Um estudo da Fiocruz mostrou que os indígenas tiveram a maior taxa de suicídio por 100 mil habitantes do país em 2022. No entanto, a Secretaria de Saúde Indígena, braço do SUS, tem apenas 117 psicólogos contratados para o atendimento de 801 mil indígenas no país.

Falta de acesso a direitos básicos de saúde e assistência social, invasões territoriais, violência e abuso de bebidas alcoólicas estão no pano de fundo dos casos de suicídio por indígenas no Brasil, segundo dados e especialistas consultados pela InfoAmazonia. Um estudo publicado em fevereiro deste ano, liderado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostrou que os indígenas tiveram a maior taxa de suicídio do país em 2022, com 16,58 casos por 100 mil habitantes, contra 7,27 da população em geral. 

Nesta semana, até a próxima sexta-feira (26), ocorre o Acampamento Terra Livre (ATL), evento que reúne representantes de mais de 200 povos e deve receber cerca de 5 mil pessoas em Brasília. Um dos temas da mobilização será a defesa da saúde mental e a prevenção do suicídio. Os assuntos serão discutidos na plenária “Saúde Mental e Bem Viver dos povos Indígenas do Brasil”, prevista para esta quarta-feira (24). 

“Hoje acontecem muitos suicídios no Brasil. É uma situação que acontece há muitos anos e precisamos ser firmes para falar com os jovens que estejam nos escutando, para que eles entendam que a gente faz tudo por eles, mas a gente quer eles vivos. Por que eles são as nossas futuras gerações. Lutar pelos direitos indígenas é lutar pela vida, não tem outro significado”, diz Kretã Kaingang, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Kretã perdeu a filha de 15 anos, em fevereiro. Ele explica que a morte também foi sentida pelas lideranças que compõem a Apib, o que levou o tema do suicídio a ser incluído na pauta. O debate é uma forma de jogar luz à situação dos jovens indígenas. O coordenador executivo da Apib diz que estará na plenária para dar um depoimento e defender o acesso a políticas de saúde e atividades de fortalecimento das identidades dos povos. 

“O que acontece hoje é que a gente não consegue dar uma resposta por parte da nossa saúde indígena, por parte da nossa Funai, por parte do Ministério da Saúde, por parte do Ministério da Justiça, por parte do próprio governo brasileiro. Essa questão vem acontecendo dentro dos nossos territórios por falta de políticas públicas, políticas para juventude, políticas de sustentabilidade. Não tô falando aqui de governo A ou B ou C, é o Estado que não dá importância para essa situação que a gente vem vivendo no Brasil e perder nossos filhos é muito ruim, é muito doloroso, a gente não consegue superar isso”, relata Kretã.

Essa questão vem acontecendo dentro dos nossos territórios por falta de políticas públicas, políticas para juventude, políticas de sustentabilidade. Não tô falando aqui de governo A ou B ou C, é o Estado que não dá importância para essa situação que a gente vem vivendo no Brasil e perder nossos filhos é muito ruim, é muito doloroso, a gente não consegue superar isso.

Kretã Kaingang, coordenador executivo da Apib

A taxa de suicídio indígena oficial, monitorada pela Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), é próxima à apresentada pelo estudo da Fiocruz. Em 2022, foram 17,2 casos por 100 mil habitantes. Oficialmente, a SESAI é o órgão responsável por executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) no Sistema Único de Saúde (SUS). Ela está incluída na estrutura do Ministério da Saúde. Entre 2015 e 2022, foram 1.030 mil casos de suicídio entre as diferentes etnias do país, sendo que 55% (566) deles ocorreram com jovens de 15 a 24 anos.

Os atendimentos da SESAI são feitos exclusivamente a indígenas que vivem dentro de territórios. Entre os 10 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) com mais ocorrências de suicídio consumado entre 2015 e 2022, oito estão situados na Amazônia: Araguaia, Médio Rio Solimões e Afluentes, Alto Rio Negro, Alto Rio Solimões, Alto Rio Purus, Médio Rio Purus, Vale do Javari e Yanomami. Eles atendem populações nos estados do Mato Grosso, Tocantins, Amazonas, Roraima e Acre, e vivem conflitos territoriais com invasões de garimpeiros, grileiros e pescadores ilegais. 

O cientista Jesem Orellana, epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), explica que o suicídio entre indígenas não está majoritariamente relacionado aos quadros diagnosticados de patologias como a depressão, mas indica que as dificuldades dos contextos sociais em que as pessoas vivem, em especial os jovens, causam um sofrimento ligado às mortes. Jesem é autor de diferentes estudos sobre a temática e investigou, ao longo de sua carreira, a relação do suicídio indígena com o consumo de álcool, com relações familiares e até com a Covid-19.  

“Não dá para você associar exclusivamente ou principalmente os suicídios indígenas no Brasil aos transtornos mentais. Muitas vezes, são frustrações de um jovem indígena que não consegue se inserir no sistema escolar formal, não consegue se inserir no mercado de trabalho. É uma frustração com a xenofobia das populações não indígenas. Conflitos territoriais, perseguição, assassinato, contato com pistoleiros. Temos uma série de determinantes sociais que acabam ajudando a entender porquê existem determinados contextos em que os indígenas são mais vulneráveis ao suicídio”, explica. 

Muitas vezes, são frustrações de um jovem indígena que não consegue se inserir no sistema escolar formal, não consegue se inserir no mercado de trabalho. É uma frustração com a xenofobia das populações não indígenas. Conflitos territoriais, perseguição, assassinato, contato com pistoleiros.

Jesem Orellana, epidemiologista Fiocruz

Jesem afirma que, na prática, os suicídios de indígenas no Brasil ocorrem por sofrimentos relacionados à falta de políticas públicas diversas, de saúde, educação, esporte e lazer. “Você não vai conseguir diminuir substancialmente o número de suicídios naquele grupo se você não tem ações mais estruturais. Ações que deem dignidade para essas pessoas e que permitam elas usufruírem a vida de maneira a não sofrer. Por que, na prática, é isso, elas sofrem continuamente com racismo, conflitos, violências das mais diversas. Chega um momento em que as pessoas se cansam e dizem ‘olha, eu não consigo mais’”, diz o pesquisador. 

Conceito de ‘bem viver’

O conceito de “bem viver”, que dá nome à plenária do ATL, indica a busca pela relação harmoniosa com o território, a natureza e os parentes entre si. Ele começou a ser trabalhado por movimentos indígenas da América Latina, especialmente Equador, Bolívia e Chile. É uma ideologia que confronta o modelo de exploração dos recursos naturais e exige uma mudança social e política para que a existência dos povos indígenas seja respeitada. Dessa forma, a saúde mental depende da garantia dos direitos sociais desses povos. 

A psicóloga Iterniza Macuxi, que atende no DSEI Leste, em Roraima, afirma que para combater os casos de suicídio no país é necessária a garantia dos direitos territoriais, o acesso a consultas com psicólogos e os momentos de lazer e trocas culturais. “Nas comunidades indígenas, o que vemos são pessoas que estão enfrentando situações de violência que estão se repetindo há algum tempo e que chega um momento em que ela não consegue mais lidar com aquilo e comete o suicídio”, conta. 

Nas comunidades indígenas, o que vemos são pessoas que estão enfrentando situações de violência que estão se repetindo há algum tempo e que chega um momento em que ela não consegue mais lidar com aquilo e comete o suicídio.

Iterniza Macuxi, psicóloga

A doutora em psicologia clínica Jaqueline Calafate, responsável técnica do Programa de Atenção Psicossocial e Promoção do Bem Viver Indígena, da SESAI, afirma que, por conta dos suicídios não estarem exclusivamente associados aos transtornos mentais, o problema não cabe somente à atenção psicossocial. 

“A gente precisa falar do bem viver, porque, do contrário, a gente está responsabilizando indivíduos pelo sofrimento e não pode, principalmente, nesse contexto. Não é um sofrimento que diz respeito a uma única pessoa. Ela não está sofrendo porque ela é depressiva, porque ela é borderline, porque ela tem transtorno. Você está responsabilizando a pessoa por algo que é da condição material. Eu faço como, se eu tenho insegurança alimentar? Se eu não tenho segurança territorial? Se hoje eu vou estar aqui e amanhã não vou poder estar na minha casa?”, explica. 

Não é um sofrimento que diz respeito a uma única pessoa. Ela não está sofrendo porque ela é depressiva, porque ela é borderline, porque ela tem transtorno. Você está responsabilizando a pessoa por algo que é da condição material. Eu faço como, se eu tenho insegurança alimentar? Se eu não tenho segurança territorial? Se hoje eu vou estar aqui e amanhã não vou poder estar na minha casa?

Jaqueline Calafate, doutora em psicologia clínica e responsável técnica do Programa de Atenção Psicossocial e Promoção do Bem Viver Indígena
Manifestação contra Marco Temporal e a favor de direitos territoriais no Acampamento Terra Livre de 2023 Foto: Tuane Fernandes/ Greenpeace

A SESAI é responsável pela execução de políticas sanitárias nas comunidades indígenas e trabalha com o Programa de Atenção Psicossocial e Promoção do Bem Viver Indígena, em que psicólogos dos DSEIs se encontram mensalmente para tratar dos assuntos de saúde mental. Calafate afirma que a proposta é atuar de forma multissetorial e destaca a necessidade da demarcação de terras indígenas.

“A gente entende que precisa da parceria com outros órgãos, com o MPI [Ministério dos Povos Indígenas], a Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas], para fortalecer a luta pelo território, porque o bem viver desses povos passa necessariamente pela defesa do território. Por que não é só um lugar onde eu construo uma casa, ele é espiritual, é detentor de histórias ancestrais, tem todo um conceito cosmológico. Então, a solução de moradia é uma solução que atravessa muitas outras coisas, como a floresta e os seres que habitam a floresta”, diz Jaqueline Calafate. 

Questionada sobre a presença de psiquiatras para tratamento nas aldeias, Jaqueline explica que a SESAI não trabalha com esses profissionais porque todos os serviços da secretaria são de atenção básica. Para ter atendimento psiquiátrico, os indígenas precisam ter consultas por meio do sistema municipal das cidades. Além disso, a psicóloga afirma que existe uma dificuldade em receitar medicamentos para saúde mental dessas populações, porque falta acompanhamento.

“Hoje, a gente tem uma realidade nos territórios que é um alto índice de desenvolvimento de medicação psicotrópica: Medicamentos receitados para condições psiquiátricas que são capazes de atuar no funcionamento do cérebro, modificando o comportamento do paciente. e isso pra gente é um problema porque é uma medicação superdifícil de fazer uso. Imagina você fazer o uso sem acompanhamento de médico psiquiátrico, que é o caso da maior parte das populações também. Eles recebem a receita no postinho, e aí fica ali uma receita assim com 10 anos sendo reproduzida, uma medicação que muda a vida da pessoa”, diz a psicóloga.

Ausência de psicólogos

Há, ainda, uma ausência de psicólogos qualificados para atender populações indígenas. A SESAI conta com 117 psicólogos, que atendem 6,8 mil aldeias, com 801,8 mil pessoas em 34 DSEIs do Brasil, em 478 municípios diferentes. Em 2023, foram 82,6 mil atendimentos psicológicos e, no ano anterior, foram 72,3 mil. Neste ano, já são 18,3 mil atendimentos, segundo dados do Ministério da Saúde.

No DSEI Alto Rio Negro, que abrange as cidades de São Gabriel da Cachoeira, Santa Izabel do Rio Negro e Barcelos, no Amazonas, são 25 polos base que reunem 30,7 mil pessoas. Por lá, quatro psicólogos fazem parte da equipe, que começou o atendimento em 2018. A equipe estima que o ideal era ter um psicólogo para cada polo base, que são os locais onde funcionam as estruturas do DSEI e onde os comunitários podem receber atendimentos. Dentro dos 34 DSEIs existentes no país, a secretaria possui 377 polos base. 

Considerando dados gerais, de toda a população, o Amazonas é o terceiro estado do país com o menor número de psicólogos e psicanalistas atuando na rede pública, depois do Pará e do Ceará. São 0,129 por 1.000 habitantes, de acordo com os dados do Instituto Republica.Org, que atua para melhorar a gestão de pessoas no serviço público brasileiro. 

De acordo com boletim epidemiológico de fevereiro de 2023, entre 2018 e 2022, foram 91 casos de suicídio no DSEI Alto Rio Negro, a maioria cometida por homens (73%) e jovens entre 10 e 19 anos (54%). Com casos frequentes e muitas vezes concentrados em algumas comunidades, a equipe de psicólogos do DSEI Alto Rio Negro realizou intensas atividades para tentar reduzir os casos. Em 2022, houve o maior pico da série, com 28 registros. Em 2023, conseguiram reduzir em 42% o número, diminuindo para 16 casos. 

Para isso, usaram saberes tradicionais e convencionais. Realizaram encontro de benzedores e pajés para ritos nas localidades, rodas de conversa, palestras para a juventude. Também implementaram a execução de um documento com o histórico de cada uma das famílias com registros das mortes autoprovocadas, para monitoramento. 

“Em um ano em que a gente teve um surto, a gente conseguiu reduzir drasticamente o quantitativo de casos de suicídio, mas é um problema que continua e que vai continuar. Se a gente não fizer as nossas ações agora, mais tarde vai ser muito pior”, diz Uziel Swa, pesquisador no Centro de Informação Estratégica em Vigilância em Saúde (CIEVS), do DSEI Alto Rio Negro.  

Com populações tão diversas, há mais uma dificuldade no DSEI Alto Rio Negro: o ideal, na verdade, seria que psicólogos e antropólogos passassem a atuar em conjunto. Isso porque os psicólogos não sabem falar todas as línguas dos indígenas. A região concentra uma diversidade de 23 povos indígenas, de 18 línguas diferentes. Em São Gabriel da Cachoeira, além do português, outras três línguas são oficiais: Nheengatu, Tukano e Baniwa. 

Nesse contexto, os povos de recente contato são os que mais sofrem com a falta de atendimento psicológico. “A maior barreira é a linguística, porque não temos um profissional de fato que fale a língua deles. O máximo que chegamos próximos de falar é usando a língua tukano, mas mesmo assim eles não compreendem 100%”, relata a psicóloga Adriele Braga, do povo Baniwa, que atende no DSEI. 

A maior barreira é a linguística, porque não temos um profissional de fato que fale a língua deles.

Adriele Braga, psicóloga

O povo indígena que mais registrou casos de suicídio nos últimos anos (51 casos) é de recente contato e o processo etnocultural não é conhecido. No boletim epidemiológico, a equipe do DSEI pede a integração de mais profissionais: “necessita-se de um antropólogo, para que se consiga oferecer integralidade do cuidado, unindo os psicólogos, psiquiatra e antropólogo, visto que o suicídio é um fenômeno complexo e multifacetado”. 

Combate ao álcool

Segundo a equipe do DSEI Alto Rio Negro, o consumo de bebidas alcoólicas é um dos fatores relacionados à violência nas aldeias e comunidades. Os profissionais da saúde relatam à InfoAmazonia que “já fugiu do costume tradicional”, como quando há consumo do caxiri, bebida fermentada à base de mandioca utilizada em rituais importantes de alguns povos. 

“Não é mais somente o caxiri. Tem a inclusão do álcool em gel, do perfume, da gasolina também. É algo que já fugiu do controle”, conta a psicóloga Adriele Braga.

De acordo com a Lei 6.001/73, a venda da substância às populações indígenas configura crime. A psicóloga Iterniza Macuxi, do DSEI Leste, explica que os invasores dos territórios levam bebidas para as comunidades há décadas e que isso tem provocado quadros de violências que dificultam a harmonia e o bem viver das populações. “Quando a gente tem esse diálogo com os DSEIs, percebemos que não é só em Roraima. É uma dificuldade que devido ao uso de álcool, acaba tendo a presença de violência doméstica contra mulher, abuso, brigas e violência de forma geral. Ela é muito presente por consequência do alcoolismo dentro dos territórios indígenas”, conta. 

Não é mais somente o caxiri. Tem a inclusão do álcool em gel, do perfume, da gasolina também. É algo que já fugiu do controle.

Adriele Braga, psicóloga

Iterniza conta, por exemplo, que violências associadas ao uso do álcool são vistas e vividas por jovens indígenas dentro de suas famílias e comunidades. “Esses jovens se veem sem saída diante dessas situações de violência, de não ter para onde ir, eles não suportam lidar com isso e eles cometem o suicídio”, explica. 

Apesar do abuso da substância, o cientista Jesem Orellana afirma que é necessário atender as populações com mais acessos aos direitos básicos. “É realmente um fator de risco aí importantíssimo, mas o álcool em si é só uma ferramenta. Não significa que se você tirar o álcool da terra indígena, vai resolver o problema do suicídio no Alto Rio Negro, não é isso. Se você não melhora as condições de vida dessa população, não resolve. Ou pelo menos os grandes problemas estruturais dentro das terras indígenas e até mesmo no entorno das terras indígenas, como conflitos com garimpeiros, madeireiros, você não consegue enfrentar o o suicídio de forma efetiva”, diz. 

Não significa que se você tirar o álcool da terra indígena, vai resolver o problema do suicídio no Alto Rio Negro, não é isso. Se você não melhora as condições de vida dessa população, não resolve. Ou pelo menos os grandes problemas estruturais dentro das terras indígenas e até mesmo no entorno das terras indígenas, como conflitos com garimpeiros, madeireiros, você não consegue enfrentar o o suicídio de forma efetiva.

Jesem Orellana, epidemiologista Fiocruz

A psicóloga Francisca Marchetto, do DSEI Cuiabá, do Mato Grosso, diz que os casos de suicídio que estão ocorrendo em todo o país indicam uma sociedade adoecida. Em 2023, o distrito sanitário que ela atende registrou dois casos, mas, neste ano, até abril, já foram três. “O índice de suicídio está aumentando em todas as sociedades. Por que os seres estão em sofrimento tão profundo? Nunca tivemos tantas tecnologias e tanta coisa para aprender, e nunca estivemos tão doentes. Os indígenas vão ter esse reflexo também”, diz. 

Juventude em risco

Além dos 1.030 casos de suicídio indígena entre 2015 e 2022, o Ministério da Saúde também registrou 3.795 violências autoprovocadas não letais (tentativas de suicídio), sendo que 60% delas ocorreram com crianças, adolescentes e jovens de 5 a 24 anos. Em Manaus, cidade com o maior número de indígenas do país, de acordo com o Censo de 2022, jovens de diferentes etnias estão se reunindo em grupos para desabafar, trocar experiências e reforçar a própria identidade.

O Movimento de Estudantes Indígenas (MEIAM), que acolhe jovens que chegam na cidade para estudar, realiza mensalmente rodas de conversas e encontros culturais. A doutoranda Izabel Munduruku, mestre em História, explica que o racismo e o contato com a cultura não indígena também afetam drasticamente a saúde mental dos jovens. Ela é uma das pessoas à frente do MEIAM.  

“Todos os últimos domingos do mês a gente se encontra pra falar sobre como lidar com nossos problemas, que são diversos e envolvem a falta de assistência. Tem estudante que não tem onde morar, que não está comendo direito, que só se alimenta na universidade. Então, são vários problemas que causam a falta de perspectiva”, explica Izabel. 

O intuito dos encontros é que o sentimento de coletividade, próprio das comunidades  indígenas, seja reconstruído. Outra iniciativa é a Articulação Brasileira de Indígenas Psicólogos (ABIPSI), que desde 2020 realiza consultas com preço social para indígenas que necessitam de apoio. Também realizam palestras, rodas de conversa e estudos. O objetivo é qualificar outros profissionais para o trabalho dentro das comunidades. 

“Queremos criar abordagens que realmente venham a contemplar a realidade da população indígena, porque a psicologia eurocêntrica nos limita. Por exemplo, ela nos dá um tempo de 45 minutos, no mínimo, e de uma hora, no máximo, para fazer atendimento. Com a população indígena, nós ultrapassamos esse período, esse tempo que eles limitam para nós. Então, nós não estávamos conseguindo levar nenhuma abordagem para aplicar com a população indígena”, conta Iterniza Macuxi, que também faz parte do grupo. 

O antropólogo Raimundo Nonato, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), afirma que entender a realidade indígena deve ser prioridade na qualificação de profissionais que atuam nas secretarias. Ele já trabalhou ajudando a equipe de psicólogos do Alto Rio Negro. “Tanto a comunidade, quanto os profissionais de outras áreas, têm que estar preparados para perceber algo de anormal nas pessoas atendidas, porque existem sinais. Preparar os profissionais para entender o universo indígena”, afirma. 

Como pedir ajuda

Qualquer pessoa em situação de sofrimento pode pedir ajuda do Centro de Valorização da Vida (CVV), fazendo uma ligação gratuita, a qualquer hora do dia, sob sigilo. O número é 188. Também é possível acessar o www.cvv.org.br para enviar e-mail, chat e voip.  

Além do CVV, os CAPS e Unidades Básicas de Saúde (Saúde da família, Postos e Centros de Saúde) municipais fazem atendimento. As Unidades de Pronto Atendimento 24H, SAMU 192, pronto socorro e hospitais também. 

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Jullie Pereira

Repórter da InfoAmazonia em parceria com o Report for the World, que aproxima redações locais com jornalistas para reportar assuntos pouco cobertos em todo o mundo. Nasceu e mora em Manaus, no Amazonas,...

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