O Tribunal de Contas do Amazonas aceitou 15 representações em que o governador e candidato à reeleição é acusado de omissão e o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas de negligência
Na reta final da campanha ao cargo de governador do Amazonas, o candidato Wilson Lima (PSC) passou a responder por omissão no combate ao desmatamento ilegal no estado. O Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE – AM) admitiu 15 representações feitas pelo Ministério Público de Contas (MPC) em que o governador e candidato à reeleição é acusado de omissão nos “danos florestais, ambientais, climáticos e patrimoniais” causados em 15 municípios, no exercício de 2021. A última representação do MPC cobrando o governador sobre as providências para reduzir os índices de recordes de desmatamento teve aceite publicado em Diário Oficial no dia 7 de outubro.
Além do governador Wilson Lima, o Secretário de Estado do Meio Ambiente, Eduardo Taveira, o Diretor-Presidente do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas, Juliano Valente, a Diretora Técnica do IPAAM, Maria do Carmo Neves dos Santo,s e o gerente de fiscalização do IPAAM, Raimundo Nonato Chuvas, também foram cobrados. Os prefeitos de cada município são mencionados.
O MPC pede que sejam definidas responsabilidades na falta de ações no combate ao desmatamento, e que a Diretoria de Controle Externo Ambiental (DICAMB) do TCE faça uma investigação e dê direito de defesa aos acusados. Os municípios citados são: Guajará, Careiro da Várzea, Itacoatiara, Borba, Pauini, Presidente Figueiredo, Ipixuna, Autazes, Tapauá, Maués, Envira, Apuí, Novo Aripuanã, Canutama e Boca do Acre.
O procurador Ruy Mendonça, que assina as representações do MPC, afirma que os agentes do executivo também contribuíram para o aumento do desmate. “Não são apenas os grileiros desmatadores os únicos responsáveis; quem contribui para o resultado lesivo, indiretamente, por ação e omissão, responde solidariamente por ele, não apenas por mau-propósito, mas por negligência, imprudência ou por assumir o risco de dano por não fazer nada para evitar o resultado lesivo”, diz.
O procurador também afirma que o IPAAM, órgão responsável por conceder licenças ambientais, não pode ser o único responsável. “Além disso, segundo a jurisprudência do STJ, a responsabilidade jamais será unicamente do ente licenciador, no caso o IPAAM, que negligencia no monitoramento dos usos liberados ou clandestinamente em prática. Todas as autoridades executivas envolvidas na defesa do meio ambiente têm sua parcela de responsabilidade“, afirma.
Em 2021, o Amazonas passou o Mato Grosso e, a ficou em segundo lugar entre os estados mais desmatados da Amazônia Legal na taxa oficial de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Foram 2.306 km² desmatados, um aumento de 52% comparado ao ano de 2020, quando o Amazonas registrou 1.512 km2 de desmate. Também foi o ano em que o estado bateu recorde de focos de fogo. Em agosto foram registrados 8,6 mil focos, o maior número do país naquele mês.
De forma inédita, a situação de 2022 mostra que o Amazonas foi, entre janeiro e julho, o estado mais desmatado do Brasil, segundo dados do Deter, sistema de detecção em tempo real também do Inpe. No acumulado do ano, até o último dia 20 os municípios mais afetados são do Amazonas: Apuí, em primeiro lugar, com 605.23 km² desmatados, depois o município de Lábrea, com 554.71 km² e em sétimo lugar o município de Novo Aripuanã, com 278.14 km².
Esses municípios estão em um território chamado de Amacro, onde se encontram com municípios dos estados do Acre e Rondônia. Na Amacro, o INPE registrou os maiores índices de desmatamento dos seus estados nos últimos cinco anos: 77% do desmatamento de Rondônia se concentrou lá, 63% do desmatamento do Acre e 82% do desmatamento no Amazonas.
Falta de ações
De acordo com as representações, a necessidade e urgência de criar iniciativas de combate por meio do Governo do Amazonas se dá porque o Governo Federal, principal responsável pela fiscalização dos crimes ambientais, não criou ações suficientes para isso. “O quadro foi piorado pela insuficiência de atuação concomitante da União, do IBAMA, ICMBIO e do INCRA, em assunto que demandaria providências e esforços de combate dos três níveis de governo e gestão”, disse o procurador.
Uma análise do InfoAmazonia mostrou que os meses de julho dos anos de 2020, 2021 e 2022 apresentaram um aumento de 160% de floresta derrubada, se comparado aos três anos anteriores, em que Michel Temer (MDB) e Dilma Rousseff (PT) exerceram seus cargos. Foram 4.600 km² de floresta derrubada. Neste ano, o monitoramento do PlenaMata, que, a partir dos dados do Inpe, calcula o número de árvores derrubadas em tempo real, mostra que já foram mais de meio bilhão de árvores tombadas por desmatamento.
O procurador também criticou o governador Wilson Lima por não ter ajuizado ação contra o Governo Federal, considerando os altos índices de desflorestamento no estado. De acordo com Ruy Mendonça, isso evidencia o “alinhamento voluntário ao desmonte das políticas ambientais que lamentavelmente ainda prospera na Administração Federal”.
O governador apoiou o presidente Jair Bolsonaro (PSC) nos quatro anos de seu mandato e declarou voto a ele no segundo turno desta eleição. Em 6 de outubro, ele esteve com o atual presidente em Brasília. “Nunca se viveu uma época de prosperidade como está se vivendo agora. Quem vota no Amazonas governador Wilson Lima, vota presidente Bolsonaro”, defendeu.
Segundo turno
Wilson disputa o cargo de governador do Amazonas com o senador Eduardo Braga (MDB), que neste ano é apoiado pelo candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No primeiro turno ele obteve 819.784 votos e Braga 401.817. Lima venceu em 13 dos municípios mencionados nas representações, apenas em Itacoatiara e Ipixuna Eduardo Braga ganhou. Refletindo a votação à presidência, as cidades de Apuí, Boca do Acre e Guajará, que foram as únicas do interior a darem vitória ao presidente Jair Bolsonaro, também votaram no governador.
A política ambiental de Lima foi marcada por discursos pró-garimpo e a favor de madeireiros. Em 2020, o estado começou um programa de concessão florestal em Unidades de Conservação para exploração de madeira. A proposta é conceder à iniciativa privada oito florestas públicas do estado: Floresta Estadual de Canutama, Floresta Estadual de Maués, Floresta Estadual de Manicoré, Floresta Estadual de Apuí, Floresta Estadual de Sucunduri, Floresta Estadual de Aripuanã, Floresta Estadual do Rio Urubu e Floresta Estadual de Tapauá.
Em março deste ano, o governador se posicionou contra a criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável no Rio Manicoré. “Tem gente levantando a ideia de que se vai criar uma Reserva [no Rio Manicoré]. Esqueça, que não há a menor possibilidade disso acontecer”, disse.
Durante a invasão garimpeira no rio Madeira em novembro do ano passado, que tomou as páginas da imprensa brasileira e internacional, o governador propôs legalizar o crime. “Há uma urgência da gente começar a discutir a legislação para exploração, de forma racional, da mineração que a gente tem em nossa região […] Estou disposto a sentar com a Câmara Federal, com o Senado e com o governo federal para que a gente possa encontrar esse caminho”, disse, à época.
Operação Tamaiotatá
Em 2021, o Governo do Amazonas lançou uma operação para combate ao desmatamento, chamada Tamoio Tatá, que também foi criticada pelo MPC. De acordo com o procurador, o MPC recebeu ofícios da SEMA mostrando que os efetivos foram “diminutos”.”Tanto assim que, como mais tarde informado pelo Ofício n. 549/2022/GS/SEMA, durante os oitos meses da operação Tamaiotatá em 2021, foram lavrados apenas 44 autos de infração em Apuí, com assinatura de 81 termos de embargo”, afirmou.
Neste ano a operação prendeu dois homens em julho, suspeitos de participação em desmatamentos ilegais nos municípios de Canutama e Tapauá. Em agosto, o Ipaam divulgou que foram aplicados R$ 10,7 milhões em multas por crimes ambientais durante o ano de 2022. As multas foram aplicadas em cinco municípios: Apuí, Canutama, Manicoré, Novo Aripuanã e Humaitá.
Questão cultural
Em nota, o IPAAM informou que está analisando as representações e vai enviar manifestação ao TCE. O instituto alega que as queimadas e o desmatamento são questões “culturais” e o combate se dá por meio da “educação”.
O instituto ignora a existência das grandes madeireiras e grileiros que são responsáveis por desmatar e queimar boa parte das florestas no Amazonas.
“O número de desmatamentos e queimadas faz parte do processo de cultura agrícola da população, como preparação do solo para o período de plantação e de abertura de pasto para o rebanho. A mudança de consciência é um processo lento e o órgão trabalha fiscalizando essas ações, por isso existem campanhas de conscientização e combate ao desmatamento e às queimadas”, diz, em nota.
A Sema informou que até a última quinta-feira, recebeu apenas uma representação e que está em análise. Em nota, a secretaria afirma que “tem envidado todos os esforços na elaboração de políticas públicas” e que a maior parte dos alertas de desmatamento estão em áreas fora da competência estadual.
“A secretaria também tem atuado na articulação de ações integradas de comando e controle junto aos órgãos de fiscalização ambiental, na figura do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), e de Segurança Pública (SSP-AM), com foco especial nos municípios do sul do estado, área de maior atenção por ser considerada mais vulnerável para o desmatamento e queimadas ilegais. Cabe ressaltar que, em todo o Amazonas, de 01 de janeiro a 07 de outubro, apenas 4,7% dos alertas de desmatamento se deram em áreas de gestão direta do Estado”, diz.
O Governo do Amazonas foi procurado para dar respostas sobre as representações, mas não retornou até a publicação da matéria. Os prefeitos de Guajará, Pauini, Presidente Figueiredo, Ipixuna, Autazes, Tapauá, Maués, Envira, Apuí, Canutama e Boca do Acre também foram procurados e não responderam. A reportagem não conseguiu contato com os prefeitos de Itacoatiara, Borba, Careiro da Várzea e Novo Aripuanã.