Em 2022, alertas de desmatamento do Deter/Inpe não apenas foram os mais altos da série histórica, como também excederam em 25% a média para o período de 12 meses. Amazonas se consolidou como o segundo estado com maior perda de floresta entre os estados da Amazônia Legal.
A escalada de desmatamento: Eliminação total da vegetação nativa numa determinada área seguida, em geral, pela ocupação com outra cobertura ou uso da terra. na Amazônia durante os últimos quatro anos impôs uma série de desafios ao governo Lula em seus planos de zerar o problema até 2030 – não só pelo tamanho do estrago, mas porque ele se tornou ainda mais complexo de combater. O desmonte em série das políticas ambientais, associado a mensagens positivas por parte do governo Bolsonaro para quem usufruía ilegalmente da Amazônia, favoreceu não só a sensação de impunidade, como o próprio aumento da criminalidade.
São vários os indicadores que apontam para isso. Entre janeiro e dezembro de 2022, por exemplo, os alertas de desmatamento na Amazônia feitos pelo sistema Deter: Ferramenta do governo federal que gera alertas rápidos para evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia e no Cerrado., do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), não só foram os mais altos da série histórica, iniciada em agosto de 2015, como excederam em 25% a média para o período de 12 meses – que já estava inflacionada pelo avanço da devastação nos três anos anteriores.
Entre 2016 e 2018, a média de desmatamento observada pelos alertas do Deter foi de 4.844 km2 por ano. Entre 2019, primeiro ano de Bolsonaro, e 2021, a média foi de 8.604 km2. Somente em 2022 houve corte raso em 10.278 km2 – tamanho equivalente a quase sete vezes a área da cidade de São Paulo. Para entender o tamanho do problema, o Contador de Árvores Derrubadas: Ferramenta desenvolvida pelo MapBiomas/PlenaMata que estima em tempo real quantas árvores são derrubadas na Amazônia Legal brasileira do PlenaMata encerrou o ano com 580 milhões árvores desmatadas, uma média de 224.823 por dia.
“As primeiras coisas que têm que ser feitas são relacionadas a ações que mudem o sinal de percepção sobre a impunidade. Porque o que alimenta o desmatamento é a impunidade”, disse o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador da rede MapBiomas: Iniciativa desenvolvida por uma rede multi-institucional envolvendo universidades, ONGs e empresas de tecnologia com o propósito de mapear anualmente a cobertura e uso da terra do Brasil e monitorar as mudanças do território. e integrante da equipe de transição do novo governo no grupo de trabalho (GT) do Meio Ambiente.
Em meio às altas taxas, Tasso Azevedo defende ações que podem ser tomadas imediatamente, sem muito esforço, à distância, e com base em dados que já estão disponíveis, como o chamado embargo remoto. É a possibilidade de autuar desmatamentos a partir do cruzamento de imagens de satélite com dados do Cadastro Ambiental Rural: Registro eletrônico obrigatório, feito por autodeclaração e voltado à regularização ambiental de imóveis rurais de todo o país. (CAR). A multa vai pelo correio, o embargo de áreas também é automático, e o proprietário fica impedido de conseguir crédito rural em banco. Considerada um eficiente inibidor de delitos, a estratégia, no entanto, foi praticamente ignorada nos últimos quatro anos.
“Essa medida pode agora ser adotada em larguíssima escala, gerando como consequência a pessoa não poder vender produto, não poder receber financiamento, não poder fazer regularização fundiária”, explica.
A ideia é punir quem já desmatou e também interferir nas fontes de financiamento de novos desmatamentos. “É o mecanismo de bloquear digitalmente a propriedade e fazer com que não se consiga fazer uso econômico da propriedade, não se beneficie do desmatamento”, diz.
Desmate acelerou no 2º semestre
Os três primeiros anos do governo Bolsonaro apresentaram uma explosão de desmatamento. A taxa oficial anual medida pelo sistema Prodes: Projeto para o mapeamento oficial das perdas anuais de vegetação nativa na Amazônia Legal., do Inpe, saltou de 7.536 km2 em 2018, último ano da gestão Michel Temer, para 13.038 km2 em 2021, alta de 73%.
O dado, que é medido sempre de 1º agosto de um ano a 31 de julho do seguinte – o chamado ano de referência para o desmatamento –, teve quatro altas consecutivas até apresentar uma pequena retração no ano passado. Entre agosto de 2021 e julho de 2022, o Prodes fechou em queda de 11%.
A leve melhora, porém, não representou alívio. Ainda foram desmatados mais de 11,5 mil km2 no período. E tão logo a taxa fechou, o que se observou é que o desmatamento voltou a disparar. Enquanto o Prodes verifica a perda de vegetação ao longo de um ano, o Deter é um sistema mais ágil do Inpe que serve para indicar quase em tempo real onde pode estar ocorrendo um desmate a fim de orientar a fiscalização. São os alertas do Deter que mostram que o problema acelerou no segundo semestre do ano passado.
Com a proximidade do período eleitoral e a expectativa de que o controle do desmatamento poderia voltar à ativa no governo Lula, muita gente correu para desmatar antes da mudança de política. Apenas nos últimos cinco meses do ano, 4.803 km2 foram derrubados, segundo os alertas do Deter – outro recorde para o período na série histórica iniciada em 2015.
Essa perda só vai ser considerada pela próxima análise do monitoramento do Prodes, a ser concluída em julho deste ano. Ou seja, a primeira taxa de desmatamento do governo Lula virá ainda com esse “presentinho de grego” deixado pela política de “liberou-geral” dos anos Bolsonaro.
Além de indicadores ruins a serem herdados pelo novo governo, os dados do Deter também reforçam algumas informações que já tinham aparecido nos últimos Prodes e que devem balizar as ações de enfrentamento à devastação pela gestão Lula.
A lista dos municípios com mais alertas de desmatamento no acumulado do ano pelo Deter é liderada por Apuí e Lábrea, localizados no sul do Amazonas. Juntos eles somaram 1.230 km2 de perdas, ou 11,6% das perdas totais da Amazônia Legal. É naquela região onde mais cresceu o desmatamento nos últimos dois anos.
Liderança do Amazonas
As últimas duas taxas Prodes já haviam mostrado, pela primeira vez desde o início do monitoramento, que o Amazonas foi o segundo mais desmatado na Amazônia Legal.
O estado, que historicamente sempre ocupou um distante quarto lugar no ranking, subiu para terceiro em 2019 e para segundo em 2021. O avanço da fronteira agrícola pela região conhecida como Amacro (que engloba o sul do Amazonas e partes do Acre e de Rondônia) e da especulação imobiliária em torno da expectativa de pavimentação de um trecho da BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM), são considerados os principais gatilhos.
De fato, vale destacar que nessa mesma região estão a quarta cidade mais desmatada pelo Deter no ano (Porto Velho, com 462 km2 devastados) e a sétima (Nova Aripuanã, com 285 km2). O desmatamento pelo Amazonas se concentrou principalmente sobre terras públicas não destinadas e em assentamentos. Toda essa movimentação trouxe risco para uma área que ao longo do processo de desmatamento da Amazônia tinha sido um pouco mais poupada.
“Essa região, relativamente preservada até meados da década de 2010, hoje está sob controle de grileiros organizados, que ocupam terras públicas não destinadas sem qualquer controle do Estado brasileiro. Caso o processo de ocupação na Amacro não seja imediatamente contido com forte ação de comando e controle, parte importante da Amazônia será destruída”, escreveu o pesquisador do Inpe Gilberto Câmara, que dirigiu o instituto entre 2005 e 2012, em artigo publicado no fim do ano.
Também se destaca nos dados do Deter o avanço do desmatamento pelo entorno da BR-163, no sul do Pará e também ao longo da Transamazônica. Os dados chamam atenção não exatamente por serem novidade, mas pela demonstração de que a criminalidade se consolidou naquela região.
Entre Itaituba e Novo Progresso, ambas à beira da BR-163, não faltaram notícias nos últimos quatro anos sobre aumento de garimpo, exploração madeireira, grilagem, além de ataques a fiscais, equipamentos e bases do Ibama e do ICMBio. Novo Progresso foi a cidade amazônica em que Jair Bolsonaro teve sua maior votação no primeiro turno da eleição e também o local onde defensores do presidente atacaram com pedras e tiros carros da Polícia Rodoviária Federal depois do segundo turno.
Foi nessa região onde foram registrados os maiores desmatamentos em unidades de conservação da Amazônia ao longo de 2022 de acordo com o Deter: na Área de Proteção Ambienta (APA) do Tapajós e na Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim.
Dos 101,29 km2 de desmatamento da APA, 97,68 km2 ocorreram dentro do município de Itaituba. E isso representa 40% de tudo o que foi desmatado no município em 2022. Já a perda da Flona, a segunda maior em Unidades de Conservação no ano (88,97 km2), ocorreu toda dentro de Novo Progresso e representou 39% do desmatamento da cidade. As duas cidades são, respectivamente, a 9ª e a 10ª mais desmatadas no ano.
Primeiras medidas e novos desafios
Já no primeiro dia de governo, Lula reativou o PPCDAm: Planejamento lançado em 2004 para reduzir o desmatamento e as emissões de gases de efeito estufa geradas pela perda de vegetação nativa na Amazônia Legal. (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal), que havia sido desativado na gestão Bolsonaro. Foi o PPCDAm o principal instrumento, criado pela equipe de Marina Silva no primeiro mandato de Lula, a garantir as ações que levaram a uma queda de 83% do desmatamento entre 2004 e 2012.
Mas na visão dos especialistas, esse foi só um primeiro passo de muitos que terão de ser feitos conjuntamente, já que o cenário em 2023 traz desafios muito maiores do que os recebidos por Lula em 2003.
É preciso recuperar o que já deu certo um dia, aprimorar e fazer mais um monte de ações que nunca chegaram a vingar no passado, como a promoção real do desenvolvimento sustentável da região, com a criação de alternativas econômicas à pilhagem da floresta.
“Para os grandes e médios desmatadores, é preciso recuperar as políticas que deram certo, sabendo que agora existem desafios adicionais. A Amazônia está mais violenta porque esses caras foram empoderados por Bolsonaro basicamente. No dia 8 de janeiro [quando ocorreram os atos de vandalismo e golpistas contra as sedes da democracia em Brasília], tivemos uma demonstração de algo que a gente pode imaginar que pode ocorrer também nas fronteiras da Amazônia quando começarem as ações contra os crimes ambientais”, afirma o pesquisador Paulo Barreto, do Imazon, que investiga a dinâmica do desmatamento.
"Um ponto chave é seguir o dinheiro do garimpeiro, do madeireiro ilegal, do grileiro. Antes de fazer muita coisa na ponta em termos de novas operações, dá para já interferir nesse processo com ações baseadas em inteligência financeira e em outras bases de informação: bloquear, confiscar, trazer mais aspectos de inteligência, de investigação", diz Barreto.
"Nesses últimos anos, houve muito desmatamento. E esse é o tipo de crime em que o corpo fica lá. Não é preciso matar mais árvores para começar a investigar. O estoque de casos que não teve responsabilização é gigante. O governo não precisa esperar uma nova safra de desmatamento para começar a agir", recomenda.
Um artigo publicado no fim do ano passado por Gilberto Câmara e colegas do Inpe ressalta algumas outras características do desmatamento observado nos últimos anos. O trabalho considera o desmatamento registrado pelo Prodes entre 2008 e 2021 (ago/08 a jul/21) – ou seja, não inclui o que ocorreu no último ano –, mas mostra mudanças recentes de comportamento que precisarão estar no alvo da fiscalização.
A pesquisa liderada por Câmara, publicada na revista do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), discute os desafios para alcançar as metas que o Brasil assumiu junto ao Acordo de Paris de alcançar o desmatamento ilegal zero até 2030.
De acordo com os autores, o desmatamento em terras públicas não destinadas subiu de 12% em 2008 para 20% em 2021. “Esse último aumento é um sinal crítico de expansão da fronteira terrestre para novas áreas fora do tradicional ‘arco do desmatamento’”, informam.
Segundo eles, houve mudança também no perfil do desmatamento em áreas privadas. “De 2008 a 2012, quando houve uma forte ação do governo, cerca de 1% das propriedades realizou 75% dos cortes florestais. No período 2018-2021, quando as ações de aplicação da lei foram muito reduzidas, cerca de 0,5% das propriedades foram responsáveis por 75% dos cortes. Ou seja, nos anos recentes, apenas 2.500 propriedades e assentamentos de um total de 500 mil concentram a maior parte dos cortes”, escrevem.
O problema fica ainda mais concentrado quando se analisa a titulação. De acordo com o trabalho, 1% das terras tituladas na Amazônia respondeu por 83% do desmatamento nas propriedades rurais (registradas no Cadastro Ambiental Rural) em 2021.
“Assim, temos uma forte concentração de atores relacionados com grandes ações de desmatamento. Isto sugere que ações de controle orientadas podem ter um forte efeito na prevenção do desmatamento ilegal”, dizem os pesquisadores.
Reportagem da InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.