Estiagem deste ano tem níveis mínimos históricos e atinge cerca de 167 mil pessoas no estado; especialistas alertam para os já presentes efeitos das mudanças climáticas
Após duas grandes enchentes severas e históricas em menos de um ano, o Amazonas passa agora por uma estiagem: A estiagem ocorre quando é registrado um período longo de baixos índices de chuva, deixando o solo sem umidadeque atinge mais de 200 mil pessoas no estado. De 62 municípios amazonenses, 47 estão em situação de atenção e oito estão em situação de emergência. O nível das águas baixou tanto que deixou alguns deles completamente isolados, impedindo a locomoção, as aulas escolares e a agricultura.
O monitoramento do Serviço Geológico do Brasil (SGB) mostra que o rio Solimões, na região do município de Tabatinga, chegou a 82 centímetros, a meses atrás ele estava em 11,9 metros. No mesmo período, o rio Amazonas, na região de Itacoatiara, registrou 515 centímetros, número também considerado pequeno, considerando que ele chega a 11,66 metros. Os municípios que se encontram em situação de emergência são: Amaturá, Benjamin Constant, Japurá, Tefé, Uarini, Maraã, Alvarães e Coari. São 167,8 mil pessoas enfrentando as consequências da estiagem.
Em 2021 o Amazonas passou pela sua maior cheia em 119 anos, com o rio Negro batendo 30 metros. Agora, em 2022, ele se aproximou dessa baixa histórica e atingiu 29,70 metros. A vazante ocorre naturalmente todos os anos, mas o monitoramento do SBG mostra que este ano os números foram mais alarmantes e isso se deve pela falta das chuvas em setembro.
“Houve ausência de chuvas durante um período maior, causando déficit nas cabeceiras de algumas regiões. A cota (de chuva) registrada em Tabatinga foi a segunda menor já registrada, a primeira ocorreu em 2010. A região ficou muito seca e aos poucos estamos ganhando alguns centímetros”, explicou Jussara Cury, pesquisadora em geociências do SGB.
A seca prejudica a vida de centenas de famílias no estado. A dona de casa Geisiane Silva, moradora da comunidade São Jorge, em Tefé, ficou por dois meses isolada, precisando andar quilômetros de distância para obter qualquer tipo de serviço. Há algumas semanas, precisou acompanhar uma vizinha a pé para levá-la ao hospital.
“Ficava muito difícil o deslocamento para irmos atrás de recursos, comprar alimentos ou até mesmo fazer nossas coisas em casa como lavar roupa, louças. Tive medo de adoecer porque era difícil andar pela praia ou pegar uma condução. Graças a Deus já está dando água aqui”, disse.
Em fotos, Geisiane mostra as enormes praias ao redor de sua casa. Mãe de dois filhos, a dona de casa conta que sua caçula, de cinco anos, estava recebendo as atividades escolares em casa, porque as aulas foram paralisadas e os professores entregaram os trabalhos de porta em porta. “O ensino dela acabou sendo muito prejudicado, porque estudar em casa não é a mesma coisa que na escola, né? Então os professores estavam vindo só deixar as atividades”, explica.
Na cidade de Tefé, a Defesa Civil do município informou que está distribuindo água potável, alimentos aos moradores e ajudando a fazer o transporte quando os moradores precisam se locomover para ir ao comércio ou hospital. “Há 12 anos não tínhamos uma estiagem como essa. Os comerciantes estão sentindo no bolso, porque eles sobrevivem das vendas dos alimentos para os ribeirinhos, que estão isolados. Os agricultores também perderam suas produções”, disse Melquisedeque Barroso, da Defesa Civil de Tefé.
Crise climática
O clima no Brasil está mudando e isso se deve à uma crise climática global, de acordo com meteorologistas. O meteorologista Willy Haigi explica que, em setembro, as chuvas no Amazonas foram abaixo da média do esperado. De acordo com ele, Manaus teve 95.3 mm abaixo da média, quando o esperado era 113, 9 mm Tefé teve 102.8 mm abaixo, quando o esperado era 154,6. Benjamin Constant teve 145.6 mm abaixo, o esperado era 198,4 mm. A ausência dessas chuvas não atinge apenas o Amazonas.
“A região Norte em geral passou os últimos 4 a 5 meses com condições de precipitação abaixo da média histórica e temperaturas muito elevadas, especialmente na Amazônia Ocidental entre Acre, Rondônia e Amazonas”, afirma Haigi.
A região Norte em geral passou os últimos 4 a 5 meses com condições de precipitação abaixo da média histórica e temperaturas muito elevadas, especialmente na Amazônia Ocidental entre Acre, Rondônia e Amazonas
Willy Haigi, meteorologista
O metereologista explica que outro fator surpreendente é que desde o final de 2020 ocorre um ciclo de La Ninã e isso normalmente proporciona mais chuvas, mas não é o que está sendo visto agora. “A questão é que o contexto climático em geral não parecia favorável a uma ocorrência de seca tão grave da forma como vimos, já que estamos em um ciclo de La Niña, fenômeno que vinha sendo diretamente responsável pelas chuvas acima da média na Amazônia nesses últimos anos”, explicou.
No mês de setembro, Manaus enfrentou altas temperaturas. No dia 11, foram registrados 38,2º C – o recorde de temperatura da capital é de 39ºC, registrado em agosto de 2015, segundo os dados do Instituto Nacional de Metereologia (Inmet). A média da temperatura foi de 33ºC. “Uma lição prática que podemos tirar é que a Amazônia vem pulando de um extremo climático para outro em questão de pouco tempo. Isso já é uma realidade do presente e só tende a se agravar no futuro”, disse o meteorologista.
Planeta mais quente
Dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (Seeg) divulgados na terça-feira (1) mostram que as emissões de gases estufas aumentaram pelo 4º ano consecutivo no Brasil. De 2018 até 2021, o país saltou de 1,9 bilhão de emissões de CO2 para 2, 4 bilhões de toneladas emitidas. Em 2021, a Amazônia Legal foi responsável por metade das emissões do país, com 1,2 bilhão de CO2 emitidos, de acordo com o Seeg. O Pará é o estado que apresentou o maior índice, com 447, 9 milhões de CO2 emitidos. A causa principal é o desmatamento, mudando o uso da terra e das florestas.
O efeito estufa é um processo físico natural em que o planeta é revestido por uma camada de gases que retêm calor. Ele é benéfico até certo ponto, pois permite que a temperatura do planeta não seja tão baixa, permitindo a vida humana. O meteorologista Marcelo Seluchi, do Cemanden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), no entanto, avalia que o cenário geral do mundo não é de boas expectativas.
Ele cita as diversas ocorrências de desastres e extremos que ocorreram nos últimos anos, como as enchentes na Bahia, que deixaram mais de 20 pessoas mortas e mais de 30 mil desabrigados no início do ano. Ou ainda a crise hídrica de São Paulo, que chegou a ter um reservatório com menos de 30% da sua capacidade.
“O que precisamos fazer é tentar juntar as peças para montar o quebra-cabeça. Os últimos anos estão cheios de extremos climáticos, em todas as regiões do Brasil. E existe uma causa física para isso: os gases de efeito estufa. O problema é que agora, com as emissões crescendo, a temperatura está aumentando. A atmosfera é um caldeirão. Tem temperatura, tem água, tem ar e nós estamos aumentando a temperatura da fornalha, estamos aumentando a temperatura da panela de pressão. Isso se manifesta através dos extremos”, explica Seluchi.
A atmosfera é um caldeirão. Tem temperatura, tem água, tem ar e nós estamos aumentando a temperatura da fornalha, estamos aumentando a temperatura da panela de pressão. Isso se manifesta através dos extremos
Marcelo Seluchi, meteorologista
O Brasil é um dos sete países que mais emitem gases de efeito estufa. O primeiro é a China, seguida pela Índia, os países da União Europeia, a Indonésia e a Rússia. Os países se comprometeram a manter o aumento da temperatura do planeta abaixo de 2ºC, mas os esforços não são suficientes, apesar das metas estabelecidas a partir do Acordo de Paris. As projeções indicam que até o final do século o planeta alcançará aumento de temperatura de 2,8º C. Para evitar isso, as emissões anuais precisam cair pelo menos 45%.
Seluchi acredita que os fenômenos climáticos no Brasil dependem dos esforços conjuntos de outros países para serem evitados. “Hoje o clima está totalmente globalizado. O que acontece na Índia pode afetar o que ocorre aqui. Então, não é exatamente deixando de desmatar num ponto que vamos resolver todos os problemas. Porque lá na Europa, nos Estados Unidos, as emissões podem continuar. Então, estamos todos mais ou menos no mesmo barco”.
O Brasil estará na COP 27 neste ano, com a participação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. A expectativa é de que Lula assuma novos compromissos para reduzir as emissões no país. Em 2021, na COP26, o Brasil se comprometeu a reduzir em 50% as emissões até 2030. O atual ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, também estará presente e deve focar seu discurso na crise energética, ressaltando o uso de energia eólica no país.