Relatório destaca financiamento de banco brasileiro para empresa Eneva, que está em briga judicial contra indígenas do povo Mura, no Amazonas; documento também mostra política de ‘greenwashing’ de grandes bancos para manterem financiamento de petróleo e gás na região amazônica.

Desde 2019, o Itaú Unibanco forneceu cerca de 1,5 bilhão de dólares em financiamento direto: Recursos destinados à Finalidade Corporativa Geral (GCP), despesas de capital e capital de giro. à Eneva, empresa que explora gás no Amazonas, em uma área reivindicada pelos indígenas do povo Mura. Essa informação está no relatório “Greenwashing: Lavagem verde, em português, é a estratégia de mentir, omitir ou esconder informações sobre o impacto ambiental causado por empresas que exploram ou ajudam na exploração de recursos naturais. na Amazônia”, elaborado pela Stand.earth em colaboração com a Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA). O documento indica que os principais financiadores de petróleo e gás na Amazônia estão praticando greenwashing.

De acordo com o relatório, o Itaú Unibanco é o terceiro maior financiador de empresas, sendo que o primeiro e o segundo são estrangeiros: os bancos norte-americanos Citibank e JPMorgan Chase. No total, nos últimos 20 anos, o Itaú forneceu mais de 6 bilhões de dólares em financiamento direto para empresas que exploram gás e petróleo na Amazônia, destinados à Finalidade Corporativa Geral (GCP): Finalidade Corporativa Geral (GCP) é uma metodologia de trabalho que auxilia no gerenciamento de projetos com grandes volumes de trabalho., despesas de capital: Despesas de capital são gastos com materiais e equipamentos permanentes que integrarão o patrimônio de uma empresa. e capital de giro: Capital de giro é a diferença entre os recursos em caixa e a soma das despesas a pagar de uma empresa.. Nenhuma política ambiental ou social do banco brasileiro exclui o financiamento para essas companhias. 

A empresa Eneva S.A responde a uma ação civil movida por representantes indígenas e de organizações ambientais, que pedem a suspensão das atividades de exploração de gás do Campo do Azulão, situado entre os municípios de Silves e Itapiranga, no Amazonas. As comunidades alegam a existência de indígenas e quilombolas que estão em processo de identificação. Os protestos contra o empreendimento ocorrem desde 2019.

O cacique Jonas Mura, umas das principais vozes contra o empreendimento, precisou ingressar no programa de proteção aos defensores dos direitos humanos após receber ameaças de morte. “Nunca nos respeitaram como povos indígenas. A Eneva nunca nos procurou para falar que estava explorando gás perto das nossas comunidades”, disse à InfoAmazonia. 

Nunca nos respeitaram como povos indígenas. A Eneva nunca nos procurou para falar que estava explorando gás perto das nossas comunidades.

Jonas Mura, cacique

Na TI Gavião, onde Jonas vive, são 360 famílias impactadas diretamente pelo empreendimento. “Eles tentam jogar a população contra a gente dizendo que estamos barrando o desenvolvimento, que o projeto de gás vai trazer coisas boas para a cidade, mas sabemos que isso não é verdade. Não somos contra nenhum desenvolvimento, somos contra projetos que trazem impactos para nosso povo e para nossa floresta”, afirmou. 

Jonas Mura acusa Eneva de explorar gás em território indígena e pede demarcação Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real

A análise mostrou que 99% dos negócios do Itaú relacionados a petróleo e gás nos últimos 20 anos estão ligados a grandes produtores, como a Eneva, mas também Frontera, Geopark, Petrobras, Petroquímica Comodoro Rivadavia e Transportadora de Gas del Perú. Os especialistas afirmam que, no Relatório ESG de 2022 do banco brasileiro, o setor de petróleo e gás é considerado um “setor sensível”, e que são avaliados os riscos sociais e ambientais, incluindo emissões atmosféricas, mudanças climáticas e materiais perigosos. No entanto, o banco não considera violações dos direitos dos povos indígenas como parte de sua avaliação de direitos humanos.

Além do Itaú, a Eneva também recebeu recursos diretos dos bancos Santander, Bradesco, Banco Nacional de Desarrollo Economico, BTG Pactual, BB Banco de Investimentos SA, XP Investimentos CCTVM SA, ABC Brasil, Citibank. O Itaú, no entanto, representa 34% dos repasses à empresa que explora gás e, além disso, é o que fez o maior número de investimentos. 

Em nota, o Itaú Unibanco informou que está definindo metas de descarbonização para os nove setores intensivos em carbono, incluindo o setor de petróleo e gás. “Em relação ao bioma Amazônia, o banco tem trabalhado para combater o desmatamento na região por meio do monitoramento dos riscos ambientais, sociais e climáticos, orientado pelas melhores práticas do mercado internacional. Além disso, o Itaú se uniu a outros bancos e stakeholders para apoiar projetos e iniciativas de desenvolvimento sustentável na região”, leia a nota completa aqui.

A empresa Eneva foi procurada pela reportagem, mas não respondeu até a publicação do material. 

Campo Azulão, estrutura para exploração de gás da Eneva no Amazonas. Foto: Eneva/Divulgação

Bancos internacionais

O Citibank e o JPMorgan Chase destinaram, respectivamente, 2,32 bilhões e 2,25 bilhões de dólares para o financiamento direto de empresas exploradoras nos últimos 20 anos, de acordo com o relatório. O Citibank, por exemplo, financiou a Hunt Oil Perú com 125 milhões de dólares, uma companhia criada para o Projeto de Gás Camisea e que é acusada de violar direitos dos povos indígenas no Peru. O JPMorgan Chase também financiou a Hunt Oil Perú com 125 milhões de dólares em 2023 e, além disso, concedeu 126 milhões de dólares em novos financiamentos diretos para a produção de petróleo e gás na Amazônia colombiana, destinados à Ecopetrol e à Gran Tierra.

Para Angeline Robertson, pesquisadora sênior na Stand.earth e autora do relatório, a análise mostra como os bancos falam sobre a defesa do meio ambiente, mas financiam explorações que retardam a ação climática no mundo. “Os cinco maiores financiadores de petróleo e gás da Amazônia não aplicam suas políticas de gestão de risco ambiental e social a 71% da Amazônia. E onde elas se aplicam, estão cheias de brechas que podem tornar as políticas ineficazes. Nosso relatório revela como o greenwashing funciona na prática, permitindo que os bancos continuem a financiar bilhões de dólares para empresas de petróleo e gás na região, retardando a ação climática real”, disse.

O cientista Carlos Nobre, especialista em mudanças climáticas, alerta para os danos irreversíveis da degradação ambiental e do aumento das temperaturas globais. “Grande parte da floresta amazônica do sul e sudeste está muito próxima de um ponto de não retorno: Expressão derivada do Inglês tipping point que aponta para um determinado limite ou situação que, quando alcançado, não mais permitiria o retorno ao estado anterior. Seu uso se tornou mais frequente no Brasil nos últimos anos devido a estimativas científicas que preveem a conversão da floresta tropical amazônica em um ambiente seco, com cenários de vegetação rala e esparsa.. Isso significa que mais de 50% de toda a floresta se autodegradará em um ecossistema de dossel aberto e não será mais capaz de proteger o ecossistema como é agora. Isso levará à extinção de grande parte da rica biodiversidade amazônica e à emissão de mais de 250 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, o principal gás de efeito estufa, o que tornará impossível manter o aumento da temperatura da Terra abaixo de 1,5 °C […] Não há mais tempo: os bancos precisam implementar uma exclusão geográfica que garanta a sobrevivência da maior floresta contínua do planeta”.

Não há mais tempo: os bancos precisam implementar uma exclusão geográfica que garanta a sobrevivência da maior floresta contínua do planeta.

Carlos Nobre, climatologista

À InfoAmazonia, o BB Banco de Investimentos S.A. informou que não comenta casos específicos, em respeito ao sigilo bancário que cumpre todas as legislações e regulamentações sobre o tema. “Nossas políticas seguem critérios socioambientais na análise e condução de todos os empréstimos e financiamentos. Exigimos dos tomadores de crédito a apresentação de documentos que comprovem a regularidade socioambiental dos empreendimentos. O Banco do Brasil possui processo automatizado, com uso de soluções analíticas que verificam se a área a ser financiada possui restrições legais ou vedações normativas, utilizando bases públicas restritivas. As operações de crédito contam com cláusulas que permitem a decretação do vencimento antecipado e a suspensão imediata dos desembolsos em caso de ocorrência de infringências socioambientais. Na página de sustentabilidade do BB constam exemplos da aplicação prática de nossa diligência social, ambiental e climática”, afirmou. 

O Citibank informou que estão alinhados com todas as normas ambientais da Amazônia. “Compreendemos plenamente a importância de proteger a Amazônia e apoiar o desenvolvimento sustentável na região. Todas as decisões de financiamento são orientadas por um rigoroso conjunto de diretrizes aprovado por nosso Conselho, e nossas atividades estão alinhadas com todas as normas ambientais da região. Também estamos ativamente envolvidos em diversas iniciativas do setor para proteger a região e trabalhamos proativamente com os clientes, assim como com outros bancos, governos, reguladores e outras instituições, para aperfeiçoar as práticas, reconhecendo que este é um desafio altamente complexo, que requer respostas multilaterais e multifacetadas”, disse, em nota.

Já o Bradesco disse que “por questões de sigilo bancário, não comenta relacionamento com clientes”.

A reportagem também entrou em contato com os bancos JPMorgan Chase, Santander, Bank of America, Banco Nacional de Desarrollo Economico, BTG Pactual e ABC Brasil, mas não obteve resposta até a publicação. 

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Jullie Pereira

Repórter na InfoAmazonia em parceria com a Report for the World, que combina redações locais com jornalistas emergentes para reportar sobre questões pouco cobertas em todo o mundo. Jullie nasceu e...

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Fábio Bispo

Repórter investigativo da InfoAmazonia, em parceria com a Report for the World, que combina redações locais com jornalistas emergentes para reportar sobre questões pouco cobertas em todo o mundo. Ele...

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