Os primeiros meses do ano estão dentro do período chuvoso da região, o que pode prejudicar a detecção das áreas desmatadas. Além disso, dados do Deter devem ser utilizados prioritariamente como alertas para órgãos fiscalizadores, já que a análise mais refinada fica a cargo do Prodes, divulgado anualmente pelo Inpe.

Nesta sexta-feira (10), o Deter: Ferramenta do governo federal que gera alertas rápidos para evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia e no Cerrado., sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que divulga as áreas com alertas de desmatamento na Amazônia Legal: É uma região que ocupa quase metade do território brasileiro, abrange 9 estados e tem área superior ao do bioma amazônico., fechou os dados completos de fevereiro de 2023: foram 322 km² de área desmatada entre os dias 1º a 28, contra 198 km² no mesmo período de 2022, uma alta de 61,8% em relação ao mesmo mês do ano anterior e 123% em relação à média do intervalo. Neste ano, portanto, o Deter registrou o fevereiro mais desmatado na região desde 2015, início da série histórica do programa.  

Por outro lado, em janeiro de 2023, os alertas de desmatamento: Eliminação total da vegetação nativa numa determinada área seguida, em geral, pela ocupação com outra cobertura ou uso da terra. na Amazônia Legal detectados pelo Deter apontavam uma queda de 61% em relação à área devastada em 2022. O que isso significa? Uma queda isolada em um mês pode refletir uma estratégia de governo?

De acordo com especialistas, os dados de desmatamento para os dois primeiros meses do ano, apesar de importantes, não podem ser considerados taxativos em relação à eficiência ou não da atual política do governo federal de aumentar a fiscalização na região. 

No contexto amazônico, os meses mais chuvosos são os que vão entre novembro e março, onde há maior presença de nuvens e, por isso, mais chance de interferência nas detecções feitas pelos satélites: “os primeiros meses do ano são muito incertos do ponto de vista de observação por causa das nuvens. Elas atrapalham o acompanhamento”, afirma Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). 

Os primeiros meses do ano são muito incertos do ponto de vista de observação por causa das nuvens. Elas atrapalham o acompanhamento.

Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM

A pesquisadora explica que o desmatamento registrado em janeiro ou fevereiro pode ter ocorrido em meses anteriores, como em dezembro, quando normalmente já começam as chuvas na região: "o ideal é fazer uma análise um pouco maior, de três a quatro meses”, defende Alencar. 

Além disso, o cenário muda ao juntar as taxas de desmatamento de janeiro e fevereiro de 2023 e 2022. Ano passado, os dois primeiros meses contabilizaram, juntos, 629 km² de desmatamento e, neste ano, a soma resulta em 489 km². Isso representa uma queda de 22% entre os dois anos: “no conjunto, temos uma área em alerta de desmatamento menor”, ressalta Ane.

Os meses de maior desmatamento na região ocorrem na época seca - de maio a setembro. Se em fevereiro de 2022 o desmatamento foi de 198 km², em agosto o índice já saltou para 1.661 km². Ou seja: mesmo que fevereiro deste ano tenha apresentado um recorde em relação ao mesmo mês do ano passado, o número ainda deverá ser bastante inferior do que o registrado durante os meses sem chuva. Além disso, fevereiro geralmente tem uma taxa mais baixa, inclusive, que outros meses fora da seca - veja no gráfico abaixo.


Os meses chuvosos são historicamente os com menores índices de desmatamento. A dificuldade de acesso e deslocamento durante as chuvas, principalmente em áreas isoladas, é um outro fator crucial na diminuição da taxa. São processos, segundo Bianca Santos, engenharia agrônoma formada pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e pesquisadora do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que agravam e reduzem a capacidade de alcance dos desmatadores ilegais, mas não a anulam totalmente.  

Santos avalia que é importante observar a localização das ocorrências dos crimes detectados para entender se estão concentradas geograficamente em pontos focais. Assim, se esse for o caso, o governo deverá direcionar as ações de fiscalização diretamente nesses lugares para checagem dos registros. 

Inclusive, o Deter tem por objetivo enviar informações para os órgãos fiscalizadores, principalmente para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama: Autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente responsável por fiscalização, licenciamento e outras funções na área ambiental.). Os especialistas defendem que as análises de tendência de desmatamento sejam feitas em um período de tempo maior, e não apenas em um mês isolado. A base para mostrar como está realmente a comparação ano a ano do desmatamento é o Prodes, outro sistema do Inpe que apresenta dados mais refinados e contabilizados de agosto de um ano a julho do outro, sazonalidade escolhida de acordo com o clima amazônico. 

O pesquisador da divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe, Luis Maurano, lembra que a questão da cobertura das nuvens, na Amazônia, pode interferir na medição em qualquer mês. Especificamente para este mês de fevereiro de 2023, ele explica, houve uma queda na cobertura em relação a janeiro (20% conta 33%). 

“Mesmo assim, continuo com a minha visão de que comparações mês a mês do Deter têm pouca utilidade. Análise de períodos maiores, por seis meses ou, por exemplo, no período que vai de agosto a fevereiro dos anos anteriores vai mostrar uma tendência mais clara”, afirma o representante do Inpe. 

Continuo com a minha visão de que comparações mês a mês do Deter têm pouca utilidade. Análise de períodos maiores, por seis meses ou, por exemplo, no período que vai de agosto a fevereiro dos anos anteriores vai mostrar uma tendência mais clara.

Luis Maurano, pesquisador da divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe

Então, pelo menos por enquanto, a geografia do desmatamento de janeiro e fevereiro deste ano mostra focos importantes de desmatamentos nos arredores de Roraima - estado onde ocorreu a operação de resgate de indígenas Yanomami com desnutrição e outras doenças -, em Mato Grosso e na região de Apuí, no Sul do Amazonas, segundo as análises do IPAM. “Nesses pontos concentrados, o desmatamento aumentou”, afirma Ane. Essas regiões já estão sob pressão há anos, o que demonstra que, de fato, ainda não há uma mudança significativa na realidade de quem está no chão da Amazônia. 

Data de virada

Não existe nenhuma data exata para que a atual política do governo federal, que promoveu uma drástica mudança de abordagem na questão ambiental e amazônica em relação ao governo anterior, passe a fazer efeito. Mas o passo que vem sendo dado, a sinalização de que crimes ambientais não serão tolerados, é essencial para baixar o desmatamento ao longo de 2023, sustenta Santos. Para a pesquisadora do Imazon, é importante mostrar também que as punições determinadas pelo Judiciário são efetivas e severas.  

Afinal, durante os últimos 4 anos, ocorreu uma escalada dos crimes ambientais e, consequentemente, do desmatamento na Amazônia. Isso impõe uma série de desafios ao governo em seus planos de zerar o problema até 2030 – não só pelo tamanho do estrago, mas porque ele se tornou ainda mais complexo de combater. O desmonte em série das políticas ambientais, associado a mensagens positivas por parte do governo Bolsonaro para quem usufruía ilegalmente da Amazônia, favoreceu não só a sensação de impunidade, como o próprio aumento da criminalidade.

“A sensação de que ‘o que for feito a partir de agora será punido’ irá combater o senso de oportunidade que era sentido por esses criminosos na região amazônica. Mas o mais importante é que de fato os responsáveis sejam identificados e paguem pelo dano cometido, o que demanda algum tempo devido à demora da Justiça para julgar casos de desmatamento”, disse a pesquisadora do Imazon.

A sensação de que ‘o que for feito a partir de agora será punido’ irá combater o senso de oportunidade que era sentido por esses criminosos na região amazônica.

Bianca Santos, engenharia agrônoma formada pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e pesquisadora do Imazon

Assim, a observação criteriosa dos próprios dados do Inpe é apenas um dos caminhos para perceber as tendências e comparar o status da devastação da floresta em relação aos anos anteriores. No entanto, segundo Santos, “ainda é cedo para apontar tendências de aumento ou redução no desmatamento em 2023”.

Segundo Alencar e Santos, as taxas dos meses recentes são importantes para o planejamento dos próximos passos. O primeiro sinal de alerta que precisa ser ligado, por exemplo, é se o período chuvoso, que termina entre março e abril, irá mostrar índices maiores do que os mesmos períodos anteriores.   

“Agora, é um momento importante para que o governo, estando estruturado, possa dar sinais claros de que o desmatamento não vai ser aceito quando o período seco começar. Não sabemos se as operações estão sendo planejadas, mas, com base na observação, por meio de sensoriamento remoto, sabemos onde o problema está. E essas informações, pelo menos é o que a gente espera, tem muito mais chance de ser usada por esse governo. O que poderá fazer com que o desmatamento, principalmente em terras públicas, seja inibido”, afirma Ane, do IPAM.

Análises técnicas, como as feitas pelas ONGs que estudam a Amazônia, servem para rebater a desinformação que circula nas redes sobre a região, principalmente alimentadas por canais de extrema-direita. O monitoramento feito pelo projeto Mentira Tem Preço, por exemplo, detectou uma alta na quantidade de desinformação, atrelando o novo recorde de desmatamento de fevereiro à nova gestão de Lula. O tema é um dos assuntos principais que aparece no monitoramento válido para as semanas de 20 a 26 de fevereiro e 27 de fevereiro a 5 de março.

Por meio de nota, o Ministério do Meio Ambiente afirmou à InfoAmazonia que vai usar os dados registrados pelo Deter nos dois primeiros anos para aumentar a fiscalização na região. Na análise feita pela equipe técnica da pasta, foram identificados alertas de desmatamento em 204 dos 772 municípios da Amazônia Legal. E, dentro deste total, 47,5% dos alertas de desmatamento foram identificados no estado do Mato Grosso, seguido do Pará (16% da área de alertas). Mais da metade dos alertas de desmatamento ocorreu em áreas registradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), com prevalência de grandes imóveis (acima de 15 módulos fiscais). 

Segundo a nota, o MMA, no âmbito das ações de emergência do Eixo de Monitoramento e Controle do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDam) juntamente com Ibama, ICMBio e Serviço Florestal Brasileiro, tomarão medidas para responsabilizar e embargar remotamente desmatamentos que não possuírem autorização válida, dentre outras medidas administrativas, que poderão inclusive bloquear o acesso dos imóveis com desmatamento ilegal a crédito e à cadeia de compradores do agronegócio.


Reportagem da InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.

2 comentários encontrados. Ver comentários
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

2 comments

  1. Enquanto apenas cogitaram punir os governantes estaduais corruptos estiverem incentivando o desmatamento e garimpo ilegal, já será deserto.

  2. Texto completamente ideológico, enviesado , com malabarismo intelectual para retirar a culpa do ex-presidiário pela queima recorde em fevereiro. As maiores queimas foram na gestão do ex-presidiário. Impossível levar o sote a sério. Mais uma página de patrulha ideológica, acéfalos com diploma que buscam endeuzar o desgoverno petista que foi responsável pelo maior esquema de corrupção da história da humanidade.

Deixe um comentário