Enquanto isso, deputados sem histórico de atuação com a pauta indígena tentam assumir liderança da Comissão Permanente da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais na Câmara dos Deputados.
O Congresso Nacional instalou uma frente parlamentar mista: São associações de parlamentares de vários partidos para debater sobre determinado tema de interesse da sociedade. Elas podem ser compostas apenas por deputados ou mistas, formadas por deputados e senadores. – formada por deputados e senadores – em defesa dos povos indígenas nesta terça-feira (7). Ela será liderada pela deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), que estreia seu primeiro mandato federal depois de ter sido deputada estadual em Minas Gerais. Ela reuniu 203 assinaturas – eram necessárias 198 –, o que representa um terço de todos os parlamentares.
No mandato anterior, a líder da frente foi Joênia Wapichana (Rede-RR), atual presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai: Órgão federal criado em 1967 e responsável pela execução das políticas de proteção e de promoção dos direitos indígenas em todo o território nacional.). Em entrevista ao PlenaMata, Xakriabá ressalta que vai manter e ampliar as iniciativas da gestão de Wapichana, além de manter canais de diálogo com o Parlamento Europeu e com os Legislativos de outros países da América Latina.
“Vamos tratar de pautas emergenciais com a Apib [Articulação dos Povos Indígenas do Brasil], com o Ministério dos Povos Originários, com a Funai, com a Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena], de maneira coletiva”, conta Xakriabá. Essa articulação servirá para dar embasamento técnico, jurídico e político aos projetos de lei em debate no Congresso. “Também vamos abrir um amplo processo de consulta popular para atualizar o Estatuto dos Povos Indígenas até o fim do mandato.”
No entanto, na Câmara dos Deputados, uma Comissão Parlamentar: A Câmara tem 30 comissões permanentes, com caráter técnico, legislativo e especializado. Elas têm a finalidade de deliberar sobre as proposições legislativas, de acordo com seus campos temáticos; realizar audiências públicas; e determinar a realização de auditorias na administração dos Três Poderes e na administração indireta, entre outros. (Comissão Permanente da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais) foi criada pela Presidência, mas ainda não escolheu seus líderes e poderá ser instalada – ela tem mais poder deliberativo do que a frente parlamentar e deve atuar como um filtro de quais projetos de lei continuam tramitando até chegar ao plenário. Há, nesse caso, a intenção por parte de deputados bolsonaristas de assumir a sua liderança (leia mais abaixo).
Disputa indígena
A liderança dos grupos – frente e comissão – foi alvo de uma disputa entre deputados com posições opostas dentro do Congresso desde o começo deste ano. Eles serão o núcleo de debate dos principais temas de políticas públicas referentes à questão indígena.
Antes de Xakriabá obter as assinaturas para a frente parlamentar, o primeiro deputado a pedir o registro (e consequente liderança) foi Coronel Chrisóstomo (PL-RO), que se identifica como militar, filho de uma indígena e defensor da exploração econômica das terras indígenas, inclusive pelo garimpo. Antes mesmo da posse da nova legislatura, quando Xakriabá ainda não tinha mandato, ele correu para registrar a intenção de criar uma frente parlamentar.
Xakriabá foi eleita numa articulação nacional para criar uma “Bancada do Cocar” para tentar reverter as políticas bolsonaristas que foram denunciadas ao Comitê Internacional de Direitos Humanos (CIDH). Nas eleições de 2022, porém, todos tiveram baixo financiamento de campanha.
Ao final, foram eleitos para mandatos federais seis políticos identificados como indígenas, dos quais dois são apoiadores de Jair Bolsonaro, outros dois já tinham mandatos não temáticos anteriormente e a mais conhecida – Sônia Guajajara (PSOL-SP) – pediu licença do cargo de senadora para se tornar a primeira ministra dos Povos Originários.
Comissão sem definição
A proeminência do tema indígena no debate público brasileiro fez com que o Legislativo se interessasse pelo tema como nunca antes.
Além da frente comandada por Xakriabá, a Câmara aprovou em fevereiro a criação da Comissão Permanente da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais. A reunião de instalação dessa comissão estava prevista para 1º de março, mas não ocorreu. Então, sua composição ainda não está definida.
Então, pela primeira vez, uma legislatura da Câmara dos Deputados dispõe de cinco parlamentares que se identificam como indígenas: pela esquerda, Xakriabá, Juliana Cardoso (PT-SP) e Paulo Guedes (PT-MG); pela direita, Silvia Waiãpi (PL-AP) e Chrisóstomo – ambos de origem militar, com Waiãpi tendo trabalhado com a ex-ministra Damares Alves.
As diferenças entre os dois “lados” dos deputados que se identificam como indígenas passam pela própria concepção do que significa o respeito aos povos originários.
Xakriabá defende que o Ministério da Educação crie uma secretaria direcionada aos povos indígenas para garantir educação escolar adequada. Já Waiãpi comandou a Secretaria de Saúde Indígena no governo Bolsonaro, cuja atuação durante a pandemia foi denunciada à Corte Internacional dos Direitos Humanos. Chrisóstomo defende pautas ruralistas, como a exploração econômica de terras indígenas.
Com interesse no cargo, mas sem histórico na pauta
Para entender o posicionamento dos deputados que se identificam mais claramente como indígenas, o PlenaMata coletou dados da sua atuação nas redes sociais, no caso de todos os cinco, e no Legislativo, no caso de Chrisóstomo, que já tinha mandato na legislatura anterior.
Nenhuma das 78 proposições que o militar apresentou diz respeito a questões indígenas. Além de pautas de interesse direto do discurso bolsonarista, como a proposta de CPIs das pesquisas eleitorais e do TSE (ambas arquivadas), ele apresentou projetos para facilitar concessões florestais e para dar urgência ao impedimento à criação de áreas de proteção ambiental. Chrisóstomo também se uniu a um recurso contra a inscrição do nome de João Goulart, presidente deposto pelo golpe militar de 1964, no Livro dos Heróis da Pátria.
Das 250 vezes em que ocupou a tribuna para fazer algum discurso, em apenas seis o bolsonarista usou termos relacionados à temática indígena – sempre para defender pautas ruralistas.
Em 14 de fevereiro de 2019, em sua estreia como parlamentar, se apresentou como filho de uma Tukano para, em seguida, criticar a demarcação de terras indígenas. Em 1º e 3 de outubro do mesmo ano, voltou a usar a palavra para defender a mineração nessas áreas. Em 24 de junho de 2021, acusou os indígenas de serem manipulados pela esquerda contra a polícia. Em 2 de junho de 2022, defendeu a entrada dos indígenas no agronegócio. Em 13 de junho, rebateu críticas ao governo pela inação no caso do desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Ribeiro.
1,2% da pauta nas redes
Nas redes sociais, Chrisóstomo menciona as palavras “indígena”, “índio” ou “tribo” em apenas 1,2% de suas postagens. O grupo de termos “reserva”, “aldeia” e “demarcação” apareceu apenas 0,4% das vezes. As palavras “garimpo”, “garimpeiro” e “mineração” aparecem 0,6% das vezes. O caso de Dom e Bruno não é mencionado.
As mesmas palavras foram verificadas nas postagens dos outros deputados que se identificam como indígenas. PlenaMata coletou todos os tweets de cada um deles até o início de fevereiro.
Os mais ativos no Twitter tinham sido Juliana Cardoso (2.656 tweets), Célia Xakriabá (2.586) e Paulo Guedes (1.966). Havia muito menos atividade dos bolsonaristas: Silvia Waiãpi tinha postado 542 tweets e Christóstomo, 499.
Proporcionalmente ao total dos tweets, Xakriabá e Waiãpi são as que mais usam referências a indígenas. Mas Xakriabá foi quem mais fez referências à demarcação de terras indígenas, às questões relacionadas ao garimpo e à questão social dos Yanomami.
Paulo Guedes, Juliana e Chrisóstomo têm uma atuação menos temática nas redes. O bolsonarista se destaca um pouco apenas no tema do garimpo, citando-o em 0,6% de suas postagens.
Análise de perfis
Outra maneira de visualizar a aderência dos deputados ao tema nas redes sociais é observando quais perfis eles seguem em comum.
Célia e Juliana eram as únicas que se seguiam mutuamente até o início da legislatura. Também acompanhavam 120 referências comuns, incluindo todas as principais entidades de representação indígena – como Apib, Funai, Instituto Socioambiental e Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – e ativistas indígenas com bastante presença nas redes sociais. Isso sugere que ambas estão muito atentas ao que é discutido nas redes entre a comunidade indígena.
Paulo Guedes compartilhava algumas referências com as duas, mas, na análise feita por meio do programa Gephi: Programa analítico que permite visualizar o grau de afinidade entre pares de usuários de uma rede., que calcula a força de relacionamentos entre perfis, ele aparece como um grupo em si, à parte dos outros. A maior parte dos mais de 3 mil perfis que ele segue não tem qualquer ligação com o tema.
Na outra ponta, Waiãpi e Chrisóstomo só compartilhavam com os outros deputados o fato de seguirem os perfis institucionais da Câmara, Senado e Planalto. Juntos, eles seguiam basicamente as principais figuras do bolsonarismo.
Reportagem do InfoAmazonia para o PlenaMata, em parceria com a Sala de Democracia Digital da FGV ECMI, uma iniciativa de monitoramento e análise do debate público na internet.