Fundo de ‘Perdas e Danos’, uma das principais conquistas da conferência, passou em branco nas redes sociais brasileiras.

Após duas semanas de idas e vindas durante a 27ª Conferência do Clima da ONU (COP27), negociadores de quase 200 países concordaram em criar um fundo de compensação a perdas e danos para os países mais vulneráveis às catástrofes geradas pelas mudanças climáticas. Esse financiamento deve ser garantido pelos países mais ricos do mundo, principais emissores de gases do efeito estufa do planeta.

Embora a conferência não tenha obtido progresso na obtenção de compromissos internacionais para a redução nas emissões que causam as mudanças climáticas, a compensação aos países mais afetados – particularmente os mais pobres, localizados na África e em países insulares – foi recebida com bons olhos por alguns especialistas e ativistas.

Os parâmetros desse fundo ainda serão definidos até a COP28, que ocorre em 2023, mas os países interessados apontam cifras que variam entre US$ 290 bilhões e US$ 580 bilhões por ano até 2030. Estados Unidos e União Europeia, que passaram a maior parte da conferência resistindo à ideia, acabaram por aceitar abrir essa conversa.

Mesmo não sendo um tema altamente popular, a ferramenta Trendsmap: Ferramenta de monitoramento global de postagens feitas no Twitter, que permite busca por palavra e local.  capturou 20.600 referências em inglês ao uso da expressão “loss and damage” durante a COP27, com pico no sábado (19), véspera do anúncio da decisão, que ocorreu no domingo (30). Isso equivale a menos de 4% de todos os tuítes em inglês que mencionam o nome da conferência. 

Pico do uso da expressão ‘loss and damage’ ocorreu no sábado, 19 de novembro.

Um quinto das menções veio do Paquistão, cujos prejuízos humanos e materiais com inundações nos últimos anos foram um dos principais argumentos em defesa do fundo.

Em português, a amostragem da ferramenta não encontrou um número relevante de resultados a respeito. Os brasileiros que tocaram no assunto com alguma tração o fizeram ou em tuítes em inglês ou multiplicando textos de outros países.

Embora o Brasil tenha áreas que são e serão muito fortemente afetadas pelas mudanças climáticas, parte do baixo interesse nacional no tema se deve ao fato de que dificilmente o país terá acesso a recursos desse fundo. 

“O Brasil sequer tem levantamento de riscos climáticos atualizados, que dirá sobre perdas e danos”, lembra Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, organização que faz análise de políticas climáticas. “O governo brasileiro não se posiciona com firmeza no assunto, nunca se posicionou claramente, então o sinal político é fraco”, avalia.

O Brasil sequer tem levantamento de riscos climáticos atualizados, que dirá sobre perdas e danos.

Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa

Lula no Egito

Apenas duas semanas após o resultado da eleição mais acirrada de todos os tempos, o que realmente empolgou o público brasileiro foi a presença do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na conferência. Só uma parte menor da repercussão, porém, se deve às propostas que fez para uma reinserção diplomática do Brasil na arena internacional focada no tema das mudanças climáticas. 

Tanto presencialmente quanto no debate digital, a presença do Brasil foi praticamente bipolar. Se a mais alta representação do atual governo, que está nos últimos meses de mandato, criticava as metas propostas pela conferência, a comitiva de Lula, que tomará posse em janeiro, era recebida com abraços e propunha trazer a próxima conferência para a Amazônia. Isso se refletiu no debate digital brasileiro, onde a Bolhanaro repetiu seu padrão.

Em 16 de novembro, dia em que Lula discursou na COP27, o Brasil foi o país que mais comentou a conferência no Twitter, segundo dados de 65,7 mil tweets coletados na plataforma Trendsmap durante o intervalo de seis horas antes e seis horas depois da fala do presidente eleito. Quase três a cada quatro postagens foram feitas no país e o nome de Lula foi mencionado em mais da metade dos tweets, coletados em todas as línguas. 

Embora Lula tenha tocado em várias questões ambientais que pretende encaminhar em seu terceiro mandato, e inclusive tenha feito um convite para realizar a conferência de 2015 na Amazônia, a disputa política brasileira foi o principal foco da discussão no Twitter.

Isso ocorreu em parte pela ausência do atual presidente da República, Jair Bolsonaro, na conferência, com os representantes do país tendo uma atuação entre tímida e negacionista, e em parte pela maneira como Lula chegou à conferência – sob acusações de receber carona no jatinho de um empresário do ramo da saúde, que levantaram debate sobre conflitos de interesse e até emissões de carbono pela aeronave.

“Esta COP ficou marcada por dois Brasis”, disse Maiara Folly, diretora de programas da Plataforma Cipó, que está presente na conferência. “De um lado, um Brasil desprivilegiado, com pouca voz e sem nenhum protagonismo, representado pelo governo Bolsonaro; do outro, um Brasil da esperança, que sinaliza ao mundo que está de volta e levará compromissos climáticos a sério, fortalecendo o multilateralismo para enfrentar a emergência climática”, afirmou. 

De um lado, um Brasil desprivilegiado, com pouca voz e sem nenhum protagonismo, representado pelo governo Bolsonaro; do outro, um Brasil da esperança, que sinaliza ao mundo que está de volta e levará compromissos climáticos a sério.

Maiara Folly, diretora de programas da Plataforma Cipó

Segundo Folly, o discurso sinalizou que a questão climática deve ter papel central na política externa do próximo governo. A Plataforma Cipó entregou a Lula um documento com sugestões de políticas públicas para atingir esse objetivo.

Os dois Brasis vistos por Folly também se refletiram no debate digital, repetindo o padrão da “Bolhanaro”, em que o grupo mais identificado com o governo Bolsonaro debate os temas ambientais numa bolha completamente à parte do resto do mundo. Muitas das mensagens postadas por usuários de direita eram centradas na maneira como o presidente eleito chegou à conferência, criticando a informação de que ele tenha ido de carona no jatinho de um empresário. 

A análise das postagens que mencionavam o nome da conferência, postadas entre as 5:35 da manhã e as 17:30 (horário brasileiro) do dia 16, em todos os países e todas as línguas, mostrou que 73% delas foram publicadas no Brasil (17% só em Brasília). 

Veja neste vídeo como as menções globais à conferência dispararam a partir das 12h30, horário em que o presidente eleito começou a falar, e deram novo salto a partir das 13h00, quando começaram a se avolumar os comentários avaliando o que ele disse.

O nome de Lula é citado em 53% dos tuítes. Com isso, o debate sobre o clima, em si, acabou soterrado pelo debate político brasileiro. Veja as 100 palavras mais usadas nos tuítes do dia do discurso – das quais apenas três não são em português. 

Com o predomínio do ângulo político no debate sobre a participação de Lula na COP-27, a “Bolhanaro” voltou a aparecer, mas de maneira mais fragmentada:

Sites específicos e influenciadores regionais são os que mais aglutinaram conversas. O jatinho utilizado por Lula para ir à conferência, além de seus impactos ambientais e potenciais conflitos de interesse envolvidos, era o assunto favorito.

Já à esquerda, os influenciadores são ligados ao PT: o próprio perfil de Lula, que transmitiu o discurso e postou frases; a deputada federal eleita Natália Bonavides (PT/RN), que postou um vídeo com o público da conferência cantando o hit “Jair Embora”; e Juliano Maderada, o próprio autor da música. O colunista político Reinaldo Azevedo, com suas ponderações sobre o jatinho, também aglutinou boa parte da conversa.

Em termos de propostas, entre os tuítes que mais receberam respostas estava o de Lula prometendo que a próxima COP ocorra na Amazônia. 

Do outro lado, o vereador Carlos Bolsonaro, do Rio de Janeiro, reclamou da falta de destaque para os títulos de propriedade de terra entregues pelo seu pai.


Reportagem do InfoAmazonia para o PlenaMata, em parceria com a Sala de Democracia Digital da FGV ECMI, uma iniciativa de monitoramento e análise do debate público na internet.

Sobre o autor

Jornalista formado pela UFRGS, especializado em jornalismo de dados. Trabalhou para jornais como Folha de S.Paulo e Los Angeles Times e é membro do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos...

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