Movimento indígena passou por quarta-feira com vitórias e derrotas após julgamentos e votos no STF e no Senado. Para Apib, PL 2903 já nasce inconstitucional e deve ser alvo de novas ações
Nesta quarta-feira, 27, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento sobre o Marco Temporal e definiu 13 medidas para o processo demarcatório de terras indígenas. As organizações do movimento indígena comemoraram a derrubada do Marco Temporal na suprema corte, que estabelecia a data de 1988 como determinantes para a legalidade das terras, e a retirada da tese do ministro Dias Toffoli, que tentou abrir a discussão para julgar sobre a exploração das terras.
Por outro lado, o movimento indígena protestou contra outras decisões tomadas no STF relativas à indenização pelas demarcações. Após a retirada da proposta de exploração dos territórios, os ministros do Supremo decidiram analisar mais amplamente os desdobramentos do que deveria ocorrer com proprietários de terra considerados de boa-fé, ou seja, sem histórico esbulho ou conflito, que reclamam prejuízos em processos de demarcação.
Assim foram decididas pelas indenizações aos proprietários de terras ocupantes de boa-fé que deverão abranger as benfeitorias realizadas nos territórios demarcados e o valor da terra nua.
De acordo com o texto lido na sessão, quando for inviável o reassentamento desses proprietários, eles têm direito a cobrar a indenização pelo valor da terra nua. Esse pagamento deve ser feito pelo ente federativo que titulou a área e pode ser paga em dinheiro ou em título da dívida agrária. A indenização deve ser feita em paralelo ao processo demarcatório. A proposta foi feita primeiramente pelo ministro Alexandre de Moraes, nas sessões anteriores.
“Quando inviável o reassentamento dos particulares caberá a eles indenização pela União com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área correspondente ao valor da terra nua paga em dinheiro ou em título da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação”, leu o ministro relator, Edson Fachin.
As organizações indígenas se mostraram especialmente preocupadas com esse trecho. “O marco temporal foi anulado no STF, mas a tese fixada possui diversos critérios perigosos para nós, como as indenizações que podem travar ainda mais as demarcações no país”, disse, em nota, o indígena Dinamam Tuxá, advogado e coordenador executivo da Apib.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também publicou nota externando preocupação com a decisão. “Alguns pontos preocupam indígenas e indigenistas, como a questão das indenizações a proprietários de títulos concedidos pelo Estado sobre terras indígenas”, afirmou.
O secretário adjunto do Cimi, Luis Ventura, em entrevista à InfoAmazonia, criticou a possibilidade da indenização por terra nua. “Quando o ministro Alexandre Morais fala que deve ser uma indenização prévia, isso traz duas consequências. A primeira: vai travar todos os procedimentos demarcatórios, porque isso significa que a pessoa não vai querer sair do território até que receba a indenização. Inclusive a pessoa poderá judicializar permanentemente o valor que o Estado vai querer oferecer para ela, portanto, não estaríamos garantindo a efetiva posse dos territórios por parte dos indígenas”, disse.
Votação no Senado
Ao mesmo tempo em que ocorria o julgamento no STF, o plenário do Senado aprovou o Projeto de Lei (PL 2.903/2023) que estabelece a existência da data da promulgação da Constituição de 1988 como marco temporal para demarcação das terras indígenas. Foram 43 votos a favor e 21 contrários.
Em sentido contrário ao que foi definido pelos Ministros, a votação do PL no Senado foi marcada por ataques ao Supremo. Os senadores da bancada ruralista alegaram que os ministros buscam “legislar” e que estão confundindo as atribuições. “Chegou no limite a usurpação do poder do Congresso Nacional, é sobre Marco Temporal que o Supremo quer fazer nosso trabalho, é sobre drogas, sobre leis das estatais, o que mais? Chegou no limite”, disse o senador Eduardo Girão, do partido Novo.
Agora, o projeto segue para aprovação do Presidente da República, que pode sancionar o PL na íntegra, vetar o texto total ou ainda aprovar parcialmente. Em caso de aprovação parcial ou veto, a decisão do presidente retorna para o Congresso, onde deputados e senadores podem votar novamente para decidir se aceitam ou não as sugestões do presidente. Para rejeitar os vetos, é necessário ter maioria simples nas duas casas.
As organizações do movimento indígena já começaram a fazer manifestações nas redes sociais, pedindo que o presidente Lula vete o projeto. O advogado e coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá explica que o PL já nasce inconstitucional e que deverá ser alvo de novas ações a serem julgadas a partir da decisão do STF que recusou a tese do Marco Temporal.
Dessa forma, Dianam avalia que o Supremo deve fazer valer o que os ministros decidiram e o que diz a Constituição. “O PL, pelo menos no artigo que trata sobre a tese do Marco Temporal, já nasce inconstitucional. Caso o presidente não vete esse artigo, ele deverá ser judicializado novamente através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, e nesse caso deve prevalecer a decisão tomada no Recurso Extraordinário votado na semana passada”, explica.