Desde que o Tribunal Superior Eleitoral passou a registrar a etnia dos candidatos no pleito municipal, em 2016, o número de indígenas que tentam se eleger na Amazônia Legal aumentou de 794 para 1.274 candidatos, uma alta de 60%.

Com 1.274 candidatos, a Amazônia Legal registra o maior número de candidaturas indígenas da história nas eleições municipais. Em 2016, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) realizou o primeiro pleito para prefeitos e vereadores com o registro da etnia dos candidatos: O TSE passou a registrar a etnia dos candidatos em 2014, na eleição federal. A eleição de 2016 foi a primeira eleição municipal com o registro de etnia., foram 794 nomes, o que representa um aumento de 60% neste ano. Já comparado a 2020, quando havia 1.112 candidatos indígenas, o crescimento em 2024 é de 15%.

A InfoAmazonia analisou o perfil e o crescimento da presença dos povos originários nas eleições municipais. Dentre as candidaturas em 2024, 96% (1.221) são para o cargo de vereador, apenas 1,5% (19) para prefeito e 2,5% (34) para vice-prefeito. A idade média dos candidatos é de 40 anos, e a maioria, 43,5%, possui Ensino Médio completo, enquanto 20% têm Ensino Superior.

As mulheres indígenas continuam aumentando sua participação nas disputas eleitorais. De 2016 para 2024, o crescimento foi de 130%, passando de 192 candidaturas para 441. Apesar disso, o eleitor ainda tem mais opções masculinas, que representam 66% dos candidatos, com 833 nomes neste ano. Comparado a 2016, o número de homens candidatos não cresceu tanto quanto o de mulheres, registrando um aumento de 38%.

Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), afirma que as populações indígenas estão ingressando na vida política por dois motivos: o engajamento das organizações em espaços políticos, como as manifestações que ocorrem em Brasília na luta pela demarcação de terras, e o contexto nacional, em que seus direitos estão sendo ameaçados por parlamentares, especialmente após a presidência de Jair Bolsonaro.

“Desde 2017, há um movimento indígena organizado apoiando candidaturas, trabalhando diretrizes de atuação política, incentivando esses candidatos. Nós necessitamos de parlamentares do nosso lado, mais próximos da nossa realidade, alinhados com as nossas pautas”, afirma Karipuna.

A Apib tem apoiado a participação de lideranças indígenas nas eleições municipais e nacionais. Sonia Guajajara, que era coordenadora executiva da instituição, decidiu se candidatar à vice-presidência na chapa de Guilherme Boulos (PSOL) em 2018. Nas eleições de 2022, foi eleita deputada federal, mas abdicou da cadeira para assumir o cargo de ministra do primeiro Ministério dos Povos Indígenas, na atual gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Além da candidatura de Guajajara em 2018, a Apib também atuou apoiando  indígenas nas eleições municipais de 2020 e criou a Campanha Indígena, um projeto que divulga os nomes dos candidatos e faz uma articulação entre lideranças para garantir mais votos. Em 2024, a campanha apresenta os candidatos indígenas em um único site, que reúne o perfil de cada um deles. O tema deste ano é “Aldear a política é nosso marco ancestral”, em referência à tentativa do Congresso de implementar o marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

“O movimento dentro desse formato se estruturou nas eleições de 2018, principalmente na chapa da Sonia Guajajara. Ali, começou o trabalho da Campanha Indígena, com a intenção de ampliar a nossa representação”, explica Karipuna. 

Inspirada pelos mandatos de Sonia Guajajara (PSOL) e Célia Xakriabá (PSOL), a candidata Nice Tupinambá tenta o cargo de vereadora no município de Belém, capital do Pará. Em 2022, ela também foi candidata à deputada federal, mas não se elegeu. “Nós temos representantes na política indígena [atuando] na Amazônia, mas eles não têm repercussão nem projeção, como têm outras pessoas que estão atuando fora [da Amazônia], como a Sonia e a Célia. Então, falta uma candidatura, um nome indígena da Amazônia, que defenda o nosso bioma, e a gente não tem isso ainda”, diz Nice.

Uma das principais propostas de Nice é o combate à desigualdade de gênero. Em seu plano de ações, ela propõe a reserva de vagas em creches para crianças com mães solteiras e cotas para mulheres em processos seletivos das secretarias municipais e empresas terceirizadas. Ela afirma que sente uma receptividade significativa por parte dos eleitores, principalmente em bairros considerados periféricos de Belém.

“Quando eles [eleitores] me veem de cocar, eles respeitam muito, querem tirar fotos, dizem que indígena precisa votar em indígena. Então, nesse sentido, a acolhida está boa, vejo que as pessoas estão mais conscientes de que a gente [indígenas] foi muito injustiçado durante a história do país e está na hora de a gente tomar conta dos espaços”, afirma. 

Candidaturas à direita

O MDB e o PT têm o maior número absoluto de candidaturas indígenas na Amazônia, com 127 e 121, respectivamente. Em seguida, está o Republicanos com 96, o União com 90 e a Rede Sustentabilidade com 86. O PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, conta com 47 candidatos indígenas nesta eleição.

Uma das preocupações do movimento indígena é o alinhamento de algumas candidaturas com partidos considerados de direita. Kleber Karipuna afirma que isso já havia sido observado nas últimas eleições e que a Apib tenta explicar e conscientizar sobre o que significa a filiação a partidos que não estão historicamente a favor das pautas indígenas. 

“Com certeza isso precisa ser trabalhado e discutido dentro do movimento. Para a gente, as candidaturas em partidos progressistas são prioritárias. Mesmo assim, a gente também avalia o apoio a candidatos em partidos mais ao centro, quando são pessoas que estão no movimento indígena ativamente, participando e representando a sua comunidade”, explica Karipuna. 

O sociólogo e coordenador do PSOL em Roraima, Well Leal, afirma que as discussões ideológicas sobre os partidos não são uma prioridade nos debates locais, mesmo entre as candidaturas indígenas. Além disso, Leal avalia que, ao menos em Roraima, há um outro fator que interfere na escolha dos partidos: a evangelização.

“Existem indígenas cristãos que defendem a pauta indígena, mas também existem comunidades inteiras que foram convertidas aos neopentecostais e que seguem as regras das igrejas, incentivadas por pastores que defendem o bolsonarismo. Então, a gente tem indígena de direita e indígena conservador”, explica Leal.

Para o sociólogo, esse movimento à direita de alguns candidatos deverá ter um impacto a longo prazo. Ele avalia que essa posição poderá ter efeitos negativos, pois as decisões tomadas por esses partidos não trarão cenários favoráveis aos povos tradicionais, uma vez que não estão alinhados com os direitos indígenas. 

Bandeira suja com tinta vermelha para simbolizar sangue indígena no Acampamento Terra Livre Foto: Edgar Kanaykõ/ Apib

“Existem pessoas que lutaram a favor da demarcação e agora estão em partidos de direita que apoiam o marco temporal. São contradições do funcionamento do sistema. O candidato não se importa porque tem alguém pagando o carro [da campanha], pagando a campanha, garantindo a vaga [na eleição]. Neste momento tem o pragmatismo da escolha, de saber qual [partido] vai dar mais benefícios, mas a longo prazo o que acontece é que esse partido de direita, num outro impacto nacional, vai ganhar mais força”, afirma. 

Entre os 25 partidos com candidatos indígenas neste ano, a Rede Sustentabilidade é o que tem a maior proporção em relação ao total de candidaturas lançadas. O partido conta com 623 nomes concorrendo, dos quais 86 são indígenas, representando 13% do total.

Marivelton Baré é um desses candidatos e faz parte da federação PSOL/Rede Sustentabilidade. Ele concorre à prefeitura de São Gabriel da Cachoeira, cidade com o maior número de candidaturas indígenas da Amazônia (111). A campanha ocorre após Baré trabalhar nove anos como presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), que reúne povos indígenas da região do Alto Rio Negro. 

O candidato diz que pretende ampliar os serviços municipais para que cheguem até as comunidades em zonas rurais, que também são responsabilidade das prefeituras. “Nós temos distritos que hoje são como pequenos municípios dentro das terras indígenas e eles não têm abastecimento de água, não tem distribuição que funcione. Temos só poços artesianos e agora na estiagem estamos sofrendo muito. Não tem drenagem e não tem coleta seletiva passando nas comunidades, as populações estão passando por sérios riscos”, diz Baré. 

Fundo eleitoral e relação partidária

No Brasil, o voto indígena é obrigatório para maiores de 16 anos e alfabetizados em Língua Portuguesa. Para indígenas que vivem em comunidades aldeadas e se comunicam em outros idiomas, o voto não é obrigatório, já que a Constituição Federal garante o direito de viver de acordo com seus costumes, tradições e modos de vida.

Somente após a Constituição de 1988 os indígenas conquistaram direitos plenos ao voto. Antes, o Código Civil de 1916 estabelecia que os indígenas eram “relativamente incapazes para certos atos da vida civil, assim como os maiores de 16 anos e menores de 21 anos”. Assim, a participação dos indígenas nas eleições, mesmo que apenas como eleitores, é relativamente recente. 

Em fevereiro deste ano, o TSE decidiu que os partidos são obrigados a destinar recursos financeiros, além de tempo de rádio e de TV, para candidatos indígenas. Essa conquista ocorreu após a deputada federal Célia Xakriabá solicitar que o TSE incluísse indígenas nas regras aplicadas a mulheres e pessoas negras.

Para o sociólogo Well Leal, a falta dos recursos é um dos grandes desafios das eleições para os indígenas. A necessidade de reservar uma cota do fundo partidário: Fundo de assistência aos partidos políticos, constituído pela arrecadação de multas eleitorais, recursos financeiros legais, doações privadas espontâneas e dotações orçamentárias públicas. Regido pela Lei 11.459/07. para os candidatos dos povos tradicionais se torna cada vez mais urgente a cada pleito, mas essa medida ainda não está em vigor. A esperança é que se torne uma realidade no pleito de 2026.

“Tem pessoas indígenas de movimentos recebendo R$ 3 mil, R$ 4 mil para fazer campanha. Nisso, entra um ponto de vista bem pragmático, porque as direções [dos partidos] escolhem enviar mais dinheiro para candidatos do Sudeste, que tem cidades de grande proporção, como São Paulo, onde vai ter capital político nacional, do que enviar para os candidatos no interior da Amazônia”, explica.

Mulheres defendendo pauta indígena no Congresso Federal, com Célia Xakriabá e Sonia Guajajara Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

Kleber Karipuna afirma, ainda, que há um outro problema relacionado à divisão dos recursos para indígenas: as “candidaturas fakes”. Atualmente, o TSE permite que qualquer cidadão se declare indígena, sem verificação das etnias. 

“Estamos em discussão com o TSE para que isso não ocorra dessa forma. Temos pessoas que se declararam indígenas nas eleições anteriores e nem conhecemos de fato. Elas não têm nenhum vínculo com as comunidades, e isso é prejudicial para nós. Com tempo de rádio e TV e acesso ao fundo [partidário], essas pessoas poderão se beneficiar dessas oportunidades”, explicou.

COMO ANALISAMOS AS CANDIDATURAS INDÍGENAS NA AMAZÔNIA LEGAL?

. Nesta reportagem, analisamos as candidaturas nas eleições municipais de 2016, 2020 e 2024, anos em que os dados de cor e raça de candidatos são disponibilizados pelo TSE.

. A análise incluiu municípios que fazem parte da Amazônia Legal e usou os limites territoriais disponibilizados pelo IBGE

. Para reforçar nosso compromisso com a transparência e garantir a replicabilidade das análises, a InfoAmazonia disponibiliza os dados nesta pasta.


Esta reportagem foi produzida pela Unidade de Geojornalismo InfoAmazonia, com o apoio do Instituto Serrapilheira.

Texto: Jullie Pereira
Análise de dados: Renata Hirota
Visualização de dados: Carolina Passos
Edição: Carolina Dantas
Coordenação de dados: Thays Lavor
Direção editorial: Juliana Mori

Sobre o autor
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Jullie Pereira

Repórter na InfoAmazonia em parceria com a Report for the World, que combina redações locais com jornalistas emergentes para reportar sobre questões pouco cobertas em todo o mundo. Jullie nasceu e...

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