacto positivo para os recursos”, defende o diplomata Daniel Machado da Fonseca, da divisão de Ação Climática no Itamaraty.

Para a professora de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Ana Flávia Barros-Platiau, apesar do protagonismo da iniciativa, é importante lembrar que o Fundo não tem capacidade de resolver todos os dilemas da região.  

“O Fundo é um mecanismo que tem potencial para trazer resultados positivos para o Brasil e para o mundo, mas não é a solução perfeita para todos os problemas que persistem na Amazônia”, afirma Barros-Platiau, que é especialista em governança da sustentabilidade e diretora do Brasília Research Centre da rede Earth System Governance

O Fundo é um mecanismo que tem potencial para trazer resultados positivos para o Brasil e para o mundo, mas não é a solução perfeita para todos os problemas que persistem na Amazônia.

Ana Flávia Barros-Platiau, especialista em governança da sustentabilidade e diretora do Brasília Research Centre

Com apenas três meses de mandato, a prioridade do meio ambiente na pauta do governo federal ainda precisa sair do discurso para a prática, segundo a especialista. 

“O governo Lula afirmou que priorizará a agenda climática, mas ainda é cedo para sabermos o que foi efetivamente planejado. O que o governo fez até agora foram muito mais promessas do que políticas e grandes reformas. Os desafios são enormes, e o governo precisará de tempo para implementar mudanças”, explica a professora.

Ainda que as ações internacionais de captação de fundos promovidas pela diplomacia brasileira sejam bem-sucedidas, elas precisam ser acompanhadas de políticas internas que complementem essa estratégia, de acordo com Barros-Platiau. 

“A agenda do clima não se limita a afirmar que a política externa brasileira mudará. São as políticas domésticas que precisam mudar para que tenhamos estado de direito. Mas, quanto à diplomacia, não tenho dúvidas que o Brasil tem excelentes profissionais que defendem nossos interesses”, afirma. 

Valores em aberto

Com esses esforços diplomáticos, o governo tem conseguido atrair atenção de outros países, mas as contribuições novas ainda são pequenas perto do total de recursos já existentes no fundo. 

O anúncio do governo da Alemanha prevê uma doação de 35 milhões de euros, valor equivalente a pouco menos de R$ 200 milhões. O aporte deve ser repassado ao longo deste ano, segundo o BNDES. Já os representantes dos Estados Unidos ainda não confirmaram exatamente o montante que será repassado ao Brasil, mas a previsão é a de que seja perto de US$ 50 milhões, cerca de R$ 250 milhões. 

Além disso, outros países que manifestaram interesse não divulgaram valores até o momento. É o caso da França, que anunciou uma possível contribuição durante a visita da ministra das Relações Exteriores, Catherine Colonna, ao Brasil em fevereiro. Segundo a chanceler, a União Europeia também está avaliando participar do fundo. 

"A França estuda a possibilidade de uma contribuição bilateral, assim como a União Europeia, a qual é membro, estuda muito ativamente a possibilidade de contribuição [ao Fundo Amazônia]", afirmou Colonna, em uma coletiva de imprensa em Brasília. 

Já o Reino Unido declarou seu interesse no ano passado, após ter sido procurado por representantes do governo de transição na COP27: “nossos ministros receberam o pedido para que o Reino Unido se junte ao Fundo Amazônia de diversos representantes do governo de transição no Egito, durante a COP27, e estamos avaliando as possibilidades”, declarou a embaixada do país em Brasília, em comunicado.

A Suíça também confirmou que considera uma contribuição no futuro, em um comunicado oficial enviado à InfoAmazonia. O governo do país ressaltou ainda a importância das florestas tropicais na luta contra mudanças climáticas. 

“A Suíça tem discutido o Fundo Amazônia em suas trocas informais com as autoridades brasileiras de transição. Uma contribuição para o Fundo está sendo considerada”, disse o governo suíço, em nota.

Já a Espanha não anunciou oficialmente a possibilidade de se juntar ao fundo, mas foi citada pela ministra Marina Silva como um país que fez uma “sinalização” após a primeira reunião do COFA. Procurado pela InfoAmazonia, o ministério do Meio Ambiente da Espanha não respondeu ao contato até a última atualização desta reportagem. 

Protagonismo norueguês

Por isso, mesmo com as novas manifestações de interesse, a Noruega deve continuar sendo o principal financiador do Fundo Amazônia a curto e médio prazo, segundo especialistas. Isso porque os países que já anunciaram os valores das contribuições novas, como Estados Unidos e Alemanha, pretendem investir muito menos do que a Noruega já aporta. 

De acordo com Fernando Mathias, assessor de políticas públicas da Rainforest Foundation Norway em Oslo, o interesse da Noruega na Amazônia é antigo e não está relacionado a nenhum governante específico. 

“Esse investimento faz parte de uma política mais ampla da Noruega que existe desde 2008, ou seja, desde a concepção do Fundo Amazônia. O papel das florestas tropicais na agenda climática foi ressaltado já nessa época, quando eles reconheceram que há um bom custo-benefício em investimentos contra o desmatamento. Veio daí o consenso parlamentar de apoiar a iniciativa”, explica Mathias. 

“A Noruega já tem tradição no campo da cooperação internacional, é um dos poucos países da Europa que dedica 1% do seu PIB para cooperação internacional. Então, embora seja um país pequeno, é um ator relevante no cenário internacional porque tem uma política forte nesse sentido”, completa o especialista. 

A Noruega já tem tradição no campo da cooperação internacional, é um dos poucos países da Europa que dedica 1% do seu PIB para cooperação internacional. Então, embora seja um país pequeno, é um ator relevante no cenário internacional porque tem uma política forte nesse sentido.

Fernando Mathias, assessor de políticas públicas da Rainforest Foundation Norway em Oslo

A analista do ISA, Adriana Ramos, também ressalta que a relevância da Noruega no cenário internacional deve ajudar a manter o país como o principal doador: “a Noruega está sempre entre os maiores doadores do mundo em qualquer iniciativa em mudanças climáticas, mas em florestas e clima, é ainda mais relevante, então isso se reflete no Fundo Amazônia também”, explica. 


Reportagem da InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.

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