Dez movimentos sociais no Amazonas, Pará, Amapá, Tocantins e Maranhão lutam por soluções para problemas causados pela devastação ambiental e o mau uso do dinheiro público.

Em 2021, o rio Amazonas, o maior do mundo em volume de água, enfrentou a pior enchente que se tem registro até hoje, atingindo 59 dos 62 municípios amazonenses. Menos de um ano depois, as águas do manancial voltaram a alcançar níveis recordes. Preocupados com a situação, um grupo de jovens resolveu se unir e fundar o Instituto Capuaã para pressionar as autoridades locais por soluções e um olhar mais amplo sobre as causas do problema.

Uma das lideranças da entidade, a indígena Celina Pinagé, de 23 anos, moradora de Manaus, critica a inércia do poder público em apresentar ações efetivas que assistam a população atingida. Ela cobra dos políticos uma mudança radical na política ambiental. No primeiro semestre de 2022, o estado despontou como líder em desmatamento, ultrapassando o Pará e Mato Grosso.

“O Amazonas é um estado muito conservador onde as questões sustentáveis são deixadas de lado pelos representantes. Enquanto isso, a população sofre com os efeitos do clima. Muita gente perdeu suas casas nas enchentes, escolas fecharam, cidades inteiras ficaram alagadas e não existem políticas para lidar com isso na raiz do problema. Foi aí que a gente percebeu que isso precisa mudar, e com certa urgência”, lamenta Celina, que é bióloga e ativista climática.

Celina Pinagé, uma das lideranças do Instituto Capuaã.

A partir dessa indignação, o grupo lançou a campanha “O Amazonas tá Cheio!” para mobilizar a sociedade amazonense, em especial a juventude indígena, periférica e negra, para discutir as mudanças no clima e como as tragédias ambientais podem estar relacionadas às escolhas políticas que a população faz nas urnas.

“A gente começou a olhar para as eleições como uma forma de fazer a mudança. Queremos eleger deputados estaduais e federais que se comprometam com um mandato popular, participação pública, escuta ativa e justiça climática”.

A gente começou a olhar para as eleições como uma forma de fazer a mudança. Queremos eleger deputados estaduais e federais que se comprometam com um mandato popular, participação pública, escuta ativa e justiça climática

Celina Pinagé, de 23 anos, bióloga e ativista climática

Hora da ação

Em meados deste ano, o Instituto Capuaã aprovou um edital pela Agência Purpose, no programa Inovação e Aceleração na Região Amazônica (Iara), para garantir apoio para que dez movimentos sociais do Amazonas, Pará, Amapá, Tocantins e Maranhão tirem do papel suas propostas para uma Amazônia mais democrática e sustentável.

Os coletivos atuam junto às suas comunidades buscando soluções para problemas causados pela devastação ambiental e o mau uso do dinheiro público. O programa busca fortalecer esses grupos em um momento decisivo para a região, cuja população vai às urnas neste domingo (2) renovar seus quadros políticos.

Ao apoiar essas iniciativas, a Purpose quer chamar a atenção para a importância do voto como ferramenta de combate aos  problemas típicos da Amazônia, entre eles o desmatamento, as queimadas, a poluição do ar e dos rios e a violência contra populações tradicionais e ativistas.

A gerente de estratégias da Purpose, Ana Clara Toledo, explica que a região amazônica foi escolhida para inaugurar o projeto por ter um papel central sobre as questões relacionadas às mudanças do clima e suas consequências sociais e econômicas, já sentidas em várias partes do mundo, inclusive no Brasil.

Ana Clara Toledo, gerente de estratégias da Purpose

“Colocamos nossas experiências e estruturas à disposição dos grupos para apoiá-los na construção de soluções inovadoras para os desafios que suas comunidades enfrentam. Apesar da importância da Amazônia para o planeta, debates e estratégias em busca de soluções para o bioma não incluem vozes locais. Por isso, o programa foi criado justamente para potencializar os grupos que já atuam localmente”.

A parceria envolve apoio logístico e financeiro, além de formações sobre como fazer projetos, campanhas e o diagnóstico dos impactos positivos dessas atividades nas comunidades. A forma de garantir a segurança dos territórios urbanos e rurais também integra a ação.

 ‘Que clima é esse?’

Vem de Santarém, interior do Pará, outra iniciativa contemplada. Criado em 2009, em protesto contra a Usina Hidrelétrica São Luiz, o Movimento Tapajós Vivo atua em defesa da bacia e das nascentes de um dos mais importantes mananciais do estado, o Tapajós, e das comunidades banhadas por ele.

Atualmente, a entidade desenvolve ações de educação socioambiental com as populações urbanas e rurais de Santarém, além da formação política de potenciais lideranças. Com o apoio logístico e financeiro, os militantes do Tapajós Vivo puderam intensificar sua atuação com o projeto “Que Clima é esse, Tapajós?”, iniciado em agosto deste ano.

“Mobilizamos jovens para que entendam que a política afeta diretamente suas vidas no território, por isso a importância de votar em candidatos que pautem o meio ambiente. É uma atuação em defesa não só do rio, mas também do bem-viver das pessoas, porque o ambiente em que elas vivem vem sendo muito afetado pelas queimadas, desmatamento e garimpo”, pontua a militante Karolina Sampaio, de 22 anos.

Mobilizamos jovens para que entendam que a política afeta diretamente suas vidas no território, por isso a importância de votar em candidatos que pautem o meio ambiente.

Karolina Sampaio, 22 anos, do Movimento Tapajós Vivo

“Nas atividades, a gente fala de mudanças climáticas, defesa dos territórios e das transformações sociais que vêm ocorrendo na região a partir do contexto ambiental”, continua a jovem, que acrescenta que as ações continuam mesmo após o pleito, para que o público perceba “que o meio ambiente deve sempre estar associado às suas decisões do dia a dia”.

Divulgação
Grupo do coletivo Ponta de Lança, do Amazonas, formado por mulheres negras e periféricas

Os outros projetos

  • Também recebeu apoio a campanha “Vote pelo MA.TO.”, do Coletivo Desenvolvimento e Juventude (Cdjuv), formado por entidades do Maranhão e Tocantins. A proposta é abordar, por meio de ações culturais, a falta de representatividade de jovens periféricos na política e incentivar o voto em candidatos comprometidos com os direitos humanos e o meio ambiente.
  • Foram contempladas ainda três iniciativas do Amapá. A “Bosque Firme no Bailique”, da Associação Gira Mundo, pressiona os candidatos ao governo do estado a reconstruírem uma escola sustentável que ruiu devido à erosão e ao abandono pelo poder público.
  • Os constantes apagões nas periferias do estado mobilizaram jovens do coletivo Utopia Negra Amapaense a criar o projeto “Acende a luz, Amapá”, que discute, por meio de oficinas, as causas e consequências da crise energética pela perspectiva ambiental e racial.
  • Já a campanha “Aldeias Políticas: Ancestrallizando o Voto, Florestalizando as Urnas”, da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (Apoianp), quer conscientizar indígenas a identificarem candidatos comprometidos com as causas ambientais. Para isso, investe na produção de conteúdos digitais como podcasts, vídeos e campanhas.
  • Trocas de saberes sobre meio ambiente, clima e ervas medicinais são tema das rodas de conversas e oficinas de política da campanha “Aquilombar é Preciso”, da Rede Jandyras, do Pará, que também integra o grupo de coletivos. O objetivo é superar a distância social e política imposta às populações quilombolas.
  • Também do Pará, a campanha “Di Rocha: Tapajós sem Potoca”, da Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Santarém (AMTR), quer combater as fake news com informações qualificadas em prol de uma eleição ambientalmente justa.
  • A crise climática e a falta de informações qualificadas sobre política e meio ambiente mobilizou jovens do Pará em outro projeto, o “Mó Climão”, do Gueto Hub, que visa formar uma rede de ativistas pelo clima nos bairros Jurunas e Condor, em Belém, capital paraense.
  • Por fim, o coletivo Ponta de Lança, do Amazonas, formado por mulheres negras e periféricas, recebeu apoio para a campanha “Rede Jurema Ancestralidade e Incidência Política”, que cobra das autoridades e candidatos políticas públicas para comunidades e territórios nas margens de Manaus.

Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.

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