Em junho, a ANP anunciou que blocos na bacia do Tacutu, em Roraima, serão ofertados ao mercado petroleiro no próximo ano. Análise da InfoAmazonia identificou que áreas em estudo afetarão territórios.
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) planeja lançar dois novos blocos para a exploração de petróleo na Amazônia em 2025. As áreas, atualmente em estudo, estão localizadas em Roraima, na bacia do Tacutu, e aguardam a manifestação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) para serem ofertadas ao mercado petroleiro. De acordo com análise da InfoAmazonia, nove terras indígenas, ocupadas pelos povos Makuxi, Wapixana, Ingarikó e Taurepang, estão na área de impacto direto do empreendimento: Raposa Serra do Sol, Bom Jesus, Canauanim, Jabuti, Malacacheta, Manoa/Pium, São Marcos, Tabalascada e Serra da Moça.
A bacia do Tacutu está na fronteira com a Guiana, país por onde ela se estende. A parte brasileira da bacia tem cerca de 15 mil km², segundo a ANP, onde foram perfurados ao menos dois poços na década de 1980 pela Petrobras, os dois sem registro de petróleo. Do lado da Guiana, onde foram ao menos três perfurações, um poço apresentou resultado positivo para óleo em 1982.
Apesar de não ter registros de petróleo nas perfurações brasileiras realizadas na década de 1980 na bacia do Tacutu, pesquisadores da Universidade Federal de Roraima (UFRR) encontraram vestígios de óleo em amostras coletadas a uma profundidade superficial de 45 metros em 2016, o que motivou o início dos estudos na área pela ANP em 2023.
Para entender a proximidade da futura exploração de petróleo às comunidades indígenas, a InfoAmazonia cruzou a localização dos dois blocos que devem ser ofertados no próximo ano com as delimitações dos territórios indígenas. A análise utilizou como critério a Portaria Interministerial nº 60/2015, que estabelece um raio mínimo de 10 quilômetros para definir quais áreas são afetadas pelo empreendimento.
Debate na Câmara
O anúncio das novas áreas para oferta permanente —modalidade de licitação para blocos e áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil— foi feito pelo diretor-geral da ANP, Rodolfo Saboia, durante audiência pública realizada na Câmara dos Deputados em 18 de junho. Apesar do impacto sobre os nove territórios protegidos, o encontro não contou com a participação de representantes dos povos indígenas.
A reunião foi solicitada pelo deputado Gabriel Mota (Republicanos-RR) e recebeu as principais lideranças políticas de Roraima, como o governador Antonio Denarium (PP), o prefeito de Boa Vista, Arthur Henrique (MDB) e o presidente da Assembleia Legislativa, deputado estadual Soldado Sampaio (Republicanos), além de representantes do governo federal e da Petrobras.
Os deputados presentes, boa parte da bancada do Norte, cobraram celeridade do governo federal para a apresentação dos estudos preliminares da área.
Antonio Denarium disse que o governo estadual “é totalmente favorável a essa pesquisa e a exploração no estado de Roraima”. O prefeito de Boa Vista, Artur Henrique, e o presidente da Assembleia Legislativa de Roraima, Soldado Sampaio, também defenderam a exploração sustentando a necessidade de diversificação econômica e o potencial energético do estado.
Na defesa da abertura de novas áreas para exploração de petróleo na Amazônia, os parlamentares defenderam o “progresso” e o “desenvolvimento” e argumentaram que boa parte de Roraima já é constituída por áreas de proteção ambiental ou reservas indígenas, justificando a necessidade de explorar áreas disponíveis fora desses territórios.
No mesmo dia em que os deputados debatiam o lançamento de novos blocos para exploração de petróleo na Amazônia, na audiência na Câmara, o presidente Lula (PT) defendeu publicamente a produção de petróleo na região ao comentar os planos da Petrobras previstos na margem equatorial, na Foz do Amazonas.
Em entrevista à rádio CBN, o presidente confirmou que pode ser contraditório explorar petróleo na Amazônia diante das ambições ambientais que o país se propõe: “É contraditório? É, porque estamos apostando muito na transição energética. Mas enquanto a transição energética não resolve o nosso problema, o Brasil tem que ganhar dinheiro com esse petróleo”, afirmou Lula.
Atualmente, existem 52 blocos já licitados na região amazônica brasileira, em exploração ou produção. Outros 307 estão em estudo e 92 estão disponíveis para oferta pública, aguardando empresas interessadas. No total, são 451 áreas de exploração previstas na Amazônia Legal, segundo levantamento da organização Arayara.
Apetite por petróleo
No último ano, o governo Lula tem destacado indicadores positivos relacionados ao meio ambiente e ao clima, como a redução de 22% do desmatamento na Amazônia, chegando a uma queda de 50% nas terras indígenas, além de exibir para todo o mundo, durante a última Conferência do Clima, em Dubai, uma diminuição de 8% das emissões de gases do efeito estufa.
No entanto, os avanços ambientais têm sido manchados por anúncios que indicam um apetite do país em aumentar a produção de petróleo.
Além dos dois novos blocos na bacia do Tacutu, o governo federal tenta viabilizar a exploração na Foz do Amazonas, na margem equatorial. O projeto teve o pedido de licença ambiental negado pelo Ibama em 2023 por “inconsistências técnicas preocupantes para a operação segura em nova fronteira exploratória de alta vulnerabilidade socioambiental”.
Apesar da negativa do órgão ambiental federal, a Petrobras quer explorar outros cinco blocos na mesma região da Foz do Amazonas e aguarda análise de um recurso para a perfuração de um bloco na área.
Além disso, no final do ano passado, o governo federal chegou a ofertar outros 21 blocos em leilão para exploração de petróleo e gás em outra região da Amazônia, na bacia do rio Amazonas. Mais da metade deles (12 blocos) está localizada na área de impacto direto de pelo menos 20 terras indígenas, incluindo áreas de uso de territórios quilombolas demarcados.
Por enquanto, sem consulta prévia às populações indígenas
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) foi informada em fevereiro de 2023 sobre os planos da ANP de lançar os novos blocos de petróleo na bacia do Tacutu para leilão. O órgão ainda não deu seu parecer sobre o projeto.
À InfoAmazonia, a Funai informou que o projeto para exploração de petróleo na bacia do Tacutu “ainda está em fase de instrução processual para verificação das distâncias entre o projeto e as terras indígenas, bem como verificação sobre eventuais reivindicações fundiárias na área de influência e quanto à presença de povos isolados e/ou de recente contato na região do empreendimento”.
Por estarem a menos de 10 quilômetros da área delimitada para uma futura exploração, as comunidades indígenas do entorno devem ser consultadas, conforme estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT-169). Essa convenção, que tem força de lei, garante às comunidades tradicionais, incluindo povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, o direito à consulta livre, prévia e informada sobre qualquer empreendimento ou ato administrativo que interfira na autonomia dos seus territórios, inclusive com poder de veto.
No entanto, nenhum representante dos órgãos indígenas do governo federal participou da audiência na Câmara.
No encontro com os deputados, o diretor-geral da ANP afirmou que a área total do projeto já foi reduzida para evitar sobreposições às terras indígenas. As alterações ocorreram após parecer da Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (FEMARH) de Roraima encaminhado ao órgão em junho do ano passado.
Mesmo assim, os representantes da ANP e do MME reconhecem que existe a proximidade com os territórios, mas que somente na fase de licenciamento serão abordadas as salvaguardas dessas populações por meio da consulta livre, prévia e informada como prevê a OIT-169.
Diretor do MME diz que se não explorar ‘vai aumentar emissões de CO2’
Jair Rodrigues dos Anjos, diretor de política de exploração e produção de petróleo e gás do MME afirmou que, embora não haja áreas indígenas dentro dos blocos delimitados, a proximidade dessas áreas exige cuidados específicos.
“A gente antecipa os desafios que vão ter que ser enfrentados pelo órgão ambiental no momento do licenciamento e também pela empresa que vai desenvolver naquela região”, afirmou o diretor, emendando que “não existe nenhum interesse do governo em vetar completamente a exploração. Existe sim um interesse de aproveitar as oportunidades”, afirmou.
O diretor fez uma associação com a exploração de petróleo na Amazônia que é controversa, ao afirmar que se o Brasil não explorar suas reservas estará contribuindo com aumento das emissões de gases do efeito estufa (GEE) no planeta, afirmando que a exploração de combustíveis fósseis no Brasil é mais limpa do que em outros lugares do mundo.
“Se a gente deixar de explorar, o Brasil vai estar aumentando a carga de CO2 no mundo”, disse.
Moara Menta Zon, gerente de projetos da Secretaria Executiva do MMA, explicou o papel do Grupo de Trabalho Interministerial na avaliação ambiental e na autorização de leilões da ANP e destacou que as avaliações prévias evitam que áreas sensíveis sejam ofertadas nos leilões. Zon não apresentou detalhes sobre a avaliação na bacia do Tacutu, mas afirmou que o projeto está em fase final de avaliação no ministério.
A manifestação conjunta do MMA e MME deve indicar as ressalvas socioambientais para a exploração de petróleo e gás na bacia. Após isso, a agência reguladora poderá publicar uma minuta do edital de licitação dos blocos, realizar a audiência pública sobre o edital e, por fim, publicar o edital de licitação.
Segundo informado na reunião na Câmara, o MME já concluiu seu relatório, e aguarda apenas a juntada da manifestação do MMA para que a proposta de exploração no Tacutu seja definida pela ANP.
Esta reportagem foi produzida pela Unidade de Geojornalismo da InfoAmazonia, com o apoio do Instituto Serrapilheira.