Bolsonaro tem planos para legalizar exploração de minérios em territórios protegidos da Amazônia; plano de Lula prevê fortalecimento da mineração industrial e promessa de acabar com garimpo ilegal

A eleição deste domingo pode ser definitiva sobre qual será a política pública brasileira para o garimpo e a mineração na Amazônia nos próximos quatro anos. Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) apresentaram propostas opostas sobre a questão em terras indígenas e, principalmente, sobre o garimpo ilegal movido à base de mercúrio.

Bolsonaro quer legalizar a exploração de minério e outras atividades como agropecuária e hidrelétricas em terras indígenas na Amazônia. Em 2020, o governo enviou um projeto de lei (PL 191/2020) que tramita em regime de urgência no Congresso para viabilizar a retirada destes recursos naturais dos territórios tradicionais. 

Além disso, o governo também quer aprovar ainda este ano um novo Código de Mineração, onde pretende alterar, principalmente, o regramento ambiental para o setor minerário, que envolve também o interesse de grandes mineradoras.

APIB
Destruição de balsa de garimpo ilegal na Raposa Serra do Sol

Bolsonaro tem defendido a mineração nos territórios indígenas com poucos argumentos técnicos em diferentes contextos. Já justificou que seria vontade dos próprios indígenas, que seria estratégico para produção de fertilizantes ou para, simplesmente, regularizar a atividade por não haver meios suficientes de fiscalizar: “Não adianta mandar prender o ilegal porque a Amazônia é do tamanho da Europa ocidental. Nós queremos é legalizar”, declarou em entrevista. 

Lula tem sido cauteloso ao tratar do tema, mas afirmou que “não vai ter garimpo em terras indígenas” caso seja eleito: “Eu, sinceramente, não acho que a gente precise fazer mineração na Amazônia, se tiver algum minério que seja imprescindível para o país vamos discutir. Vamos discutir com a sociedade brasileira, vamos discutir com o povo da Amazônia”, afirmou o presidente em entrevista para a Rádio Difusora de Manaus.

Em junho deste ano, uma pesquisa realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (INCT-IDDC) intitulada “A Cara da Democracia”, mostrou que 76,2% dos entrevistados são contra a permissão para mineração nas terras indígenas.

Dados da “Calculadora de Impactos do Garimpo Ilegal de Ouro”, elaborada pelo Ministério Público Federal (MPF), apontam que cada quilo de ouro ilegal extraído da Amazônia gera até R$ 2 milhões em prejuízos ambientais e à saúde humana.Estudo da Fiocruz em parceria com a Universidade do Oeste do Pará, realizados entre 2015 e 2019, apontam  que a contaminação de povos indígenas e populações ribeirinhas pelo mercúrio usado na depuração do ouro chega a superar os níveis tolerados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Contra as evidências científicas, garimpeiros que têm na figura de Bolsonaro  a esperança de manterem atividades ilegais em áreas protegidas da Amazônia e citam, como o presidente, que a legalização da atividade diz respeito a questão social, de oferta de trabalho e tradição. 

Na prática, o garimpo que é realizado na Amazônia em nada se parece com o garimpo artesanal como conhecemos, sem uso de máquinas pesadas e de substâncias tóxicas como ocorre hoje.

Um estudo do Instituto Socioambiental (ISA), realizado com dados do índice social dos municípios de 2021, mostra que a exploração mineral predatória não só não promove o desenvolvimento como derruba os indicadores sociais onde ocorre. “A ideia de que a atividade traz progresso, portanto, é um mito”, aponta o estudo.  

O Índice de Progresso Social (IPS) médio dos municípios amazônicos afetados pelo garimpo (52,4) está abaixo da média para a Amazônia, de  54,5, e bem abaixo da média nacional, de 63,3. 

Para se ter uma ideia da situação, segundo os resultados do ISA, os municípios de Roraima com presença de garimpo tem um IPS médio 7% mais baixo que o da Amazônia e 20% menor que o do Brasil. No Pará, os municípios garimpeiros têm um IPS médio 5% menor que o da Amazônia e 18% menor que o nacional.

O garimpo afeta pelo menos 216 municípios e uma população estimada de 6 milhões de pessoas na Amazônia Legal, ainda de acordo com o levantamento do ISA. Todos os estados da região têm garimpo, exceto o Acre.

Garimpo na Amazônia ocupa área maior que o Rio de Janeiro 

A área ocupada pelos garimpos em terras indígenas na Amazônia mais que dobrou de tamanho na gestão Bolsonaro (entre 2018 e 2021). Dados do projeto MapBiomas mostram que mais de 19 mil hectares foram escavados de forma ilegal em territórios que deveriam estar protegidos, o equivalente a 20 mil campos de futebol.

Em toda a Amazônia, o garimpo ocupa uma área de 193 mil hectares, maior que a cidade do Rio de Janeiro, que tem 120 hectares , se apresentando como grande ameaça não só à preservação ambiental, mas também à sobrevivência das comunidades. Já a mineração industrial ocupa 66 mil hectares nos estados da Amazônia.

Em 2021, o Pará estava em primeiro lugar em termos de área degradada pela atividade, com 113,7 mil hectares, seguido pelo Mato Grosso, com 59,6 mil hectares, Rondônia, com 9,2 mil hectares, e Roraima, com 1,6 mil hectares. 

O garimpo também tem se aliado ao crime organizado em diversas regiões do país, e nesses últimos anos esteve no centro de diversos conflitos violentos registrados em terras indígenas, onde ocorreram mortes, atentados e perseguições.

Estima-se que mais de 20 mil garimpeiros estão atuando ilegalmente na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, que desde 2020 tem sido atacada. 

Roraima foi o estado que deu a maior votação percentual para Bolsonaro no primeiro turno da eleição de 2022, 69,57% contra 23,05% de Lula.

Cristian Braga/GreenPeace
Terra Indígena Yanomami, em Roraima, sofre invasão garimpeira

Mineração industrial

Apesar das claras divergências sobre o garimpo predatório na Amazônia. Os candidatos não deixaram tão claro quais são os projetos para a mineração industrial, que opera sob regulação da Agência Nacional de Mineração (ANM).

Sobre o tema, o Plano de Governo do candidato Lula é genérico, mas fala em aperfeiçoar o padrão da regulação do setor. “O Brasil é um grande produtor mineral, a atividade minerária deve ser estimulada por meio de maiores encadeamentos industriais internos e compromisso com a proteção ao meio ambiente, direitos dos trabalhadores e respeito às comunidades locais. O padrão de regulação minerária deve ser aperfeiçoado e a mineração ilegal, particularmente na Amazônia, será duramente combatida”.

Bolsonaro também fala em estimular a atividade em seu plano “para que se atinja o desejado desenvolvimento socioeconômico e a proteção do patrimônio ambiental”.

E apesar de também acumular histórico de violações e tragédias, como o rompimento das barragens de Brumadinho (2019) e Mariana (2015), a atividade da mineração industrial tem passado ao largo dos debates.

O setor industrial tem se dividido sobre a mineração em terras indígenas, principalmente as grandes empresas, que sofrem pressões de investidores internacionais.

Atualmente, 3.529 pedidos registrados na ANM para mineração legal estão sobre territórios protegidos da Amazônia, sendo 2.471 pedidos para exploração em terras indígenas. Outros 1.187 pedidos são para mineração em Unidades de Conservação de proteção integral, segundo dados do projeto Amazônia Minada.

Uma decisão da Justiça Federal do Pará confirmou que a mineração em terras indígenas sem autorização do Congresso é ilegal, assim como os requerimentos de mineração registrados nessas áreas.

Mesmo após a decisão a ANM não só mantém esses requerimentos, como tem aceitado novos requerimentos de mineração em terras indígenas.

O cadastro, que empiricamente funciona como uma lista de espera caso o Congresso aprove o PL 191, inclui desde pequenas cooperativas de garimpo à multinacionais.

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Fábio Bispo

Repórter investigativo da InfoAmazonia, em parceria com a Report for the World, que combina redações locais com jornalistas emergentes para reportar sobre questões pouco cobertas em todo o mundo. Ele...

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