Em entrevista à InfoAmazonia, o secretário extraordinário de Controle de Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial detalha um novo projeto para apoiar o trabalho da fiscalização em campo. Após fase de integração de diferentes bancos de dados, plano prevê uso de sistemas de inteligência artificial para se antecipar às práticas ilegais.
O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) se articula para estruturar uma área de tecnologia e inteligência digital, um departamento que vai centralizar as ações de combate a crimes na floresta e que apoiará a fiscalização ambiental em todos os biomas do país. O Laboratório do Desmatamento Zero, já batizado internamente de “Lab DeZ”, prevê a integração de uma série de bancos de dados que já existem hoje, mas que ainda não foram consolidados em um único sistema de informação.
A partir disso, o MMA quer obter uma fotografia detalhada do desmatamento: Eliminação total da vegetação nativa numa determinada área seguida, em geral, pela ocupação com outra cobertura ou uso da terra. e praticamente em tempo real. Com esses dados nas mãos, pretende não só autuar os responsáveis pela supressão irregular, como se antecipar à movimentação do crime, prevendo novos focos de devastação da floresta.
Em entrevista à InfoAmazonia, o secretário extraordinário de Controle de Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial no MMA, André Lima, detalhou o projeto: “estamos no início deste trabalho de integração que, no futuro, incluirá ferramentas de inteligência artificial para apoiar o trabalho da fiscalização. Sabemos que não podemos abrir mão da tecnologia”.
Amigo de longa data da ministra Marina Silva, André Lima é o nome que está por trás da nova fase do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm: Planejamento lançado em 2004 para reduzir o desmatamento e as emissões de gases de efeito estufa geradas pela perda de vegetação nativa na Amazônia Legal.), que foi elaborado em apenas quatro meses e apresentado em junho pelo governo.
Advogado pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Gestão e Política Ambiental pela Universidade de Brasília (UnB), Lima trabalha há mais de 25 anos no setor e é um dos fundadores do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), organização que nasceu em 2014 e que tem forte atuação sobre a pauta ambiental no Congresso Nacional. Ex-secretário de Meio Ambiente do Distrito Federal, hoje ele é consultor sênior de política e direito socioambiental no IDS e pesquisador sênior associado do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).
À InfoAmazonia, ele revela, ainda, que o MMA está se reunindo com o Ministério da Fazenda e os bancos privados para discutir formas de ampliar o cerco à oferta de crédito para quem desmata ilegalmente, além de premiar aqueles produtores que respeitam a legislação ambiental. O secretário também detalha a elaboração de um “pacto federativo pelo desmatamento ilegal zero” com os municípios, iniciativa que será bancada por recursos do Fundo Amazônia: Projeto que capta e investe recursos nacionais e internacionais para potencializar a conservação e o uso sustentável da Amazônia..
Leia abaixo a entrevista:
InfoAmazonia – O resultado das ações contra o desmatamento no primeiro semestre mostra uma inversão na curva de crescimento. Houve muito embargo remoto de propriedades com irregularidades na Amazônia. Como garantir que essa tendência vai continuar daqui para frente?
André Lima – Esse trabalho passa por melhorar a fiscalização remota, integrá-la com a fiscalização feita nos estados e com uma série de bancos de dados existentes, mas que hoje não conversam entre si.
Sabemos que não vamos resolver todos os problemas de uma vez e que isso passa por um conjunto de ações. Na área financeira, por exemplo, é preciso sinalizar com ações no crédito rural, cortando o acesso dos ilegais e incentivando os legais, simultaneamente.
Na fiscalização, vamos criar uma inteligência tecnológica colaborativa, que integre Ibama: Autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente responsável por fiscalização, licenciamento e outras funções na área ambiental., Incra, Ministério de Meio Ambiente, Funai: Órgão federal criado em 1967 e responsável pela execução das políticas de proteção e de promoção dos direitos indígenas em todo o território nacional., ICMBio: Autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente responsável por ações ligadas ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação. , enfim, todos os órgãos que têm comprometimento com o tema ambiental.
O que significa essa integração, na prática?
Começamos a trabalhar nisso. Queremos colocar o Cadastro Ambiental Rural: Registro eletrônico obrigatório, feito por autodeclaração e voltado à regularização ambiental de imóveis rurais de todo o país. para rodar com todos os demais dados e usar esse conhecimento. Não dá para fazer fiscalização de forma presencial no Brasil inteiro. A tecnologia, portanto, é vital para esse trabalho. Paralelamente, começaremos a fazer o que estamos chamando de saneamento cartorial.
Como isso vai funcionar?
Sabemos que os cartórios, principalmente na Amazônia, são uma caixa preta de informação. Precisamos abrir essas caixas. A gente precisa ir lá, naqueles 20 municípios que hoje são responsáveis por 50% do desmatamento da Amazônia, e ver o que eles possuem de dados. Isso será feito a partir do cruzamento dessas informações, uma estrutura que batizamos como ‘Lab Dez’, o laboratório do desmatamento zero.
O que é esse laboratório?
Estamos no início deste projeto, que vai evoluir com o tempo. No futuro, ele incluirá ferramentas de inteligência artificial para apoiar o trabalho da fiscalização. Essa área terá a missão de aprofundar o diagnóstico do desmatamento para que possamos fazer análises mais inteligentes, não só para autuar infratores, mas para prever movimentações ilegais em áreas menores, por exemplo, se antecipando ao crime.
O que já começou a ser feito?
Hoje essa integração é feita na unha mesmo, pelos servidores, mas vamos investir em sistemas. Estamos estudando a captação de recursos. Esse projeto envolve software, equipamentos e disponibilidade de dados em nuvem, além de uma equipe de trabalho dentro do MMA, em nossa Secretaria Extraordinária de Controle de Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial. Faremos investimentos nesse núcleo de inteligência.
Qual é a previsão de investimento?
Não há valores fechados, justamente porque ainda estamos nesta fase inicial de estruturação. Acredito que deva ficar em cerca de R$ 10 milhões numa primeira etapa, mas ainda não há nada definido sobre esse orçamento.
Os primeiros cruzamentos de dados que já fizemos a partir do Cadastro Ambiental Rural já nos permitiram realizar um volume enorme de embargos de terras neste primeiro semestre, em grandes áreas. O que estamos fazendo, neste momento, é combater o desmatamento em larga escala. Chegará o momento em que isso mudará de patamar, e teremos que analisar áreas menores, exigindo uma estratégia para lidar com isso, o que é uma tarefa mais difícil.
Qual é a estratégia?
Vamos adotar novas metodologias de predição de desmatamento, para que possamos chegar antes dos atos. Não dá mais para brincar de pega-pega com o desmatamento. Hoje, eu sempre chego depois. Tenho que buscar formas de chegar antes. Estão sendo desenvolvidas tecnologias por várias organizações para evitar isso. Queremos testar esse conhecimento, potencializando os algoritmos, para que possamos nos antecipar. Não alcançaremos o desmatamento zero que desejamos até 2030 sem implementar um sistema de tecnologia da informação associado à inteligência artificial, que integre esses dados.
Acontece que o Cadastro Ambiental Rural, que é informado pelo próprio produtor, tornou-se um atalho para obtenção de crédito junto a bancos públicos e privados, que acabam financiando o desmatamento. Como resolver esse problema?
Temos trabalhado para aprimorar as regras. Iniciamos o cancelamento e tornamos inativo o cadastro de propriedades com áreas sobrepostas a unidades de conservação: É um território voltado à manutenção de ecossistemas e de recursos naturais para toda a sociedade e com delimitação, gestão e proteção do poder público. e terras indígenas: Territórios da União reconhecidos e delimitados pelo poder público federal para a manutenção do modo de vida e da cultura indígenas em todo o país.. Isso havia sido paralisado na gestão anterior, mas retomamos a aplicação desses filtros. Ampliamos significativamente as restrições de acesso a crédito para os desmatadores. Antes, essa restrição se aplicava apenas ao cadastro cancelado, mas agora se estende também ao CAR que foi suspenso. Além disso, estamos trabalhando em uma auditoria com o Ministério da Fazenda sobre esses repasses.
Qual é o objetivo dessa auditoria?
Fizemos uma análise em conjunto com o Ministério da Fazenda, que revelou que pelo menos 3% do volume de crédito liberado para a produção rural apresenta alto potencial de financiar ações em terras irregulares.
Havia uma dificuldade nesse aspecto, porque os embargos, de acordo com as regras vigentes, eram aplicados apenas à área específica de uma fazenda onde o desmatamento fosse constatado, e não a toda a propriedade. Isso gerava um risco para os bancos, que não possuíam um controle efetivo sobre o que estavam financiando na prática.
O que fizemos em junho foi editar uma norma na qual o embargo, agora, passou a valer para toda área da fazenda que comete irregularidade. Dessa forma, estamos procurando estancar o dinheiro dos bancos que financiam a atividade irregular.
O que ocorre quando uma área é embargada?
O embargo determina que a pessoa não pode mais desmatar naquele espaço e não pode usar aquela área para nada. Ela é obrigada a deixar aquele espaço se regenerar. É uma medida para proteger o território e viabilizar a sua regeneração.
Por outro lado, temos buscado dar sinalizações que também prestigiam o correto, que premiem o produtor rural que age dentro da lei, oferecendo um bônus de 0,5% de juros no crédito rural para os imóveis com o CAR analisado e ativo.
Os bancos estão alinhados com essas ações?
Devemos fazer um chamamento de bancos para poder alinhar essa política. Vamos conversar com as instituições financeiras que operam com crédito livre, para fazer um grande pacto sobre esse assunto.
O Brasil sediará a COP30 em 2025, em Belém. Como estará o desmatamento até lá?
Estamos trabalhando para chegar na COP30 com uma redução de, pelo menos, 50% nos índices de desmatamento em relação ao cenário que pegamos quando chegamos no governo. É preciso cair, no mínimo, pela metade, até 2025, e vamos perseguir isso. Eu acredito que dá para ficar com uma queda entre 50% e 80%, mas isso ainda é um desejo pessoal.
Estamos vendo qual será a resposta efetiva das ações neste primeiro ano de trabalho, porque os dados do desmatamento do Prodes: Projeto para o mapeamento oficial das perdas anuais de vegetação nativa na Amazônia Legal., por exemplo, ainda incluem dados da gestão anterior. Paralelamente, vamos rever o prazo das licenças de supressão que são emitidas hoje.
O que vai mudar?
A gente tem desmatamento que está acontecendo hoje, mas que se refere a uma autorização de supressão dada há três, quatro anos, que é o prazo máximo. Isso dificulta muito a leitura dos dados, porque não se tem controle sobre o que está ocorrendo, mesmo dentro do desmatamento legalizado. Nós vamos propor uma nova norma de autorização de supressão para tentar reduzir esse prazo para cerca de um ano, por exemplo, e sem prever a prorrogação automática desta autorização.
Tem havido uma forte reação parlamentar nos municípios e estados da Amazônia por causa das novas investidas contra o desmatamento. Como alinhar as ações federais com o que ocorre localmente?
Vamos atacar esse problema e trazer os municípios para atuarem conosco. Estamos trabalhando para propor um pacto federativo pelo desmatamento ilegal zero com os municípios.
O que seria esse pacto?
Estamos revendo todas as diretrizes do Fundo Amazônia para que o programa nos ajude a trazer os municípios para dentro de nossa estratégia. Temos recebido prefeitos. Fizemos uma reunião com dez prefeitos do Pará para discutir isso. Precisamos saber o que está acontecendo lá na ponta. Pedimos a eles que nos ajudem na regularização e monitoramento.
Como o Fundo Amazônia entra nisso?
O plano é levar recursos para os municípios por meio do Fundo Amazônia, para que esses municípios assinem um pacto conosco pelo desmatamento zero. Vamos definir quais são os termos desse acordo, que envolverá desde o prefeito até o presidente da Câmara de Vereadores, deputados estaduais e federais, um senador daquele Estado, para que estes também se comprometam em fazer emendas parlamentares que ajudem na redução do desmatamento, melhorando a governança ambiental no município.
Isso já está alinhado com o conselho do Fundo Amazônia?
Sim, estamos fazendo reuniões para tratar do assunto, queremos ter um plano fechado até agosto. A ideia é assinar um pacto contra o desmatamento ainda neste ano com ao menos 25 prefeitos de municípios do Cerrado e 25 da Amazônia.
Qual é o investimento previsto nesta iniciativa a partir do Fundo Amazônia?
Ainda estamos fechando detalhes sobre isso, não há um valor determinado. Mas queremos que, ao financiar essa estruturação local da gestão ambiental com os municípios, reestruturando suas secretarias de meio ambiente, tenhamos como contrapartida o apoio dos parlamentares ligados àquela região.
Estamos falando a linguagem do Congresso. Se não desejam ser vistos como desmatadores, que juntem-se a nós neste pacto e nos ajudem a combater o crime nas florestas.
Reportagem da InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.