InfoAmazonia e PlenaMata mostram antes e depois do desmatamento desde 2019 em regiões-chave para o combate à perda de floresta.
O presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição neste domingo (30), deve encerrar seu quarto ano de mandato com mais de 40 mil km² desmatados na Amazônia. Na atual gestão, entre 2019 e 2021, a taxa anual do desmatamento da floresta mais que dobrou em comparação com a dos anos anteriores até 2018, elevando a destruição a patamares históricos.
Só em 2021, foram mais de 13 mil km² de floresta derrubados, o maior desmatamento anual em 15 anos. E ao que tudo indica, 2022 será um ano de novos recordes negativos para a floresta. As projeções do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe: O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais é o órgão federal responsável por monitorar e divulgar dados de desmatamento e queimadas para auxiliar no controle dos crimes ambientais) mostram que o desmatamento neste ano deve chegar próximo de 15 mil km².
Esse desmatamento tem sido impulsionado por manobras que reduziram a fiscalização e a aplicação de multas por crimes ambientais, e também são estimuladas com a retomada de antigos projetos de ocupação da Amazônia, como a recuperação da BR-319.
O sul do Amazonas, área densamente habitada por povos indígenas e populações tradicionais, e que até alguns anos enfrentava baixas taxas de destruição, se firmou como nova fronteira do arco do desmatamento, que avança pelo norte de Rondônia na direção de grandes blocos de mata preservados.
Boa parte dessa devastação se concentra nos eixos das rodovias BR-319 e BR-230 (Transamazônica), onde a grilagem de terra e os conflitos agrários também se intensificam. No caso da BR-319, o desmatamento na área de influência da rodovia já é duas vezes e meia maior que a média registrada em toda a Amazônia Legal.
Mas não é só. A devastação na gestão Bolsonaro está descaracterizando áreas destinadas à preservação da floresta, como as Unidades de Conservação, e colocando povos indígenas em risco.
É o que enfrentam os povos isolados nas terras indígenas Piripkura, no Mato Grosso, e Ituna-Itatá, no Pará. Nesses dois territórios, os invasores avançaram rapidamente com o desmatamento para instalação de fazendas.
Não muito diferente é a destruição causada pelo garimpo, que pode ser ainda mais violenta, como nos episódios registrados nas terras indígenas Yanomami, em Roraima, e Munduruku, no Pará, onde garimpeiros atacaram indígenas.
Na gestão Bolsonaro, o garimpo se expandiu pelas terras indígenas como nunca. A área ocupada por garimpos ilegais em 18 territórios indígenas chegou a quase 200 km² em 2021, mais que o dobro do que havia em 2018 e cinco vezes maior do que em 2013, quando se percebe um aumento das áreas de garimpo nesses territórios.
A nova fronteira da devastação
Considerada a nova fronteira do desmatamento na Amazônia, as regiões do sul do Amazonas, leste do Acre e noroeste de Rondônia viram a devastação disparar no governo Bolsonaro.
Entre 2019 e 2021, o território que compreende o projeto de fortalecimento do agronegócio conhecido como Amacro perdeu 8.730 km² de florestas, um crescimento de 40% em relação aos três anos anteriores. A área desmatada equivale a 873 mil campos de futebol.
Em 2022, as derrubadas seguiram avançando na região. Números do sistema Deter, do Inpe, mostram que, de janeiro a outubro, 3.988 km² foram ao chão nos 32 municípios que compõem a também chamada Zona de Desenvolvimento Sustentável (ZDS) Abunã-Madeira.
União das siglas dos três estados (AM, AC, RO), a Amacro teve seus 454 mil km² delimitados pelo agronegócio local para receber políticas de incentivo à produção e se tornar uma nova potência agrícola nacional. O governo federal já manifestou apoio oficial à empreitada.
O território é formado por áreas que até pouco tempo atrás estavam relativamente preservadas, em especial o sul do Amazonas. No entanto, com a intenção da criação da zona, deu-se início a uma corrida desenfreada de grileiros interessados na valorização das terras na região. Os criminosos se aproveitam do desmonte dos órgãos de fiscalização pelo atual governo para expandir suas práticas ilícitas.
A principal delas é a investida contra florestas públicas sem destinação, que tiveram 3.240 km² desmatados nos últimos três anos (2019 a 2021) na Amacro, além de assentamentos da reforma agrária, que perderam 2.535 km² de matas durante o período. Unidades de conservação e terras indígenas também são alvos das invasões.
Para a coordenadora de projeto da ONG SOS Amazônia, Daniela Dias, o desmatamento e as queimadas são consequências diretas da grilagem desse patrimônio público. “A finalidade dessas práticas é expandir a pecuária e a venda ilegal de madeira em um cenário de total impunidade. A não destinação das florestas públicas com certeza abre portas para essas atividades ilegais”.
Capital do estado de Rondônia, Porto Velho é o epicentro da devastação na ZDS Abunã-Madeira. Entre 2019 e 2021, a cidade perdeu 1.482 km² de florestas, o que representa 17% do desmatamento da Amacro para o período. O crescimento foi de 44% em relação ao triênio anterior. Em 2022, a devastação já é de 486 km², a terceira maior da Amacro e a 16ª da Amazônia, segundo o Deter/Inpe.
É em Porto Velho que começa a BR-319, que liga Rondônia a Manaus, cortando ou passando próximo a outros municípios da Amacro. A via de 885 km foi construída em meados dos anos de 1970 e rasga uma das regiões mais delicadas da Amazônia. Ao longo dela, estão 69 terras indígenas, onde vivem 18 povos, além de 41 unidades de conservação.
Após Bolsonaro anunciar a pavimentação de trechos ainda incompletos, a área de influência da rodovia registrou, em 2020, um aumento de 25% no desmatamento, segundo o Ministério Público Federal (MPF). O processo de reabertura da BR impulsionou a grilagem de terras na região. No ano passado, foram derrubados quase 200 km² de florestas em áreas com indícios de invasão, entre elas terras públicas.
A expectativa de conclusão da rodovia, que resultaria em uma via de escoamento da produção agropecuária, é um dos fatores-chave para a existência da Amacro, que, por sua vez, também se vale da proximidade com o Pacífico para justificar sua implementação.
A estrada que ameaça a preservação
O Parque Estadual de Guajará-Mirim (PEGM), no município de Nova Mamoré, centro-oeste de Rondônia, é um exemplo do potencial de destruição que uma estrada pode causar em uma área protegida na Amazônia. Até 2011, a unidade de conservação: É um território voltado à manutenção de ecossistemas e de recursos naturais para toda a sociedade e com delimitação, gestão e proteção do poder público. de 2.165 km² não tinha registro de desmatamento, segundo os sistemas do Inpe. Porém, tudo mudou em 2014, quando o governo estadual rasgou em 12 km a parte norte do território com a rodovia RO-420.
Após a pavimentação, o PEGM viu surgir uma série de invasões, sendo tomado pelo crime ambiental. Grilagem, extração ilícita de madeira, queimadas, pastagem, caça e pesca ilegais e até tráfico de drogas passaram a fazer parte daquele ambiente até então preservado.
Com isso, o território viu a devastação crescer ano após ano, atingindo seu pico em 2021, com 29 km² de florestas derrubadas. Nos três primeiros anos do governo Bolsonaro, 50 km² foram desflorestados no parque.
O desmatamento acumulado chega a quase 230 km², segundo o Inpe. Dados preliminares de 2022 já apontam para um recorde do desmatamento na unidade de conservação, com 60 km² desflorestados somente de janeiro a outubro, de acordo com o Deter.
A estrada foi idealizada para conectar os municípios de Guajará-Mirim e Nova Mamoré, sendo uma via de escoamento do agronegócio local. Antes, o trecho que passava pelo parque funcionava como uma trilha de tráfego limitado.
No ano passado, o governador bolsonarista de Rondônia, Marcos Rocha (União Brasil), sancionou uma lei de sua autoria, aprovada na Assembleia Legislativa, que reduz os limites do parque, retirando a parte mais ao norte da UC, exatamente onde ocorrem as invasões. A Justiça declarou inconstitucional a medida a partir de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pelo Ministério Público do Estado.
De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), o parque estadual é área de perambulação de indígenas isolados. Além disso, reúne um alto número de espécies de animais ameaçadas de extinção, quase ameaçadas ou vulneráveis, entre elas o macaco-aranha, tatu-canastra, tamanduá-bandeira, onça-pintada e o recém-descoberto sagui-de-rondônia, um animal endêmico, ou seja, encontrado, até o momento, apenas naquela região.
Nos últimos anos, o PEGM tem registrado ainda conflitos armados. Em fevereiro de 2022, policiais que faziam a fiscalização do parque foram recebidos a tiros por criminosos. Dois anos antes, outros agentes foram alvos de uma emboscada por mais de 50 pessoas encapuzadas.
Desmatamento ameaça povos isolados
A média do desmatamento anual em territórios indígenas mais que dobrou no governo Bolsonaro, passando de 184 km², desmatados por ano (2008-2018) para 426 km² (2019-2021), que equivale a 42 mil campos de futebol devastados por ano. Os territórios têm sido alvos de invasões coordenadas em regiões estratégicas para exploração de madeira ou mineração, colocando em risco etnias inteiras, incluindo povos isolados: Povos não contactados, que, por decisão própria ou por determinadas circunstâncias, vivem em isolamento total ou sem contato significativo com a sociedade em geral. nunca contactados pelo homem branco.
84% do desmatamento na Terra Indígena Ituna-Itatá, no Pará, ocorreu no governo Bolsonaro. Nesse território, onde a floresta permanecia praticamente intacta até 2016, desde a década de 1970 há registros de povos em isolamento voluntário.
O governo resiste em reconhecer a presença dos indígenas de Ituna-Itatá, e, em janeiro deste ano, só renovou a portaria de interdição que protege o território por força de uma decisão judicial.
A área é disputada por fazendeiros que tentam regularizar propriedades privadas com apoio de aliados do presidente. Um deles é o ex-senador Zequinha Marinho (PL-PA), que foi derrotado na disputa pelo governo do Pará para Helder Barbalho (MDB).
Em 2020, praticamente toda a terra indígena tinha sido registrada no Cadastro Ambiental Rural (CAR: Registro eletrônico obrigatório, feito por autodeclaração e voltado à regularização ambiental de imóveis rurais de todo o país.) em nome de ‘proprietários’ autodeclarados. Esses invasores foram representados pelo então senador e pelo antropólogo Edward Luz, que tentaram inviabilizar a proteção do território para articular a permanência “dos produtores”, como chamou o então senador.
As terras indígenas: Territórios da União reconhecidos e delimitados pelo poder público federal para a manutenção do modo de vida e da cultura indígenas em todo o país. protegidas por restrição de uso —e que também são as que abrigam indígenas isolados— estão entre as mais vulneráveis, já que essa modalidade de proteção precisa ser renovada pelo governo federal de tempos em tempos.
Estão nessa lista as terras indígenas Ituna-Itatá (PA), Jacareúba/Katawixi (AM), Pirititi (RR) e Piripkura (MT). O governo federal ignora pareceres técnicos que atestam a necessidade de intervenção dessas áreas e tem resistido ao renovar as portarias de interdição.
No caso dos Piripkura, que vivem isolados no norte do Mato Grosso, o fim da proteção do território pode significar a extinção dos dois últimos remanescentes da etnia.
A invasão no território dos Piripkura disparou em 2021, quando mais de 2 mil hectares foram desmatados para abertura de fazendas e áreas de pasto.
Dos 2,9 mil hectares invadidos e desmatados na TI Piripkura desde 2008, mais de 75% ocorreu no governo Bolsonaro, mesmo após a decisão da Justiça Federal que determinou a retirada de invasores do território.
A portaria de restrição de uso da TI Piripkura vence neste mês de outubro e precisará novamente ser renovada pelo governo federal.
Garimpos se alastram em territórios indígenas
Durante o governo Bolsonaro, o garimpo se expandiu pelas terras indígenas como nunca. A área ocupada por garimpos ilegais nesses territórios chegou a 197 km² em 2021, mais que o dobro do que havia em 2018 e cinco vezes maior do que em 2013, quando se percebe um aumento das áreas de garimpo nesses territórios.
No ano passado, segundo levantamento do MapBiomas, metade da área de garimpo do país estava em unidades de conservação ou terras indígenas, onde a mineração continua proibida pela legislação brasileira.
Os maiores garimpos estão no território Kayapó (115 km²) e Munduruku (47 km²), no Pará, e Yanomami (15 km²), em Amazonas e Roraima.
Na Terra Indígena Munduruku, a área ocupada pelo garimpo ilegal mais que triplicou, já nos yanomamis, que vivem uma das mais violentas invasões garimpeiras, a área ocupada é praticamente cinco vezes maior do que em 2018.
Alvo de invasões e chacinas nas décadas de 1980 e 1990, o garimpo havia sido praticamente eliminado do território Yanomami nos anos 2000. Hoje, mais de 20 mil garimpeiros ocupam a terra indigena ilegalmente para extração principalmente de ouro e cassiterita.
Nos últimos dois anos, a TI Yanomami se tornou palco de conflitos violentos. Em maio de 2021, um ataque na região de Palimiú matou dois yanomamis e deixou outros feridos. Os sucessivos atentados têm sido denunciado pelas lideranças locais. A própria Polícia Federal foi recebida a tiros por invasores.
Palimiú fica às margens do rio Uraricoera, usado pelos invasores para acessar os garimpos e os acampamentos que ficam no meio da floresta. Através de imagens de satélite, é possível perceber a evolução do garimpo durante os anos da gestão Bolsonaro. Além de alterar toda a vegetação na margem do rio, essa prática despeja altas cargas de mercúrio na água durante o processo de separação do metal.
O mercúrio, a violência e os danos ambientais também se tornaram rotina nos últimos anos nas terras ocupadas pelos povos mundurukus, na bacia do Tapajós, onde lideranças são perseguidas e atacadas por garimpeiros.
Aliados do presidente dominam a política e os garimpos na região, e são acusados de aliciar indígenas para defenderem a atividade em terras indígenas. Em 2020, após conflito entre Polícia Federal e Ibama: Autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente responsável por fiscalização, licenciamento e outras funções na área ambiental. com garimpeiros na região, um avião da Força Aérea levou garimpeiros para reunião em Brasília com o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
Estudos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), publicados em novembro de 2021, constataram que todos os indígenas de três aldeias no território Munduruku tinham mercúrio no organismo. E 60% dos examinados apresentaram níveis do metal tóxico no organismo acima do limite tolerado.
Desde que assumiu a presidência, Bolsonaro tenta liberar a mineração e o garimpo em terras indígenas. Em 2020, o governo enviou para o Congresso um projeto de lei (PL 191/2020) para legalizar a atividade, sob forte protesto de lideranças indígenas.
A atual gestão cortou recursos para os órgãos ambientais e tem batido de frente com a fiscalização, criticando publicamente a destruição de máquinas e equipamentos apreendidos nas operações de combate ao garimpo ilegal na Amazônia.
Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.
Essa matéria foi interessantíssima! Parabéns aos envolvidos pelo empenho em mostrar toda capacidade de desgoverno do Bolsonaro! Agora a minha dúvida é a seguinte, quando farão uma matéria do mesmo calibre com o mesmo título atribuído a culpa ao governo Lula? Até porque os motivos são os mesmos porém com mais benefícios aos envolvidos e nenhum plano de ação para arrumar todo esse problema atual. Provem que vocês são imparciais no jornalismo.