Avaliação positiva da reformulação de órgãos que vão olhar para o ambiente e o clima pode sucumbir à falta de uma gestão efetivamente transversal, dentro e fora do governo.

A transversalidade entre os diferentes ministérios do novo governo, exposta agora de forma explícita nos primeiros dias de Lula, está na base da repaginação feita pela ministra Marina Silva (Rede) no ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima – a segunda parte do nome, que se refere à política contra o aquecimento global, é inédita na pasta; no entanto, a sigla permanece a mesma: MMA. 

“A transversalidade não é mais um desejo, um sonho, é uma realidade descrita nas estruturas organizacionais de todas as novas pastas da Esplanada. Comprometo-me, por meio do ministério que tenho a honra de conduzir, a envidar todos os meus esforços para que essas letras escritas se traduzam na prática”, disse Marina ao tomar posse em 4 de janeiro de 2023.

A transversalidade não é mais um desejo, um sonho, é uma realidade descrita nas estruturas organizacionais de todas as novas pastas da Esplanada.

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima

Segundo a nova ministra, anunciada por Lula no final de dezembro, o papel do MMA “não é ser um entrave às justas expectativas de desenvolvimento econômico e social de nossa população, mas de ser um facilitador para orientar a forma como essas demandas podem ser atendidas sem prejuízo da necessária proteção de nossos recursos naturais”. 

“Haverá, naturalmente, tensões e contradições. A transversalidade ainda é incipiente. As visões setoriais precisam evoluir para uma perspectiva mais integradora, trazida por novos paradigmas em curso no mundo inteiro”, completa Marina, mas, como ela mesmo diz, esse tema transversal foi ela quem trouxe para a Esplanada, lá atrás, em 2003, durante o primeiro governo Lula.

Do ponto de vista prático, até agora, Marina promoveu uma nítida reestruturação das secretarias e departamentos do ministério, para tentar recuperar o tempo perdido. O governo Bolsonaro não apenas jogou a questão ambiental para debaixo do tapete, como, de forma proposital, também desmontou várias estruturas de controle e fiscalização ambiental. O ex-presidente trocou peças-chaves técnicas por militares sem proximidade com o tema. 

Julia Lima / PlenaMata

Análise feita pelo projeto Política por Inteiro detalha as mudanças já apresentadas no MMA e em todo o governo federal nos temas socioambientais e climáticos, sendo que todas elas estão definidas por meio da Medida Provisória (MP) 1.154/2023.

Pauta socioambiental além do MMA

Além da MP, existem outros 31 decretos que detalham as estruturas de cada pasta no novo governo. 

Secretarias e/ou cargos ligados às áreas climática ou socioambiental estão listados em 11 ministérios (Cultura; Justiça e Segurança Pública; Igualdade Racial; Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar; Povos Indígenas; Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Relações Exteriores; Fazenda; Ciência, Tecnologia e Inovação; Minas Energia e Integração e do Desenvolvimento Regional). O Decreto 11.328/2023, por exemplo, criou a Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente dentro da Advocacia-Geral da União (AGU). 

“É um sinal de que se tentará incorporar ao governo o discurso muitas vezes repetido na campanha sobre a transversalidade das ações ambientais e climáticas. O presidente Lula demonstrou o peso dessa agenda quando esteve presente à COP27, seu primeiro compromisso internacional após as eleições em 2022. Seus discursos da vitória, em outubro, e também da posse no Congresso Nacional, no dia 1º, mencionaram esses temas”, diz o texto da equipe técnica do Política Por Inteiro, coordenada pela administradora pública Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa. O projeto surgiu em 2019 para monitorar os sinais políticos dos atos feitos pelo Governo Federal.


Secretarias simbólicas: Mudanças do Clima, Bioeconomia e Combate ao Desmatamento

De acordo com os pesquisadores, a nova estrutura é um sinal político de fortalecimento grande do Ministério do Meio Ambiente. Entre os destaques, avalia a equipe do Política Por Inteiro, estão a criação da secretaria para Mudança do Clima, contendo um inédito departamento de Oceano e Gestão Costeira, e uma secretaria extraordinária de Combate ao Desmatamento e Ordenamento Territorial: “quando chegarmos ao desmatamento zero, não precisará da Secretária Extraordinária de Desmatamento. Então, esse secretário sabe que a taxa de sucesso dele será medida no dia que o presidente extinguir a secretaria extraordinária de desmatamento”, apontou Marina Silva no discurso de posse.

O projeto Política por Inteiro aponta, ainda, outras boas mudanças, como o surgimento da secretaria para o tema da bioeconomia (Secretaria Nacional de Bioeconomia) e a previsão da montagem de um departamento para apoiar o Conselho Nacional de Mudança do Clima e o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima. A volta do Serviço Florestal Brasileiro: Órgão federal criado em 2006 para fomentar e controlar atividades econômicas sustentáveis em florestas públicas concedidas a entidades privadas e civis. (SFB) ao MMA, que havia sido retirado da pasta pelo governo anterior, também é positiva segundo os analistas.

Valter Campanato / Agência Brasil
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, assume o cargo, durante cerimônia de transmissão, no Salão Nobre no Palácio do Planalto

Já os líderes da rede “Uma Concertação Pela Amazônia”, que envolve 500 lideranças entre pesquisadores, representantes do setor privado, governos, ONGs e movimentos sociais, concordam que as primeiras medidas do governo apontam para uma priorização da agenda ambiental e climática. 

“A reestruturação do próprio MMA, que além das novas secretarias e departamentos e da volta do SFB, retoma de imediato políticas importantes como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal: Planejamento lançado em 2004 para reduzir o desmatamento e as emissões de gases de efeito estufa geradas pela perda de vegetação nativa na Amazônia Legal. (PPCDAm) e o Fundo Amazônia, fundamentais para a contenção do desmatamento amazônico, são indicativos positivos dessa preocupação”, afirma Renata Piazzon, diretora-executiva do Instituto Arapyaú e secretaria-executiva da rede “Uma Concertação pela Amazônia”. 

Os sinais, segundo Piazzon, também podem ser encontrados em outras ações que extravasam o MMA e se espalham por todo o governo: “até o momento, 12 órgãos [11 ministérios e a AGU] possuem pelo menos uma secretaria ou um departamento para tratar de temas socioambientais ou climáticos, o que mostra a transversalidade da agenda em outros ministérios e estruturas da administração federal”, diz. 

Os espaços de participação e representação da sociedade civil, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente: Coletivo de caráter consultivo e deliberativo instituído em 1981 como parte do Sistema Nacional do Meio Ambiente e com representantes de órgãos públicos federais, estaduais e municipais, setor privado e sociedade civil. (Conama) e o Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), também estão sendo recompostos, o que é mais um ponto positivo, avalia a organização “Uma Concertação pela Amazônia”.

Os primeiros passos de um longo caminho não significam que o percurso será tranquilo, como lembrou a própria ministra Marina Silva em seu discurso de posse. Quando ela esteve à frente da pasta, entre 2003 a 2008, enfrentou em vários momentos a dificuldade que impõe a proposta da transversalidade. 

A posição do MMA, por exemplo, não foi considerada prioritária durante as etapas de projeto, licenciamento e construção das grandes usinas amazônicas, como a de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira. Entre 2007 e 2008, a então ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), e idealizadora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), não mediu esforços para que as obras de infraestrutura não sofressem com contratempos. Em alguns casos, o Ibama, sob a batuta de Marina Silva, teve que ceder. Anos depois, já durante o governo de Dilma como presidenta e sem Marina na direção do MMA, um processo semelhante ocorreu com a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.

“Para que a agenda ambiental seja efetiva, é fundamental que haja planejamento de longo prazo, capacidade de coordenação interministerial e com os demais poderes e articulação federativa. Do ponto de vista do diálogo, é necessário fazer valer os espaços de representação e engajamento do setor privado, da filantropia, da academia e da sociedade civil”, afirma Renata Piazzon. 

Para que a agenda ambiental seja efetiva, é fundamental que haja planejamento de longo prazo, capacidade de coordenação interministerial e com os demais poderes e articulação federativa.

Renata Piazzon, diretora-executiva do Instituto Arapyaú e secretaria-executiva da rede ‘Uma Concertação pela Amazônia

Para a presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, acompanhar os próximos passos também será fundamental: “a nova estrutura do MMA e instâncias criadas ou fortalecidas em outros ministérios corroboram os discursos do governo Lula sobre o fortalecimento da agenda climática. Entretanto, avaliamos que ainda faltam definições sobre a centralidade dessa agenda. A transversalidade está sendo posta por meio de secretarias, departamentos e etc., mas o estabelecimento de uma governança para articular essas engrenagens é fundamental para que ela funcione de forma harmônica e acelerada”. 


Reportagem da InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.

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