Análise exclusiva da InfoAmazonia revela que a abertura de novos pastos em terras indígenas passou de 13 mil hectares por ano para 38 mil hectares entre 2018 e 2021 – crescimento recorde em 37 anos. Avanço atende a demandas de frigoríficos e grilagem de terras.
Marcio Boritza usa as redes sociais para registrar o seu dia a dia na Fazenda Sol Nascente, no norte de Mato Grosso, onde reproduz novilhos que são anunciados pela internet. Uma rotina aparentemente comum, se não fosse pelo fato de que o gado está ilegalmente dentro da Terra Indígena Piripkura, onde vivem os últimos sobreviventes isolados da etnia em uma área de floresta cada vez menor.
Situação semelhante aos isolados da Terra Indígena Ituna-Itatá, no Pará, onde 11 mil hectares de florestas foram transformados em pasto entre 2016 e 2021.
Na Terra Indígena Marãiwatsédé, também no Mato Grosso, a pressão para criar gado é tão grande que 66,6% do território foi transformado em pastagem.
O pasto também cresceu nos territórios: Kayabi, onde o STF abriu pela terceira vez um pedido de conciliação com fazendeiros acusados de invasão; no território Karipuna, onde o roubo de madeira e o desmatamento bateram recordes nos últimos anos; no Yanomami, que enfrenta profunda crise humanitária; e também no Uru-Eu-Wau-Wau, e no Kayapó.
Entre 2018 e 2021, 114 mil hectares de terras indígenas desmatadas viraram pasto. Nesse período, 316 territórios da Amazônia Legal registraram abertura de áreas para criação de gado ilegal, e mais de 70% das novas pastagens estão concentradas em apenas 15 terras indígenas da Amazônia Legal.
A reportagem da InfoAmazonia analisou dados de pastagem de 1985 a 2021 da rede MapBiomas, que faz o monitoramento via satélite da cobertura e uso do solo, e concluiu que esse foi o maior crescimento das áreas de pastagem em terras indígenas nos últimos 37 anos.
O ritmo de crescimento das pastagens quase triplicou de 2018 a 2021, com uma média anual de 38 mil hectares, contra 13 mil hectares no período anterior, de 2014 a 2017.
A área de pasto analisada pela reportagem se refere exclusivamente a áreas antropizadas, ou seja, que foram transformadas por ações humanas, como desmatamento ou queimadas. A InfoAmazonia cruzou esses dados com outras informações para investigar as causas e os principais atores envolvidos nessa transformação dos territórios.
Analisamos o pasto em áreas embargadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), nas áreas de avisos de desmatamento do MapBiomas Alerta e nos limites de propriedades rurais do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Além de atender a demanda dos frigoríficos por carne, a expansão das pastagens em terras indígenas também está ligada a práticas de grilagem, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.
A criação de gado por terceiros em terras indígenas é proibida pela Constituição de 1988, no seu artigo 231, que diz que essas áreas “são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”.
Média anual de novas pastagens em terras indígenas por períodos
Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas, destaca que as terras indígenas têm papel fundamental na preservação da floresta e “mesmo apresentando crescimento acima da média nos últimos anos, as pastagens em terras indígenas estão expandindo em áreas mais próximas dos limites territoriais [nas bordas]”.
Segundo o especialista, a expansão das áreas de pecuária nos territórios não segue o mesmo padrão do que acontece em outras áreas desmatadas da Amazônia, como nas florestas públicas não destinadas : São áreas sob domínio do governo federal ou de algum governo estadual e que ainda não receberam destinação para se consolidar como terra indígena, unidade de conservação ou outro tipo de área. Essas áreas são as mais desmatadas e griladas na Amazônia., onde “existe uma sequência da invasão que retira a madeira, planta pasto e depois converte em agricultura”.
Existe uma sequência da invasão que retira a madeira, planta pasto e depois converte em agricultura.
Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas
Nas terras indígenas, Rosa observa que a conversão de áreas desmatadas em pastos nem sempre é imediata e muitas vezes está relacionada a outros fatores, como invasões facilitadas por portarias durante períodos próximos à renovação da proteção, ou em áreas pouco fiscalizadas. Dessa forma, pode haver um intervalo grande entre a invasão, o desmatamento e a abertura da pastagem.
“Esse padrão indica que um aumento da fiscalização e apreensão de produtos do crime pode surtir um efeito rápido para conter esse avanço”, explica Marcos Rosa.