Aldeia Bugaio, Jutaí (AM), onde lideranças foram convencidas a aceitar projeto de carbono com empresas colombianas. Foto: Christian Braga/InfoAmazonia
A busca de empresas por créditos de carbono: 1 crédito de carbono equivale a 1 tonelada de CO2 equivalente evitado na atmosfera. para compensar as emissões dos gases de efeito estufa (GEE) está pressionando comunidades indígenas da Amazônia a cederem suas áreas de floresta para a exploração de serviços ambientais no mercado financeiro, nos moldes dos chamados projetos de Redução de Emissões Provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+: Incentivo político-econômico no âmbito das Nações Unidas para a redução das emissões de gases de efeito estufa por países em desenvolvimento, vinculado a projetos em busca de reduzir a taxa de desmatamento).
Nesse modelo de mercado, é calculada a média do desmatamento histórico e, com base nisso, é traçada uma estimativa de perda de floresta no futuro. Após a implantação dos projetos de REDD+, a diferença entre o desmatamento previsto e o evitado é transformado em crédito de carbono. Cada tonelada de CO2 equivalente: É a medida que expressa a quantidade de gases de efeito estufa em termos equivalentes da quantidade de dióxido de carbono. evitado nesses projetos gera o crédito, que custa cerca de 15 dólares.
Glossário do Mercado de carbono
Entenda os principais conceitos e termos relacionados a projetos de geração de créditos de carbono nesta página.
Com 115,8 milhões de hectares distribuídos em 430 áreas, segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA), as terras indígenas: Territórios da União reconhecidos e delimitados pelo poder público federal para a manutenção do modo de vida e da cultura indígenas em todo o país. representam 23% do território amazônico, e são nelas que estão as grandes porções de florestas preservadas — elas perderam 1% de suas florestas nas últimas três décadas, enquanto 20,6% das áreas privadas já foram desmatadas no mesmo período, segundo o Mapbiomas.
A InfoAmazonia identificou a existência de pelo menos 36 projetos para expansão do mercado de crédito de carbono em terras indígenas na Amazônia, com cerca de 15 pré-contratos assinados, dos quais apenas nove eram de conhecimento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Por mais de 10 meses, a reportagem apurou o status desses projetos, ouviu pesquisadores, autoridades e especialistas, além de visitar as comunidades indígenas. Também fez parte do trabalho a realização de um longo levantamento de documentos públicos e pedidos de Lei de Acesso à Informação (LAI).
Esta apuração faz parte da série de reportagens “Dinheiro que dá em árvore: financeirização da floresta pressiona terras indígenas”, que investiga contratos com suspeitas de violações de direitos indígenas em territórios tradicionais da Amazônia brasileira.
Embora o pagamento por serviços ambientais seja uma medida defendida pela Organização das Nações Unidas (ONU) e tenha obtido sucesso em alguns casos, a exemplo do Fundo Amazônia: Projeto que capta e investe recursos nacionais e internacionais para potencializar a conservação e o uso sustentável da Amazônia., os projetos de REDD+, que buscam especificamente florestas preservadas ameaçadas, resultaram em uma corrida por áreas na Amazônia, incluindo os territórios em que vivem os povos tradicionais. O boom desse mercado no bioma, segundo ofícios e informações que têm chegado à Funai, se deu principalmente após o Acordo de Paris (2015), que reconheceu o papel central das florestas no combate às mudanças climáticas.
Sem uma regulamentação consolidada no Brasil, apesar da tramitação de um projeto de lei no Congresso (leia em “Por uma legislação transparente“), as empresas têm buscado meios duvidosos para implementar esse mercado dentro dos territórios indígenas. Um dos artifícios tem sido convidar autoridades locais para acompanhar reuniões, como servidores locais da Funai, membros do Ministério Público Federal (MPF) e de defensorias, mesmo que esses funcionários públicos não tenham as atribuições para garantir a autorização de tais projetos pelos órgãos a que estão vinculados.
Promessas vazias e violação de direitos indígenas
Para persuadir indígenas a fecharem contratos rapidamente, as empresas muitas vezes prometem altos benefícios financeiros e estruturais para as aldeias antes de qualquer avaliação do órgão indigenista, e sem quaisquer garantias do cumprimento das promessas ou dos benefícios climáticos nos projetos. Em alguns casos, indígenas confirmaram que a oferta de dinheiro acelerou assinatura de contratos que podem ser fruto de violações de direitos dos povos originários.
Para a procuradora Nathália Mariel, do Pará, os acordos entre empresas e indígenas acumulam tantas irregularidades, que, mesmo após a assinatura, “nem deveriam ser considerados como contratos”.
Já Suely Araújo, especialista em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama (2016-2018), afirma que o vácuo de uma legislação e de ações mais contundentes do Estado favorecem ambientes desiguais de negociação, deixando comunidades expostas a assédios e pressões desproporcionais.
“Existe muita especulação das empresas, que podem estar violando direitos com danos reais às comunidades. Muitas expectativas são geradas com esses projetos, e os indígenas, as comunidades, não têm o mesmo poder de negociação que as grandes empresas. É uma negociação desigual”, comenta Suely.
O pesquisador Fábio Alkmin, que estudou a relação entre projetos de carbono e a autonomia indígena nos territórios em sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP), descobriu que, em muitos casos, a ideia de que os indígenas seriam independentes por meio desses projetos pode, na realidade, ter efeitos opostos.
“Muitas vezes, essas iniciativas são precedidas de oficinas de projetos de vida. Eles projetam para o futuro o que as comunidades querem para daqui 50 anos. No final, se aponta como caminho o REDD+ e o crédito de carbono. É aí que eles entram: quando já há uma abertura para esse processo através dessa expectativa”, explica Alkmin.
Ele diz que esse modelo pode se assemelhar a um projeto colonial, já que os contratos, que são de no mínimo 30 anos, podem comprometer o direito territorial das atuais e futuras comunidades. Em última análise, segundo o pesquisador, isso pode levar a um controle externo e indesejado sobre as terras indígenas.
“É vendida essa perspectiva: ‘vocês não precisam depender da Funai, vocês não precisam depender do Estado’. É muito sedutor para as comunidades que de fato precisam de dinheiro para seus projetos e para defender os territórios, mas pode muito bem ser comparado com um projeto colonial”, enfatiza Alkmin.
É vendida essa perspectiva: ‘vocês não precisam depender da Funai, vocês não precisam depender do Estado’. É muito sedutor para as comunidades que de fato precisam de dinheiro para seus projetos e para defender os territórios, mas pode muito bem ser comparado com um projeto colonial.
Fábio Alkmin, pesquisador
Defesa contra abusos
Entre as principais preocupações em relação aos projetos REDD+ em terras indígenas, está a forma como as empresas interessadas abordam as comunidades para assinar contratos de exclusividade. Muitas vezes, essas negociações ocorrem de maneira apressada, com pouca ou nenhuma transparência, desrespeitando direitos e ignorando orientações dos órgãos indigenistas e do MPF.
Nesses acordos, os indígenas concordam em ceder suas áreas florestais para que as empresas iniciem os projetos e vendam os créditos de carbono capturados. Os indígenas deveriam receber entre 50% e 70% das vendas, mas também são responsáveis, de acordo com os contratos, pela manutenção da área do projeto, o que pode exigir deles atividades que caberiam ao Estado, como a fiscalização de crimes ambientais.
A procuradora Nathália Mariel acompanha algumas negociações do mercado de carbono no Pará. “Estamos bastante preocupados, especialmente, com relação a abordagem das comunidades. Muitas etapas estão sendo atropeladas”, disse. Para ela, a falta de regulamentação e a pressão sobre as comunidades demonstram a necessidade de ações eficazes para proteger os direitos dessas populações.
Estamos bastante preocupados, especialmente, com relação a abordagem das comunidades. Muitas etapas estão sendo atropeladas.
Nathália Mariel, procuradora
“Isso está acontecendo em todo o território nacional e ações judiciais estão sendo propostas visando anular os efeitos desses contratos. Algumas empresas, inclusive, estão sob investigação internacional pelo uso indevido desses contratos”, afirmou a procuradora.
Mariel diz que “muitos desses contratos não são válidos”. Mesmo assim, uma vez assinados pelos indígenas, eles podem ser usados em negociações para captação de recursos ou para venda antecipada de créditos de carbono.
A advogada Brenda Brito, mestre e doutora em Ciência do Direito pela Universidade Stanford (EUA) e pesquisadora associada da organização Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), destaca a falta de transparência como um problema. “Nós temos situações de contratos que impõem sigilo sobre as informações do projeto, o que é absurdo do ponto de vista legal”.
Brito também avalia que a falta de regulamentação levou a omissões por parte do poder público, que “poderia oferecer assistência jurídica mínima”. Segundo ela, “independente de ter ou não uma regulamentação sobre projetos de carbono, você tem a Convenção 169 do qual o Brasil é signatário e que precisa ser seguida”.
Independente de ter ou não uma regulamentação sobre projetos de carbono, você tem a Convenção 169 do qual o Brasil é signatário e que precisa ser seguida.
Brenda Brito, advogada e pesquisadora do Imazon
Funai e MPF defendem o que está previsto da Convenção 169 da OIT
Apesar de não existir uma regulamentação específica para o mercado de carbono em terras indígenas, o MPF e a Funai consideram a autonomia dos territórios tradicionais e têm orientado que as comunidades tenham cautela. Esses órgãos pedem que as empresas sigam ritos legais já estabelecidos, como a realização de uma consulta livre, prévia e informada, como prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT): A OIT 169 é um tratado internacional que garante direitos às populações indígenas e povos tribais sobre qualquer atividade que interfira em seus territórios ou modos de vida. Um dos requisitos é a consulta, que deve ser livre de pressões externas; prévia, antes de qualquer tomada de decisão; e informada à toda comunidade afetada., assinada pelo Brasil e que tem força de lei.
A Funai tem orientado que “não sejam assinados contratos para comercialização de créditos de carbono em terras indígenas até que a questão seja regulamentada”. Segundo o órgão, existem dúvidas de caráter técnico e jurídico: “tendo em vista se tratar de terras públicas, de uso coletivo e de propriedade da União, orienta-se os parceiros interessados nessas atividades que aguardem regulamentação da matéria”, diz parecer do órgão federal de setembro de 2022. Desde 2010, a Procuradoria Federal Especializada da Funai alerta que é necessário aval da União para esses projetos, o que ainda depende de regulamentação.
Em julho deste ano, o MPF emitiu uma nota técnica como forma de orientar as procuradorias regionais e evitar entendimentos diferentes sobre o mercado de crédito de carbono em terras indígenas. No documento, os procuradores destacam que “a consulta prévia deve ocorrer na fase do planejamento e antes de qualquer ato decisório”.
Mesmo assim, mais de 15 contratos de projetos de carbono em terras indígenas foram assinados sem o aval da Funai ou da União e, ainda, sem as garantias de que foram cumpridos todos os ritos legais para salvaguardar os direitos dos povos tradicionais envolvidos. Segundo a Funai, esses acordos estão sob análise da procuradoria e se confirmadas ilegalidades serão adotadas “providências visando anulação”.
Alguns desses contratos também estão sob investigação no MPF, como é o caso do povo Tembé, da Terra Indígena Alto Rio Guamá, no oeste do Pará. Os indígenas afirmaram à InfoAmazonia que assinaram documentos sem saber que estavam cedendo suas terras em contratos de carbono.
Há um outro projeto de REDD+ na bacia do Solimões, no Amazonas, em que foram assinados seis pré-contratos com um grupo de empresas colombianas, sem conhecimento das autoridades brasileiras. Além de não cumprir com a realização de consulta prévia, o contrato prevê cláusulas que podem ser consideradas ilegais, como sigilo sobre as informações do projeto e o foro para resolução de conflitos estabelecidos em Bogotá, na Colômbia.
Também foram assinados documentos suspeitos no território Munduruku, no Pará, onde parte dos indígenas só ficou sabendo das negociações quando elas já estavam em andamento. Em outubro de 2022, uma parte do povo Munduruku emitiu uma carta denunciando ilegalidades do projeto de carbono firmado sem consulta adequada à população.
Em maio deste ano, a líder Alessandra Munduruku afirmou que a comunidade “não está interessada em acordos com empresas que só visam lucro sobre os serviços ambientais que os indígenas promovem” e que parte dos indígenas que ocupam o território não compactuou e não assinou nenhum projeto de carbono, o que viola o protocolo de consulta do povo Munduruku.
[A comunidade] não está interessada em acordos com empresas que só visam lucro sobre os serviços ambientais que os indígenas promovem.
Alessandra Munduruku, liderança indígena
Há, ainda, uma situação parecida registrada na Terra Indígena (TI) Coatá-Laranjal, no Amazonas, em que parte da comunidade se manifestou contrária a uma proposta de carbono e, mesmo assim, o contrato foi assinado e o projeto iniciado. Na TI Kayapó, a Funai apura se houve violação na oferta de uma empresa que ofereceu R$ 50 milhões antecipados para garantir um acordo de exclusividade.
Verniz de legalidade
Em todos os casos citados, as empresas dizem ter realizado consultas prévias, livres e informadas, como constam nos contratos, e que os projetos foram acompanhados por autoridades competentes. No fundo, esses argumentos passam apenas um “verniz de legalidade” para esses negócios: em pelo menos nove projetos checados pela InfoAmazonia, nenhum realizou consultas nos moldes da OIT 169, com aplicação de protocolos e ampla discussão nas comunidades, ou tiveram autorização explícita da Funai.
“A consulta prévia pressupõe a aplicação de um protocolo específico daquela comunidade e sem interferência das empresas. Mas não foi isso que aconteceu”, afirma a procuradora Nathália Mariel.
Além disso, a participação de servidores locais da Funai, segundo o órgão, não representa qualquer tipo de validação para os projetos. Em documentos anexados às investigações do MPF, a Funai diz que participou de reuniões “como ouvinte” e que “em nenhum momento ingressou no mérito” sobre os contratos. Em um dos casos, o servidor convidado pelos indígenas só soube da presença de uma empresa de carbono quando chegou no local.
Por uma legislação transparente
Em outubro deste ano, o Senado aprovou o Projeto de Lei 412/2022 que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), conhecido como PL do mercado de carbono. O texto ainda precisa passar pela Câmara e há uma grande expectativa de que sejam garantidos os artigos que estabelecem critérios para os projetos de carbono em terras indígenas.
“Os indígenas têm sua autonomia, mas também compete ao Estado garantir que esses acordos sejam livres de violações de direitos. É preciso cumprir Convenções como a 169 da OIT e cuidar que não haja uma exploração desses povos. Por isso, é importante que se estabeleça critérios transparentes, principalmente, em áreas públicas e de uso coletivo”, afirma a Suely Araújo, do Observatório do Clima.
Os indígenas têm sua autonomia, mas também compete ao Estado garantir que esses acordos sejam livres de violações de direitos. É preciso cumprir Convenções como a 169 da OIT e cuidar que não haja uma exploração desses povos. Por isso, é importante que se estabeleça critérios transparentes, principalmente, em áreas públicas e de uso coletivo.
Suely Araújo, do Observatório do Clima
O texto do PL estabelece que deve ser prevista “cláusula contratual” para “indenização aos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais por danos coletivos, materiais e imateriais, decorrentes de projetos [de carbono]” e que seja cumprida a Convenção 169 da OIT. O texto ainda prevê repartição justa e equitativa dos recursos gerados, com depósitos em contas específicas para a gestão dos projetos.
Mesmo assim, segundo Araújo, é preciso que sejam estabelecidos parâmetros mais claros de como esse mercado deve acontecer. “O meio ambiente é um setor estratégico para a implantação de políticas climáticas e é de interesse de toda a sociedade. Não se pode permitir que empresas privadas mantenham grandes áreas de floresta sem qualquer tipo de transparência pública, sem que haja acompanhamento do Estado, mesmo que sejam contratos do mercado voluntário. É preciso estabelecer essas regras”, defende.
As emissões evitadas nos projetos de REDD+ do mercado voluntário, o mercado de carbono composto por empresas e indivíduos para compensar suas próprias emissões, não são contabilizadas para o cumprimento das metas climáticas. Além disso, seus créditos de carbono têm como principais compradores empresas que buscam compensar emissões para melhorar a própria imagem, principalmente.
O meio ambiente é um setor estratégico para a implantação de políticas climáticas e é de interesse de toda a sociedade. Não se pode permitir que empresas privadas mantenham grandes áreas de floresta sem qualquer tipo de transparência pública, sem que haja acompanhamento do Estado, mesmo que sejam contratos do mercado voluntário. É preciso estabelecer essas regras.
Suely Araújo, do Observatório do Clima
A Shell, por exemplo, anunciou que compraria 120 milhões de toneladas de créditos de carbono por ano dentro de seu plano de reduzir até 10% das próprias emissões. A petroleira chegou a adquirir parte da principal empresa de Carbono do Brasil, a Carbonext, que, ao tentar expandir seus contratos em terras indígenas na Amazônia, enfrentou acusações de violações de direitos indígenas. Apesar de desistir do negócio, as suspeitas de ilegalidade seguem sob acompanhamento extrajudicial.
Eficácia climática
Em Londres, onde concluiu sua pesquisa sobre o mercado de carbono, Fábio Alkmin viu de perto como a demanda do norte global levou à “financeirização da natureza”, como classifica, conceito usado para falar da transformação da natureza em algo quantificável, com atribuição de valor e, para além disso, para a utilização como ativos em bolsas de valores, que servirão como moeda de troca para empresas e investidores.
“Tem muita demanda por crédito de carbono e o que se vê é uma limitação de oferta”, explica. “Antes eles chamavam de cheap nature, natureza barata. E essas ideias de certificar, de garantir que se possa rastrear as áreas via satélite para garantir que não haja desmatamento, surgem para trazer a confiança que esse negócio precisa para agregar valor de mercado”, aponta Alkmin.
Estima-se que nas florestas dos territórios indígenas estejam estocados 12,9 bilhões de toneladas de carbono.
“O que está por trás disso é a ideia de compensação. Esses créditos estão sendo gerados para compensar a emissão em outros lugares. Aí entra em questão também a eficácia desses projetos. Se estamos em um momento tão grave da emergência climática, não poderíamos continuar emitindo nos mesmos níveis como estamos, teríamos que ter um processo muito mais radical com os combustíveis fósseis”, avalia Alkmin.
O que está por trás disso é a ideia de compensação. Esses créditos estão sendo gerados para compensar a emissão em outros lugares. Aí entra em questão também a eficácia desses projetos. Se estamos em um momento tão grave da emergência climática, não poderíamos continuar emitindo nos mesmos níveis como estamos.
A corrida pela compensação, sem uma preocupação com a redução efetiva das emissões dos GEE, segundo especialistas, pode colocar em xeque a própria ideia de compensação: “sendo muito mais uma estratégia de mercado, do que efetivamente uma solução climática”, pontua o Alkmin.
Muito mais uma estratégia de mercado, do que efetivamente uma solução climática.
Fábio Alkmin, pesquisador
Especialistas criticam os cálculos das projeções do desmatamento evitado, que podem estar superestimados e gerando créditos excedentes, sem qualquer valor climático.
Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA) e ex-presidente da Funai, diz que a avaliação dos resultados de REDD+ enfrenta problemas pela forma como são construídas as previsões de desmatamento e como se torna uma disputa por mercado sem garantias. “Diversos projetos de carbono na Amazônia não conseguiram reduzir o desmatamento e provar a adicionalidade de carbono sequestrado. Esses projetos são bastante complicados do ponto de vista da eficiência climática”, aponta.
Os territórios indígenas, além de terem um grau de preservação mais confiável, normalmente estão em grandes áreas de floresta, o que também facilita os esforços dessas empresas, já que em áreas privadas é preciso reunir diferentes proprietários de terras para assinatura de contratos.
Até o momento, nenhum projeto de carbono em terras indígenas de conhecimento da Funai ou dos demais órgãos públicos gera crédito no mercado. E o único projeto que operou no país de conhecimento do órgão foi dos Paiter Suruí, de Rondônia, mas em nove anos nunca conseguiu obter aval da União como já orientava a procuradoria do órgão indigenista.
O Projeto de Carbono Florestal Suruí foi o primeiro liderado por indígenas no Brasil, iniciado em 2009. Até 2014, reduziu o desmatamento na Terra Indígena Sete de Setembro, em Rondônia, mas foi suspenso em 2018 depois que a descoberta de grandes jazidas de ouro no território provocou um aumento no desmatamento, que já vinha crescendo desde 2015. A invasão de madeireiros e garimpeiros gerou divisões internas.
Mesmo assim, segundo avaliação da Funai, “tal projeto foi uma iniciativa que contou com um arranjo muito particular e de difícil replicação”. A iniciativa foi promovida por entidades sem fins lucrativos em “um processo mais longo, de cerca de uma década, de realização de diagnósticos participativos”, segundo parecer da área técnica. Diferente das empresas atuais, que visam lucro nessas operações e levantam preocupações sobre a responsabilidade na preservação da floresta.
Sem o regramento específico, os projetos em andamento se assemelham a um loteamento de aldeias, com valor de mercado e à espera de uma decisão do Congresso sobre a regulamentação.
São empresas que não têm nem a floresta nem a grana para desenvolver essas iniciativas, e que correm atrás de contratos para financiar os projetos. Nesses contratos, ficam com 30% ou mais e colocam os indígenas como se fossem jardineiros. A responsabilidade de fiscalizar e preservar a floresta é do Estado, mas estão jogando essa responsabilidade para as comunidades.
Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA)
“São empresas que não têm nem a floresta nem a grana para desenvolver essas iniciativas, e que correm atrás de contratos para financiar os projetos. Nesses contratos, ficam com 30% ou mais e colocam os indígenas como se fossem jardineiros. A responsabilidade de fiscalizar e preservar a floresta é do Estado, mas estão jogando essa responsabilidade para as comunidades”, afirma Santilli.
O ex-presidente da Funai diz que “não adianta criminalizar as comunidades indígenas no meio de toda desorganização”, e que o governo tem a obrigação de se posicionar. “Os contratos estão batendo na Funai e no MPF, mas não temos sequer legislação que diga de quem é o crédito de carbono”.
O Ministério dos Povos Indígenas diz que a falta de regulamentação do tema tem dificultado ação do órgão nestas negociações e que os casos têm sido encaminhado para análise da sua Procuradoria. Questionada sobre quais providências podem ser tomadas diante das evidências de violações dos direitos dos povos indígenas em projetos de carbono, o governo federal afirmou que “o compromisso ambiental tem de estar alinhado com o objetivo de maior justiça social, através da repartição equânime dos frutos da transição climática e do respeito aos direitos de minorias”.
“Neste sentido, o PL 412/22 avança na medida em que contribui para o combate a abusos durante a geração de créditos de carbono em áreas de povos tradicionais e indígenas. No atual texto em discussão na Câmara, há previsão legal de que tais créditos precisem necessariamente seguir a Convenção nº 169 da OIT. Além disso, repartição justa dos recursos dos créditos e utilização dos mesmos em melhorias para as comunidades são outros exemplos de salvaguardas que serão introduzidas”, manifestou o governo através do Ministério da Fazenda.
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Esta reportagem faz parte da série “Dinheiro que dá em árvore: financeirização da floresta pressiona Terras Indígenas”, produzida com apoio do Journalismfund Europe, através do Report For The World, e parceria da Mongabay.
A terra indígena estrela da aldeia Bugaio do município de jutaí está sendo violado os direitos do moradores deste território. Diacordo a lei 6001 e interditado entrada de pessoas estranha nas terra indígena somente com a liberação do congresso nacional em Brasília. Agora faço uma pergunta os colombiano já estão liberado para entrar nas terras indígena? O congresso nacional já liberou? Aguardo uma pronta resposta logo em breve!!!!!…