Mulher, negra e educadora, ela comanda uma das organizações de base comunitária da Amazônia que reúne extrativistas indígenas e quilombolas de dois estados

Maria Daiana Figueiredo da Silva viu, desde pequena, seus pais transformarem a floresta em seu próprio sustento com o extrativismo da castanha-da-amazônia, do cumaru e da copaíba. Nascida em território quilombola, na comunidade Cachoeira da Pancada, no município de Oriximiná, no Pará, à medida que Daiana da Silva foi avançando nos estudos, precisou se afastar da rotina da comunidade para buscar acesso à educação até chegar à Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Formada professora de geografia, na primeira oportunidade que teve, entrou na luta pela melhoria de vida no seu território. 

“Eu morei na comunidade da Pancada até os oito anos, mas, como lá não tinha escola, eu fui morar em Oriximiná e cresci na cidade”, contou Daiana à Rede Cidadã InfoAmazonia. “Depois que me formei, em 2008, comecei a trabalhar. E em 2009, eu fui morar no Último Quilombo”, acrescentou. A comunidade Último Quilombo, onde Daiana foi lecionar um ano após a formatura, também fica em Oriximiná, na região do rio Trombetas conhecida como o Palmares Amazônico.

No século 19, essa região do Pará recebeu negros descendentes de escravos para servir de mão-de-obra em fazendas de gado e cacau nos municípios de Óbidos e Santarém. Mas eles acabaram fugindo para onde hoje é Oriximiná e criaram territórios de resistência, os quilombos. De acordo com informações da Comissão Pró-Índio, atualmente no local existem 37 comunidades onde vivem cerca de 10 mil quilombolas.

O município também é alvo constante de grandes indústrias mineradoras e garimpeiros. Em 2021, Oriximiná foi o 4º município no ranking de cidades com maior território minerado, com 10.596 hectares utilizados, o minério mais extraído é a bauxita. O avanço colocou o município em 1º lugar entre os com maior área industrial mineradora. No local também é extraído ferro, alumínio, calcário e ouro. O Pará é o estado que concentra boa parte da mineração do Brasil, com 155.993 hectares explorados na atividade. Os dados são do Mapbiomas.

Foi nesse contexto que Daiana passou a dar aulas para crianças nas séries iniciais, do primeiro ao quinto ano. Presente diariamente na comunidade, Daiana começou a se envolver cada vez mais, se interessando pelas pessoas e pelas problemáticas do lugar. Foi aí que seu percurso de vida começou a mudar. “Em 2009, eu fui trabalhar como professora no Último Quilombo. Meu esposo é dessa comunidade, então eu já comecei a morar lá”. Hoje, eles têm uma filha de 18 anos.

Na comunidade Último Quilombo o extrativismo também é a principal fonte de renda. A atividade consiste em extrair recursos da natureza como minerais, vegetais ou animais. Ribeirinhos, indígenas e quilombolas criam estratégias para manter a atividade conservando a floresta e protegendo os territórios. Além de usufruírem dos resultados, também fazem a venda dos produtos e mantêm uma economia baseada na sustentabilidade. O extrativismo da comunidade Último Quilombo é feito sem uso de madeira, ou seja, sem desmatamento das árvores.

Quando Daiana chegou ao local, ela notou que os esforços dos moradores e o lucro não eram necessariamente proporcionais, o que a fez lembrar de como era o trabalho dos seus pais. “O que me chamava muita atenção é porque nós, quilombolas e indígenas, vivemos muito tempo na floresta e crescemos vendo os nossos pais vendendo nossos produtos a um custo muito barato. Isso é muito revoltante, ver que a castanha era uma coisa que era trocada por um preço muito barato”, explicou.

O que me chamava muita atenção é porque nós, quilombolas e indígenas, vivemos muito tempo na floresta e crescemos vendo os nossos pais vendendo nossos produtos a um custo muito barato. Isso é muito revoltante, ver que a castanha era uma coisa que era trocada por um preço muito barato.

Daina Silva,
quilombola

Essa indignação motivou Daiana e outros quilombolas da comunidade a se organizarem e, em 2019, nasceu a Coopaflora, Cooperativa Mista dos Povos e Comunidades Tradicionais da Calha Norte, com quarenta e seis cooperados em dois estados diferentes: quilombolas dos municípios de Oriximiná e Alenquer, do Pará, e indígenas do município de Nhamundá, do Amazonas. Mas não só, a demanda de atenção para organizar os cooperados, estabelecer preços, buscar o apoio de organizações e fazer o monitoramento da produção territorial, levou Daiana a deixar as salas de aula para se dedicar integralmente à gestão da cooperativa.

“Comecei ver que o trabalho da Coopaflora estava precisando de alguém pra ajudar, aí eu mudei de profissão. Mas estou muito feliz de estar trabalhando e ajudando o meu povo,  que está precisando de mim na questão da floresta em pé e de manter a conservação”, destacou Daiana, que neste ano de 2022 passou a presidir a cooperativa.

A percepção de Daiana sobre a necessidade de organização da comunidade estava correta e ela seguiu a tendência promissora das cadeias de valor da sociobiodiversidade no Pará. Segundo a The Nature Conservacy, em 2019, o Produto Interno Bruto (PIB) gerado por essas cadeias foi de R$ 5,4 bilhões e, estima-se que tenha gerado cerca de 224 mil empregos.

A cooperativa também é apoiada por outras organizações, como o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora),  uma associação civil sem fins lucrativos, que colabora no programa Floresta de Valor e também do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPE), que ajuda no monitoramento e na busca dos recursos naturais dentro do território.

Em 2020, durante a pandemia, a Coopaflora vendeu cerca de  3,5 toneladas de sementes secas de cumaru, o que chegou a movimentar o montante de R $177,8 mil. No mesmo ano, as vendas da castanha também melhoraram e renderam R$ 245 mil. Em 2022, as vendas saltaram para R$ 645 mil. 

Com o tempo, Daiana contou que também notou a importância de mostrar como o extrativismo é importante na vida dos quilombolas e como isso se relaciona com a conservação da floresta. “Contar a história dos nossos produtos é muito importante para o consumidor que está em outros estados saber o que está sendo feito e como está sendo feito, porque trabalhamos com a conservação da floresta”, disse.


Este conteúdo faz parte do projeto Rede Cidadã InfoAmazonia, iniciativa para criar e distribuir conteúdos socioambientais produzidos na Amazônia.

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