Com a chance de Bolsonaro não se reeleger, infratores ‘correm’ para derrubar a floresta antes de 2023, explica especialista. Agosto teve o terceiro maior índice de desmatamento da série histórica do Deter-B e, ainda, registrou o maior número de focos de queimadas dos últimos 12 anos.
A devastação na Amazônia Legal brasileira segue em ritmo acelerado. Agosto confirmou a tendência de aumento observada ao longo do ano, com mais de 1.660 km² de florestas derrubadas. Esse é o pior agregado mensal de 2022 e o terceiro pior da série histórica do Deter-B: O Deter é o programa do Inpe que auxilia o trabalho do Ibama e outros órgãos de fiscalização ambiental com a emissão de alertas de desmatamento. A ferramenta foi lançada em 2004, mas teve uma importante atualização em 2015, quando passou a se chamar Deter-B., o sistema de alertas de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Em relação ao mesmo mês do ano passado, houve uma explosão de mais de 80% na área desflorestada em agosto de 2022. As derrubadas foram também 12% maiores que julho deste ano, até então o mais devastado do ano.
Esses números alarmantes de desmatamento em agosto coincidem com o avanço de outra prática igualmente danosa ao meio ambiente: as queimadas. Nas últimas semanas, “nuvens” de fumaça cobriram os céus da Amazônia e elevaram o nível de poluição do ar em várias cidades.
Em agosto de 2022, os satélites monitorados pelo Inpe registraram a maior quantidade de focos de calor dos últimos 12 anos para o mesmo período, com mais de 39 mil alertas nos estados da Amazônia. O número é 10% maior que o registrado em agosto do ano passado. O Pará foi o estado que mais queimou, concentrando 31,6% dos focos, seguido pelo Amazonas (20,6%) e Mato Grosso (19,5%).
A professora e pesquisadora da Universidade Federal do Acre (Ufac), Sonaira Silva, que monitora o fogo e a poluição do ar no estado pelo Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (LabGama), explica que os as queimadas estão diretamente ligadas ao desmatamento e tendem a explodir em agosto e setembro, no auge da seca.
“Na Amazônia, o fogo acontece, basicamente, por duas grandes causas: limpeza de área desmatada e renovação de terras agrícolas, como pastagem e agricultura, seja ela familiar ou de grande escala. Então quando há aumento do desmatamento, automaticamente também ocorrem mais queimadas na região”.
De acordo com o Inpe, do total de focos (33 mil) identificados em agosto apenas no bioma Amazônia, 84% (quase 28 mil) se deram em áreas desmatadas, sendo 66.7% (22 mil) em terras recém-desflorestadas – “ainda com aquele monte de árvores no chão”, explica Sonaira. A outra parte aconteceu em áreas de desmatamento já consolidado em pastagem ou agricultura. Foram detectados ainda mais de 3 mil focos em vegetação primária e 1,5 mil em vegetação secundária: Flora que ocupa de forma natural ou estimulada o espaço físico-ecológico que foi desmatado, convertido ou degradado..
Sonaira explica que as queimadas acontecem principalmente em áreas sem destinação fundiária definida, projetos de assentamento agrícola e propriedades particulares.
Dados desde janeiro
Entre janeiro e agosto deste ano, mais de 7.000 km² de florestas foram ao chão na Amazônia. Esse é o maior número já detectado pelo Deter para o período, ultrapassando os 6.000 km² registrados nos oito primeiros meses do ano passado. O Pará encabeça o ranking do acumulado do ano, com 2.300 km² de matas perdidas. O estado lidera ainda a lista dos mais desmatados em agosto, com quase 700 km².
O ex-diretor do Inpe Gilberto Câmara, que implantou o sistema Deter no órgão, lembra que o agravamento do desmatamento na região começou durante o mandato do presidente Jair Bolsonaro (PL). “Os números nos dão essa certeza”, afirma.
A reportagem apurou que os 12 períodos mais críticos de toda a série histórica do atual sistema de detecção (Deter-B) se deram no governo Bolsonaro, com destaque para julho de 2019 (2.250 km²), agosto de 2019 (1.700 km²) e o recente agosto de 2022 (1.660 km²).
Câmara atribui esse aumento, entre outros fatores, ao desmonte dos órgãos de controle no país: “A fiscalização é a forma com que se pune, através de multa ou queima de equipamento, quem está fazendo a coisa ilegal. Mas o Ibama não está agindo, então dá para cortar o que quiser e como quiser porque os infratores têm a certeza da impunidade”.
Eleições impulsionam o crime ambiental
O ex-diretor do Inpe afirma que o Deter tem, mês a mês, dado indícios de que a Amazônia caminha, em 2022, para o maior índice de desmatamento dos últimos 16 anos. Os dados irão constar no consolidado anual do Inpe, medido pelo Prodes: Projeto para o mapeamento oficial das perdas anuais de vegetação nativa na Amazônia Legal. (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite).
A possibilidade de o desmatamento voltar a patamares já superados e o aumento expressivo nas queimadas também podem ter relação com as eleições de outubro deste ano. Para o cientista, a possível derrota de Bolsonaro (PL) para Lula (PT), prevista em todas as pesquisas de intenção de voto até aqui, tem provocado uma corrida contra o tempo por parte dos infratores ambientais, que aceleraram as práticas ilegais de grilagem: Ocupação ilegal de terras públicas por meio da falsificação de documentos. e desmatamento enquanto ainda vivem sob um governo que não fiscaliza e nem pune.
“Você tem de um lado um governo que nega o desmatamento e segura os órgãos de controle. Do outro, há a perspectiva de um mandato com chances reais de vitória que promete zerar o desmatamento ilegal. É óbvio que, diante desse cenário, um especulador de terras vai tentar grilar o máximo que puder antes que volte a política de fiscalização. É isso o que estamos vendo, principalmente, em áreas que estavam preservadas até pouco tempo atrás”.
As áreas às quais Câmara se refere estão localizadas no sul do Amazonas, leste do Acre e noroeste de Rondônia, na região conhecida como Amacro. Nos últimos anos, esse território interestadual se tornou a nova fronteira do desmatamento na Amazônia devido a um projeto de torná-lo um grande polo de agronegócio. Em 2021, quase 21% da devastação na Amazônia aconteceu nos municípios que integram essa zona, segundo o MapBiomas: Rede colaborativa, formada por ONGs, universidades e startups de tecnologia que produz o mapeamento da cobertura e uso do solo, além de monitorar a superfície de água e as cicatrizes de fogo mensalmente. .
Essa região também tem se tornado foco constante de incêndios florestais. Em agosto, o InfoAmazonia sobrevoou a região da Amacro e registrou vastas áreas incendiadas. A pesquisadora Sonaira Silva explica que o território concentra várias terras sem regularização fundiária, o que as tornam atrativas para o crime ambiental. “É nessa região que a gente vê o desmatamento disparar. E lá vão continuar queimando até o final de outubro, quando termina o período mais crítico dos incêndios”.
Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.