A sojicultora Marussa Boldrin (MDB-GO) disse que o setor já contribui para o clima e que ‘a legislação brasileira exige muito da agricultura’. Parlamentar defende, ainda, pautas consideradas anti-ambientais no Congresso e recebeu doação de campanha de infratores ambientais.
A deputada federal Marussa Boldrin (MDB-GO) defendeu a exclusão do setor do agronegócio do controle de emissões anuais de gases de efeito estufa brasileiro, durante sua participação na COP28. A parlamentar falou do PL do Mercado de Carbono, aprovado em outubro pelo Senado e atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE).
O projeto de lei 412/2022 estabelece um teto de emissões por setores da economia, mas acabou retirando as obrigações do agronegócio. A proposta que agora tramita em regime de urgência na Câmara pode ser votada nas próximas semanas.
A exclusão do agronegócio é vista com preocupação por especialistas, já que o setor representa diretamente cerca de 34% das emissões de gases do efeito estufa do Brasil, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) divulgados em outubro pelo Observatório do Clima. Indiretamente, em toda a cadeia de produção, chega a 74% (1,8 bilhão de toneladas de carbono equivalente), incluindo o desmatamento para conversão de áreas para agricultura e pastagem e energia.
Assim, segundo especialistas, a retirada do agro por completo da lei pode impedir o controle anual das emissões do setor e até atrapalhar o cumprimento de compromissos climáticos firmados na própria COP28.
Isso porque a maior parte das emissões brasileiras estão relacionadas ao desmatamento, principalmente na Amazônia, ainda de acordo com a pesquisa divulgada pelo Observatório do Clima. Os dados apontam que desde 1990, 92% das emissões por desmatamento ocorreram devido à formação de pastagens, e outros 5% para produção de soja.
Só na produção bovina, segundo o estudo, há uma emissão estimada de 1,4 bilhão de toneladas brutas por ano. Se fosse um país, a carne brasileira seria o sétimo maior emissor do planeta, à frente do Japão.
“O agronegócio no Brasil, infelizmente, não quer ser regulado no mercado de carbono, ele não quer ser regulado na legislação, ele não quer ser regulado nos impostos, ele não quer ser regulado nos deveres sociais. É uma luta constante do agronegócio por desregulação”, afirmou Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.
Ignorando os dados
A deputada usou como argumento que as emissões no setor produtivo não podem ser medidas ou comparadas com os demais setores. A fala da Boldrin ignora as medições que já existem para o setor, como o próprio o SEEG, que conta com metodologia publicada pela revista científica Scientific Data, do grupo Nature.
A posição que tem sido defendida pelo setor produtivo para justificar a exclusão da categoria dos mecanismos para controle de emissões é a de que o agronegócio não pode ser responsabilizado pelas mudanças no uso do solo, que incluem, principalmente, o desmatamento.
“Não dá para ser comparado. Na indústria, você consegue medir e saber quantas toneladas está produzindo, no campo não, por isso a agricultura está fora do projeto”, afirmou a deputada na COP28, durante o painel Financiamento Climático e Mercado de Carbono: Oportunidades e Desafios nos Estados Brasileiros.
“A parte agrícola do nosso país já tem um módulo sustentável que vem trazendo essa recuperação das áreas degradadas e trazendo todo um implemento”, afirmou a parlamentar apontando ainda que o setor já contribui para ações climáticas “através das APP [área de preservação permanente] e das reservas legais” previstas pelo Código Florestal. A deputada afirmou, ainda, que a “legislação brasileira exige muito da agricultura”.
Para Astrini, o setor agropecuário brasileiro tem demonstrado que é possível obter ganhos de produtividade com uso de tecnologia para baixa emissão de carbono, mas não quer encarar o problema de frente, insistindo no que ele chama de “contorcionismo retórico ou negacionismo”.
Na opinião do especialista, se o agro não tem relação com quem desmata, deveria “aprovar um projeto de lei aumentando a punição aos crimes por desmatamento, ou outro para punir de forma rigorosa e definitiva o crime de grilagem de terras”.
Sobre as obrigações e sanções
A criação do SBCE estabelece pelo menos duas obrigações com previsão de sanções por descumprimento. A primeira consiste na apresentação de relatório anual de emissões e remoções para os operadores que emitem acima de 10 mil toneladas CO2; e a segunda, de redução de emissões para emissões acima de 25 mil toneladas de CO2.
Caso o relatório não seja apresentado, ou o limite de toneladas seja ultrapassado e não limitado, as empresas podem receber multas de até R$ 5 milhões ou de 5% do faturamento bruto. Há, ainda, em caso de descumprimento dos critérios, a possibilidade de: embargo da atividade; perda de benefícios fiscais e linhas de financiamento; proibição de contratação com a administração pública por três anos; e até cancelamento de registro.
Então, o sistema oficializa o mercado regulado de créditos de carbono, cujos saldos poderão ser negociados pelas empresas que reduzirem as próprias emissões. Quem ultrapassar os limites estipulados também poderá compensar seus excedentes com iniciativas de preservação ambiental que gerem créditos.
Apesar de ser excluído do teto de emissões por setor, o agronegócio estará elegível para negociar créditos de carbono através do Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE), que também será criado.
“O agronegócio não quer ter nenhuma obrigação, mas quer poder fazer parte da divisão dos lucros. Aí não dá. Aí é realmente como uma pessoa chegar e dizer que quer comparecer no jantar, mas apenas para comer. Ela não quer dividir a conta. Eles não serem regulamentados, mas poderem fazer a venda de crédito, é algo que não parece lógico”, emenda Astrini.
Setor negociou nova versão do PL no Senado
O SBCE foi apresentado em uma proposta consensuada entre o governo e os Ministérios e incorporada como substitutivo, que deu nova redação para o Projeto de Lei 412/2022 que já tramitava no Senado Federal, apresentado pela senadora Leila Barros (PDT).
No entanto, às vésperas de ser analisado pela Comissão do Meio Ambiente (CMA), em outubro, um novo texto substitutivo, excluindo o agronegócio das obrigações previstas no PL, foi apresentado e aprovado por unanimidade pela Comissão.
A retirada do setor foi negociada pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), da qual a deputada Marussa Boldrin é vice-presidente, e com o mesmo argumento de “incertezas ainda existentes na metodologia de estimativa de emissões”, como declarou a senadora Leila Barros após a votação, que foi relatora do projeto.
Marcio Astrini avalia que é estratégia do agronegócio brasileiro fugir das regulações do setor, mas que a exclusão do SBCE não libera os compromissos para redução das emissões.
Para ele, os diversos acordos e outras regulamentações “somados, vão exercer um papel de redução de emissões e compor um mosaico legal de redução de emissões dos setores”.
“São vários componentes que fazem essa regulamentação, podem ser outras leis específicas, enfim, pode ser o próprio comércio, como a gente está vendo agora na regulação europeia. O agro vem negando o que pode negar”, afirma.
Apesar da exclusão até o momento do SBCE, o agronegócio deve ser alcançado por outros compromissos internacionais como a declaração inédita, assinada pelo o Brasil e mais 133 países, que se comprometeram a incorporar até 2025 a questão da agricultura e da resiliência de sistemas alimentares em suas metas climáticas.
A declaração foi bem recebida por especialistas, e os países signatários abrigam 5,7 bilhões de pessoas e 75% de todas as emissões provenientes da produção e consumo global de alimentos.
Deputada recebeu doação de infratores ambientais
A jovem congressista Marussa Boldrin, que foi à COP28 para defender os interesses do agronegócio, é sojicultora e filha de sojicultores de Goiás. Parte dos seus votos para na eleição de 2022 foram herdados do vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Mário Schreiner (MDB-GO), o Zé Mário, que não concorreu na última eleição, mas segue a frente do CNA articulando os interesses do setor no Congresso Nacional.
Entre eles, Zé Mário trabalhou para a aprovação do chamado PL do Veneno e que, segundo noticiou a Repórter Brasil, foi usado como moeda de troca para aprovação de pautas-chaves do atual governo, como o arcabouço fiscal.
Na Câmara, Marussa Boldrin já chegou como vice-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) onde tem como uma das suas bandeiras a “proteção da propriedade privada”. Chegou a ser indicada na vaga do MDB para a CPI do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), mas não chegou a assumir a vaga.
Com uma campanha de R$ 1,7 milhões em 2022, Boldrin recebeu doações de campanha de pelo menos dois acusados de infrações ao meio ambiente com multas que chegam a R$ 406 mil.
A parlamentar também tem se manifestado publicamente favorável à chamada lei do Marco Temporal, considerada pelo movimento indígena como o maior pacote de medidas da história recente para destravar a exploração de terras indígenas para atender interesses do agronegócio e da mineração.
Na Câmara, Boldrin também é relatora do projeto de lei do Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten) que prevê a criação de um “Fundo Verde” para financiar projetos privados de transição energética através do Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Sustentável (BNDES).
Durante a COP28, a deputada gravou vídeo com o ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, em que fala sobre a importância da criação do fundo para financiar a transição energética.