Entre 2020 e 2022, foram registrados 202 assassinatos de defensores da Amazônia na Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador e Peru, segundo relatório produzido por organizações nos cinco países. A violência é maior na Colômbia, seguida por Brasil.

Nos últimos três anos, os assassinatos de defensores da Pan-Amazônia cresceram por razões de violência que incluem a ação de narcotraficantes, militares e garimpeiros é o que aponta o  relatório “Assassinatos na Pan-Amazônia”, produzido por organizações de direitos humanos do Brasil, Equador, Peru, Bolívia e Colômbia e organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Entre janeiro de 2020 e julho de 2022, foram 202 pessoas assassinadas por defenderem seus territórios, em sua maioria homens camponeses. 

Deste total, 62 assassinatos (30%) ocorreram no Brasil, 18 (8%) no Peru, um no Equador e um na Bolívia. A Colômbia foi o país com o maior número de casos, com 120 mortes registradas (59%). Os dados de 2022 foram coletados entre janeiro e julho deste ano, quando somente a Colômbia registrou 25 assassinatos, e o Brasil 18. 

Antes, as organizações já tinham produzido um atlas em que reuniram os conflitos socioterritoriais ocorridos entre 2017 e 2018. Nesse período, foram 80 assassinatos no Brasil, 36 na Colômbia e nove no Peru. A Bolívia não registrou assassinatos e o Equador não tinha entrado no mapeamento. 

A geógrafa Patrícia Rocha Chaves, do Grupo de Pesquisa e Extensão sobre Terra e Território na Amazônia (Gruter), da Universidade Federal do Amapá (Unifap), integrou a equipe de produção do relatório e explica que a violência no campo no Brasil é motivada pelo avanço de atividades agropecuárias, ações de grileiros e madeireiros e pela falta de ação dos órgãos de segurança e fiscalização ambiental dos estados e do Governo Federal.

“No Brasil, existe o avanço da agricultura e da pecuária, da mineração, dos projetos hidroelétricos e da extração ilegal de madeira. Além disso, temos o problema fundiário nacional com uma ausência de reforma agrária que estimula a grilagem e concentração de terras e a violência sob formas jurídicas e de legislação”, diz.

O estado com mais mortos

O Maranhão é o estado da Amazônia Legal brasileira que mais se destaca quando se fala em violência. De acordo com o relatório, foram 36 assassinatos durante o período. A Comissão Pastoral da Terra (CPT), que organiza o relatório, tem feito denúncias constantes de violências que ocorrem no estado. Em 2021, nove pessoas foram assassinadas, todos trabalhadores rurais em conflito com invasores. Em fevereiro deste ano, o InfoAmazonia contou que camponeses no leste do Maranhão passaram a acusar de intimidação um sojicultor com histórico de multas ambientais e também um secretário do município de Brejo. 

“As mortes no Maranhão são mais por invasores de terra e elas têm se aprofundado, está havendo uma penetração da violência na região. Os invasores cresceram em número e estratégia, essa é a maior diferença nos últimos anos e se reflete também contra os povos indígenas”, diz o padre Josep Plans, da CPT. 
Outro caso no Maranhão que assustou lideranças indígenas foram os assassinatos do Guardião da Floresta Janildo Oliveira Guajajara e de Jael Carlos Miranda Guajajara, em 3 de setembro deste ano, portanto fora dos 36 assassinados que constam no relatório, ainda sob investigação. Em entrevista ao InfoAmazonia, o líder Auro Guajajara disse que os assassinatos comprovam que os indígenas estão “sendo perseguidos e mortos covardemente”.

Crimes e punições

O relatório cita como os casos mais emblemáticos de 2022, os assassinatos do jornalista Dom Phillips e  do indigenista Bruno Pereira, ocorrido na Terra Indígena Vale do Javari, em junho deste ano. Eles foram mortos, esquartejados e enterrados, após Bruno sofrer ameaças de invasores envolvidos com pesca ilegal dentro do território. O crime teve grande repercussão sendo acompanhado pela imprensa nacional e internacional, levando a prisão dos executores do crime em semanas, algo que não é frequente nos casos envolvendo assassinatos de defensores da Amazônia.

Associação Kanindé
Ari Uru-Eu-Wau-Wau foi morto em 2020 e o suspeito de assassinato só foi preso em 2022 Foto: Gabriel Uchida/ Associação Kanindé

Em abril de 2020, o líder Ari Uru-Eu-Wau-Wau, da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, foi encontrado morto com sinais de agressões físicas. O suspeito pelo crime só foi preso em julho deste ano, mas a polícia não revelou sua identidade e nem divulgou a motivo do assassinato. Por isso, entidades indígenas de Rondônia continuam exigindo justiça para o caso, que não foi elucidado. Ari era liderança do povo e envolvido na luta pelo território. 

O ano de 2020 também foi marcado pelo “Massacre do rio Abacaxis”. Em 3 de agosto, dois indígenas Munduruku, Josimar Moraes Lopes e Josivan Moraes Lopes, foram mortos em ação policial no município de Nova Olinda do Norte, no Amazonas. A justificativa era de que os policias estavam em uma ação de combate ao tráfico de drogas. A operação ocorreu dias após o ex-secretário do Fundo de Promoção Social do Governo do Amazonas, Saulo Moysés Rezende, ter sido atingido por um disparo enquanto praticava pesca ilegal na região. Nenhum responsável foi punido até o momento. 

Acordo de paz e assassinatos

Na Colômbia, país com mais casos de assassinatos de defensores da Amazônia, o clima é de tensão, medo e frustração, após um Acordo de Paz “malsucedido, que, apesar de resultar na diminuição do número de conflitos, ainda não conseguiu o objetivo de cessar a violência”. É o que avalia Olga Suárez, coordenadora da Associação Minga de Direitos Humanos. Ela explica que o país passa por uma grave crise política. 

“Os efeitos negativos das condições sociais, econômicas e políticas do país tornam-se mais evidentes nos territórios que fazem parte da Amazônia, onde o conflito armado se manifestou com grande intensidade e onde, após o abandono das armas pelas  FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), surgiram novos grupos violentos que disputam o controle do local”, diz. 

Em 2016, o governo da Colômbia assinou um Acordo de Paz com as ex-Farc. O acordo previu a devolução de terras por uma reforma rural, que ainda não ocorreu. Segundo Olga, a falta dessa reforma é o que tem gerado a maior parte dos conflitos. “As organizações sociais são cada vez mais pressionadas por grupos armados ilegais que surgiram no processo de paz fracassado. A disputa territorial dos novos grupos pode levar a confrontos em que a população é forçada a sair de suas terras e muitas vezes morta. As lideranças estão sendo perseguidas”, explica. 

Foto: Divulgação/ Cospacc
Marco Rivadeira, líder camponês morto por defender aldeias na Colômbia Foto: Divulgação/ Cospacc

Em março de 2020, o líder camponês Marco Rivadeira foi assassinado a tiros. Ele participava do movimento social Congresso dos Povos, da Coordenação Nacional Agrária (CNA) e era presidente da Associação Camponesa de Puerto Asís, em Putumayo, na região sul do país. Antes da sua morte, Marco estava organizando a Mesa de Coordenação da Transformação Produtiva do Corredor Puerto Vega-Teteyé em Puerto Asís, um movimento que reuniu entidades de direitos humanos em que as lideranças passaram a visitar as comunidades  da região para mapear e promover debates sobre os problemas locais, causados pela ausência do Estado na mediação dos conflitos de terra. Foi em uma dessas visitas que homens encapuzados mataram a tiros o camponês. 

Estávamos sempre a acompanhá-lo ao sol e à sombra, para que nada acontecesse com ele. Muitas vezes, para resguardar sua vida, insistimos para ele deixar o território. Ele nunca concordou

Olga Suárez, coordenadora da Associação Minga de Direitos Humanos.

“Ele era um camponês falador, endurecido pelos anos, pela vida, pela experiência, pelas lutas sociais que acumulou nas costas, pela busca de melhorar as condições dos camponeses do Putumayo. Estávamos sempre a acompanhá-lo ao sol e à sombra, para que nada acontecesse com ele. Muitas vezes, para resguardar sua vida, insistimos para ele deixar o território. Ele nunca concordou”, diz Olga. 

Peru

No Peru, a maioria das 18 mortes são atribuídas a narcotraficantes e os indígenas são as maiores vítimas. “O povo indígena Kakataibo, localizados entre as regiões de Huánuco y Ucayali, está recebendo mais ameaças, como aumento do narcotráfico em seu território, agravado pela falta de segurança jurídica em suas terras desde abril de 2020 até julho de 2022”, diz o relatório.

Luta e garantia de direitos

As organizações de direitos humanos responsáveis pelo relatório acreditam que para reduzir os casos de assassinatos na região, é preciso garantir direitos e cobrar o compromisso de defesa da floresta de cada um dos governos da região. A criação de políticas públicas de defesa dos defensores também é uma das propostas. No Brasil, a necessidade é que os órgãos ambientais tenham maior papel de proteção e fiscalização, avaliam. 

“Estamos convencidos de que esses números podem cair se, a partir do novo governo de Gustavo Petro, as condições mudarem e existirem para esses territórios os programas e projetos de um Estado que garanta direitos”, explica Olga Suárez. 

A CPT afirma que para avançar com a segurança de defensores é necessário demarcar terras indígenas e discutir soluções para os assassinatos que já ocorreram. “Precisa demarcar terras indígenas e quilombolas, falta segurança policial e jurídica. Tem que discutir o que já ocorreu, como o caso do rio Abacaxis, que nenhuma nova política de pesca esportiva foi implementada no território do povo Munduruku. Depois, precisa acabar o incentivo à grilagem de terra, os povos estão sendo expulsos de seus territórios de forma violenta”, afirmou  Josep. 

No relatório, as organizações dizem que o crime organizado precisa ser combatido em várias escalas, porque envolve a presença de muitos atores sociais. “Os assassinatos são consequências de agressões cada vez mais intensas do crime organizado, que associam interesses militares, empresariais, do tráfico e dos saqueadores dos recursos naturais”, diz.

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Jullie Pereira

Repórter na InfoAmazonia em parceria com a Report for the World, que combina redações locais com jornalistas emergentes para reportar sobre questões pouco cobertas em todo o mundo. Jullie nasceu e...

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