Conservação, uso sustentável e repartição dos benefícios da variedade dos seres vivos do planeta. Esse é o tripé da 15ª Conferência da ONU sobre a Diversidade Biológica, a COP15 da biodiversidade, que acontece entre os dias 7 e 19 de dezembro, no Canadá.

Quase 200 países retornaram à mesa de negociação da ONU nesta quarta-feira (7), em Montreal, no Canadá, desta vez para debater metas e estratégias de conservação da biodiversidade em um cenário de crise climática que ameaça o bem-estar e a sobrevivência das várias formas de vida no planeta. Realizada menos de um mês após a COP27 do clima, a 15ª Convenção de Diversidade Biológica da ONU, ou COP15 da biodiversidade, visa promover também o uso sustentável dos recursos biológicos e garantir a repartição de seus benefícios em forma de conhecimento e riquezas.

A conferência, que nasceu no Brasil durante a Eco-92, tem até 19 de dezembro para definir um novo Marco Global da Biodiversidade (GBF, em inglês) que guiará ações voltadas à conservação até 2030. Essa meta é renovada a cada década e deveria ter sido estabelecida em 2020, quando se encerraram os acordos de dez anos antes. No entanto, o evento, que acontece a cada dois anos, precisou ser adiado e desmembrado em três etapas devido à pandemia de Covid-19.

Foram realizadas dois encontros iniciais da convenção, um em 2021, de forma remota, na China, e outro em março de 2022, já no Canadá, onde foi publicado o rascunho de um marco a ser debatido e votado entre as partes nesta última fase da conferência. Um dos principais pontos é a garantia da conservação, até 2030, de pelo menos 30% das áreas terrestres e marinhas, meta que ganhou o apelido de “30 por 30”. Há um impasse sobre se esses 30% devem ser calculados individualmente, por cada país, ou globalmente.

Para o gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Michel Santos, esse é o limite mínimo que o planeta precisa de natureza para se beneficiar dos serviços ecossistêmicos. “A gente precisa de muito mais que 30% [de conservação das áreas terrestres e marinhas], mas, infelizmente, não é isso o que está em discussão”, lamenta.

Em relação ao financiamento da biodiversidade, uma proposta em destaque é a criação de um fundo de US$ 200 bilhões por ano para auxiliar os países em desenvolvimento a cumprirem os acordos de conservação da sua biodiversidade. Outros US$ 10 bilhões podem ser acrescidos a cada ano para reforçar esse apoio. 

Há, ainda, a previsão de retirada de dinheiro de políticas contra o meio ambiente. A redução anual de US$ 500 bilhões de incentivos financeiros para atividades prejudiciais à biodiversidade, como isenções tributárias para aquisição de pesticidas e financiamento para setores que poluem, também está em jogo. Para Santos, assim como no debate sobre o clima, o financiamento também é uma questão central para a biodiversidade. 

“Primeiro, a gente precisa entender que a diversidade biológica está no Sul global. Já o desenvolvimento, a tecnologia e os recursos, no Norte. Então existe a cobrança de que as nações mais ricas, que destruíram sua biodiversidade em nome do desenvolvimento, devem compartilhar suas riquezas financeiras e tecnológicas com quem tem grande diversidade de espécies para entregar à conservação”, explica.

Ele avalia ser urgente que a COP15 termine com um acordo ambicioso para o planeta enfrentar as pressões contra a natureza impostas aos seres vivos. 

“Ambicioso não quer dizer impossível. Queremos, por exemplo, mais áreas protegidas, respeito aos direitos dos povos tradicionais, restauração de ecossistemas, pagamentos por serviços ambientais, mais agroecologia e o compromisso de empresas e governos para reduzirem subsídios danosos à biodiversidade, que está em um ritmo de perda avassalador”, diz Santos.

Ambicioso não quer dizer impossível. Queremos, por exemplo, mais áreas protegidas, respeito aos direitos dos povos tradicionais, restauração de ecossistemas, pagamentos por serviços ambientais, mais agroecologia e o compromisso de empresas e governos.

Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil

Desde 1970, as populações monitoradas de espécies de mamíferos, aves, anfíbios, répteis e peixes diminuíram em média 69% em todo o mundo, segundo o relatório Planeta Vivo, lançado neste ano pelo WWF. A América Latina e o Caribe foram as regiões mais afetadas do globo, sobretudo nas áreas tropicais, com perda média de 94% das populações monitoradas.

O peso do Brasil para a biodiversidade global

Na última década, as 20 metas de Aichi, definidas na COP10 da biodiversidade, realizada em 2010, no Japão, nortearam as políticas que os países signatários deveriam cumprir para reverter a tendência de queda das suas diversidades biológicas. Entre essas metas estão a demarcação de áreas protegidas, promoção do manejo sustentável de animais, em especial os aquáticos, e a preservação de ecossistemas provedores de serviços essenciais, como as chuvas.   

No entanto, até o momento, nenhuma nação conseguiu executar o acordo em sua totalidade. O Brasil, contudo, foi um dos países que mais se aproximaram do cumprimento das metas estabelecidas na província japonesa de Aichi.

A redução do desmatamento no Cerrado e na Amazônia até meados da década de 2010, a criação de novas áreas protegidas e o fortalecimento de políticas públicas que impactam direta e indiretamente na preservação de espécies, como o seguro defeso: Benefício pago a pescadores, que são proibidos de exercerem a atividade pesqueira durante o período reprodutivo de algumas espécies para evitar a redução populacional dos animais., que garante renda aos pescadores durante o período de reprodução dos peixes, são modelos de ações brasileiras que dialogam com as metas definidas na COP10 da biodiversidade.

Para Michel Santos, “o país talvez seja o que mais tenha condições de contribuir com essa agenda em todo o mundo”, não apenas pelas ações que conseguiu desenvolver até aqui, mas também pela sua relevância quando o assunto é biodiversidade: ocupando quase metade da América do Sul, o Brasil abriga a maior diversidade biológica do planeta, com 116 mil espécies de animais e 46 mil espécies de vegetais conhecidas, distribuídas em seis biomas terrestres e três grandes ecossistemas marinhos, segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Amazônia: um dos ecossistemas mais ricos do planeta

 A Amazônia, responsável por quase 60% do território nacional, ocupa lugar de destaque tanto no cenário nacional como mundial, como destaca Patrícia Pinho, diretora-adjunta de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

“A Amazônia é um dos ecossistemas mais ricos do planeta, com estimativas sugerindo de 10% a 15% de toda a diversidade global catalogada. Estudos recentes sobre o status da biodiversidade planetária mostram que a Amazônia ainda é pouco explorada e com espécies ainda não descritas e catalogadas na literatura científica. Portanto, possui enorme importância no quadro global da biodiversidade”, afirma a pesquisadora.

A Amazônia é um dos ecossistemas mais ricos do planeta, com estimativas sugerindo de 10% a 15% de toda a diversidade global catalogada.

Patrícia Pinho, diretora-adjunta de Ciência do Ipam

Santos reforça as considerações da diretora do Ipam: “a Amazônia é um museu a céu aberto, com uma riqueza e um conhecimento que a gente não tem domínio. A cada expedição ambiental, nós descobrimos novas espécies. À medida que conhecemos a biodiversidade dessa localidade a gente aprende e pode colher benefícios disso para indústrias farmacêuticas e alimentos. Há toda uma cadeia econômica da biodiversidade com potencial de ser favorecida”.

Os guardiões da biodiversidade

Outro ponto que torna a Amazônia um ambiente singular no planeta é a interação milenar e harmônica de diversos povos tradicionais com toda essa biodiversidade, o que proporcionou um vasto conhecimento desses grupos sobre o potencial da floresta.

“A gente sabe que a Amazônia, historicamente, é resultado da intervenção dos povos tradicionais no bioma. Por exemplo, sua ocupação pelos povos indígenas também resultou em aproveitamento da biodiversidade local para produtos alimentares de alto valor nutricional e em alternativas de baixo impacto ambiental. Então, isso realmente traz uma importância enorme ao país enquanto protagonista dessa agenda da biodiversidade”, pontua Patrícia Pinho.

Ela destaca, ainda, a relevância das terras indígenas e unidades de conservação para a proteção da diversidade biológica. “As áreas protegidas na Amazônia têm um aspecto central não só pela preservação da biodiversidade, mas por apresentarem instrumentos de controle do desmatamento e políticas de proteção desses territórios. Inclusive, o Brasil exporta esse tipo de tecnologia e iniciativa como inspiração para outros países, como os da África e a Índia”.

Por fim, Michel Santos, do WWF-Brasil,  comenta que a importância da preservação da biodiversidade não se restringe às florestas ou às populações que vivem nela. “Nessa convenção a gente fala dos biomas, dos bichos e das plantas, mas tudo isso se conecta com as pessoas, porque a diversidade biológica presta um serviço às sociedades, que é o que a gente chama de serviços ecossistêmicos. Água, sombra e alimentos saudáveis só são possíveis com a saúde do planeta e da biodiversidade”.


Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.

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  1. Moro no Centro Oeste brasileiro, âmbito do Cerrado. Tenho uma pequena propriedade rural, dentro de uma área ainda bastante conservada e com rica diversidade biológica. Gostaria que se preocupassem, também, com o Cerrado, com a Caatinga e com o Pantanal Mato-grossense. A Mata Atlântica já tem suas lutas e suas lideranças, mas, quem é por nós, os abandonados dos sertões tupiniquins? Socorro …

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