Em 2023, a situação da Terra Indígena Yanomami ultrapassou os limites territoriais e chamou a atenção do mundo. Os indígenas estão diante de uma realidade marcada por questões urgentes de saúde, garimpo ilegal e problemas sociais crescentes.

A saúde precária dos Yanomami é ameaçada pela propagação de doenças como a malária e a desnutrição, que colocam em risco seu modo de vida e seu patrimônio cultural. Paralelamente, o avanço desenfreado do garimpo resulta em devastação ambiental, poluição dos rios e exploração desenfreada dos recursos naturais, afetando diretamente a subsistência e a qualidade de vida das comunidades.

Com base nesse cenário, surgiram algumas dúvidas: qual é a situação atual dos rios? Quais comunidades são afetadas? É possível visualizar a mudança recente do território Yanomami com a ajuda de dados abertos? Essas questões estavam na pauta da InfoAmazonia, mas também sob o radar de um grupo que estava se formando, o Grupo Geo-Yanomami, liderado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Assim, surgiu uma parceria que durou o primeiro semestre de 2023 em busca dessas respostas. Os cientistas reuniram as bases de dados mais recentes sobre o território Yanomami para entender a situação dos rios e a relação entre o garimpo, as invasões e as aldeias indígenas. A reportagem foi desenvolvida dentro do Laboratório InfoAmazonia de Geojornalismo e traz o resultado da análise do grupo com exclusividade.

Como investigamos:

A parceria entre as instituições de pesquisa e os jornalistas ocorreu para investigar três fatores relevantes sobre a situação atual da Terra Indígena Yanomami: os rios, o território e as comunidades.

Primeiramente, foram analisados os dados sobre a situação do território, utilizando o histórico do Deter, sistema do Inpe que registra alertas de mudanças no uso do solo, incluindo desmatamento, mineração e degradação. Os pesquisadores buscaram dados abertos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) para obter a malha hidrográfica do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Yanomami, que possui mais de 25.000 km.

No entanto, o objetivo era entender quais rios estavam impactados pelas mudanças no território e, consequentemente, afetavam as comunidades Yanomami. Para isso, foram considerados apenas os corpos hídricos com populações indígenas a uma distância de até 1 km de suas margens, utilizando os dados de 2023 da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai). Dessa forma, chegamos ao número de 1.900 km de rios habitados dentro do DSEI.

Uma das perguntas em aberto era: qual porcentagem dos rios utilizados pelos indígenas Yanomamis está comprometida pelas mudanças do território? Com a localização das aldeias, dos rios e de onde estava ocorrendo a ação dos invasores, uma área de influência foi criada ao redor de cada um desses fatores geográficos e, assim, chegou-se ao dado principal da matéria de que 59% dos rios habitados pelos Yanomamis são afetados pelo garimpo e pelas invasões.

Sabe-se que os indígenas Yanomami não ficam parados dentro do território. Há uma área de circulação que vai além da estrutura das aldeias, com locomoção para caça, pesca, entre outras atividades. Então, para complementar a análise, foi realizado um segundo cálculo, centrado nas ‘áreas de vivências’ de cada comunidade Yanomami.

Se no primeiro dado analisado focou-se na porcentagem dos rios habitados em risco, este segundo se concentra em dimensionar o percentual das comunidades em risco. Ou seja, os pesquisadores, em parceria com a InfoAmazonia, tentaram descobrir a porcentagem da população indígena Yanomami sob influência desses rios contaminados.

Assim, foram estabelecidas áreas delimitadas adicionais ao redor de cada aldeia indígena no território. Eles consideraram uma área de 5 km em torno de cada comunidade, levando em conta os locais nos quais a população circula para sua subsistência. Essa delimitação também foi feita com base nos dados atualizados da Sesai. Essas áreas podem ser visualizadas como círculos ao redor de cada aldeia, englobando os locais onde as atividades vitais para o sustento das comunidades ocorrem.

Rios habitados em azul e, em rosa, os potencialmente contaminados. Áreas em amarelo e laranja mostra os alertas do Deter, incluindo mineração, degradação e desmatamento.

Ao mesmo tempo, foi criada outra área de até 1 km ao redor dos locais identificados pelo Sensoriamento Remoto via Deter como tendo alterações na cobertura florestal devido ao garimpo. Ao cruzar essas áreas de vivência das comunidades Yanomami com as áreas afetadas pelas mudanças do uso do solo, uma preocupante sobreposição foi identificada: cerca de 62% da população Yanomami vive em áreas de risco.

Em paralelo, também foram analisadas imagens de satélite para identificar outros fatores importantes em mudança dentro do território. Um deles é o aumento do acesso de novos invasores, principalmente com as pistas de pouso, por via aérea. O estudo do grupo Geo-Yanomami se dedicou a identificar e mapear, manualmente, uma a uma, as pistas de pouso através do sensoriamento remoto, tendo como referência as imagens feitas em dezembro de 2022.

188 pistas de pouso foram detectadas dentro do DSEI Yanomami Crédito: Jefferson Santos/GT Geo-Yanomami/Ligas-UVA

Foram identificadas 188 pistas de pouso dentro do DSEI. Elas apresentam características como um formato em linha reta e o solo exposto, e algumas possuem cabeceiras e construções de apoio. Utilizando imagens de satélite do sistema Planet, foi feita uma interpretação visual para localizar esses detalhes específicos. O território Yanomami foi dividido em 48.965 quadrados de 1,5 km² cada, permitindo um mapeamento preciso das 188 pistas de pouso com base em suas cores e formatos geométricos.

Outra análise visual foi feita apenas com os rios de grande porte, ou seja, os rios de grande volume de água – classificados de rios de quarta ou quinta ordem, no termo técnico. O pesquisador Jefferson Santos comparou imagens dos rios em “antes e depois” para detectar uma mudança visual importante que poderia sugerir uma contaminação devido ao garimpo. Segundo ele, são rios “com grande material particulado, gerando mudança de cor e de parâmetros de qualidade, tal como a oxigenação”.

No que diz respeito à análise da qualidade d’água, foi realizada uma interpretação visual de imagens de satélite do sistema Planet e da empresa Esri, tendo como base em momentos distintos: 2015 e 2022. Desta forma, foi possível avaliar o impacto do garimpo a partir da avaliação da mudança de cor dos rios nos dois anos analisados.

Fontes e cientistas da reportagem

O Laboratório InfoAmazonia de Geojornalismo fez reuniões com os pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e da Universidade Veiga de Almeida de janeiro a junho de 2023.

Diego Xavier, doutor em saúde pública pela Fiocruz, e Jefferson Santos, doutor em Epidemiologia e Saúde Pública pela Fiocruz, e coordenador do Laboratório de Inteligência Geográfica em Ambiente e Saúde (Ligas) da Universidade Veiga de Almeida, estiveram diretamente envolvidos na coleta e compartilhamento de dados junto à reportagem, além de serem entrevistados para tirar dúvidas sobre os resultados da investigação. 

Além disso, Nathália Saldanha, antropóloga e doutora em Informação e Comunicação em saúde pela Fiocruz, trouxe o olhar histórico da situação dos indígenas Yanomami, sob constante ameaça do garimpo e de invasões. Ela explicou também quais são os costumes das comunidades e ponderou aspectos da análise – como o fato de que não poderiam ser consideradas apenas a localização das aldeias de forma estática porque os indígenas costumam se locomover dentro do território. 

Carlo Zacquini, missionário católico do Instituto Missionário da Consolata que dedicou décadas à luta pelos direitos Yanomami, foi entrevistado para trazer, também, um pouco da bagagem histórica relacionada às comunidades e dos problemas mantidos e construídos dentro da terra indígena desde a demarcação.

Durante o processo da reportagem, houve dezenas de tentativas de falar com diferentes integrantes do território Yanomami. Maurício Ye’kwana, diretor da Hutukara Associação Yanomami, teve acesso ao levantamento e conversou com a InfoAmazonia sobre a situação atual da terra indígena e das comunidades, reforçando os problemas constatados durante a investigação. 

Fontes consultadas:

Nome InstituiçãoLattesRedes
Nathália SaldanhaFiocruzhttp://lattes.cnpq.br/4274318689117874https://twitter.com/nathsisa84
Jefferson SantosUniversidade Veiga de Almeidahttp://lattes.cnpq.br/7351161123957784https://twitter.com/Jeffers14891001
Diego XavierFiocruzhttp://lattes.cnpq.br/7186076558136407https://twitter.com/diegoricardox
Maurício Ye’kuanaHutukara Associação Yanomamihttps://twitter.com/MYekwana
Carlo ZacquiniInstituto Missionário da Consolatahttps://www.linkedin.com/in/carlo-zacquini-39278438/

Este material é parte do Laboratório InfoAmazonia de Geojornalismo, realizado com o apoio do Instituto Serrapilheira, para promover e difundir o conhecimento científico e análise de dados geográficos na produção jornalística.

Sobre o autor
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Carolina Dantas

Carolina Dantas é editora da InfoAmazonia e jornalista especializada em meio ambiente desde 2015. Antes, trabalhou na Folha de S.Paulo, na Globo e no Grupo RBS. Em 2022, recebeu o título de alumni do...

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Fábio Zuker

Jornalista multimídia, antropólogo e ensaísta. É pós-doutorando do Brazil Lab, da Universidade de Princeton (EUA). Como jornalista, é colaborador da InfoAmazonia e de O Joio e o Trigo, já escreveu...

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