Relatório inédito analisou atuação de nove grandes mineradoras com atividades que impactam diretamente sobre territórios protegidos da Amazônia, ou que mantêm ativos projetos com interesses nessas áreas.
Os bancos norte-americanos são os principais financiadores de mineradoras com atividades que impactam diretamente terras indígenas na Amazônia. Juntas, as gestoras Capital Group, BlackRock e Vanguard investiram USD 14,8 bilhões em nove gigantes do setor de mineração com atuação na amazônia brasileira. As informações estão na quarta edição do relatório “Cumplicidade na Destruição”, lançado nesta terça-feira, 22, pela organização Amazon Watch em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e que faz um apelo para os riscos que essas empresas oferecem aos povos indígenas e à preservação da floresta.
O relatório detalha a atuação das mineradoras Vale, Anglo American, Belo Sun, Potássio do Brasil, Mineração Taboca/Mamoré Mineração e Metalúrgica (ambas do Grupo Minsur), Glencore, AngloGold Ashanti e Rio Tinto, todas com requerimentos ativos na Agência Nacional de Mineração (ANM) sobrepostos, ou com impactos diretos, em territórios indígenas. Considerando o valor total dos empréstimos, subscrições, investimentos em ações e em títulos, essas mineradoras receberam USD 54,1 bilhões em financiamentos de bancos do Brasil e do exterior.
A lista das instituições financeiras também inclui participação do banco francês Crédit Agricole, do alemão Commerzbank, do SMBC Group, do Japão e do conglomerado Citigroup e Bank of América, estes últimos também dos Estados Unidos. Instituições financeiras brasileiras como o fundo de pensão Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI) e o Bradesco também aportaram grandes volumes de recursos nestas mineradoras.
Apesar de algumas das principais mineradoras em atuação no país terem prometido publicamente retirar pedidos minerários em terras indígenas, onde a atividade segue proibida pela Constituição do Brasil, dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) mostram mais de 2,6 mil requerimentos ativos com sobreposições ou interferência direta em 214 terras indígenas na Amazônia. Em novembro, quando as organizações analisaram os dados financeiros dessas multinacionais, eram 2.478 requerimentos minerários em nome de 570 empresas.
O relatório destaca a expectativa em torno da abertura de terras indígenas para a mineração industrial e o garimpo, que tramita no Congresso. Alvo de forte lobby em Brasília, e anunciado como projeto central do governo de Jair Bolsonaro (PL), o projeto representa imensos riscos para a preservação do meio ambiente e direitos de comunidades indígenas e tradicionais. À reboque dos acenos federais, os legislativos estaduais já têm tentado aprovar suas próprias medidas para flexibilizar o licenciamento do garimpo e da mineração.
Dentre as regiões na mira dos investidores encontram-se áreas de grande importância ambiental na floresta amazônica, como a região do Tapajós e de Alta Floresta (Juruena-Teles Pires), no norte do Mato Grosso e sul do Pará.
As terras indígenas mais afetadas pelos requerimentos são ocupadas pelos povos Kayapó, os Waimiri Atroari, Munduruku, Mura, Parakanã, entre outras. Pelo menos cinco requerimentos dessas mineradoras estão em áreas onde vivem indígenas em isolamento voluntário, da etnia Apiaká.
O interesse dos grandes bancos de investimentos do mundo parece claro ao mirar somente a riqueza que essas mineradoras anunciam em seus portfólios, usados tanto na captação de novos investidores como no financiamento de megaprojetos.
O aumento do preço das commodities minerais, como o minério de ferro e o cobre, impulsionaram um novo “boom” no setor e permitiu que as maiores mineradoras do mundo atingissem, pela primeira vez, a marca de 1,4 trilhões de dólares em valor de mercado.
Os resultados fazem com que bancos e gestores de investimentos “continuem considerando que investir em mineração é um negócio lucrativo”, apontam a AW e a Apib.
“A mineração em terras protegidas na Amazônia, como as terras indígenas, deveria estar fora de questão, principalmente em um contexto de grave crise climática. O que o Cumplicidade na Destruição mostra é que as maiores mineradoras do mundo estão muito longe de assumir esse compromisso. E o grande capital internacional segue inabalável na sua confiança nessas empresas, impondo controles mínimos (ou nulos) a atividades que além de resultarem num passivo socioambiental imensurável, são responsáveis por violações sistemáticas de direitos”, afirma Rosana Miranda, consultora de campanhas da Amazon Watch. Segundo o relatório, o PL 191/2020, que pode liberar a mineração e o garimpo em terras indígenas, pode causar a perda de 160 mil km² de floresta na Amazônia, área maior que a superfície da Inglaterra.
Projetos contestados na Justiça brasileira
O relatório fez um mapeamento de todos os requerimentos de mineração registrados na ANM com base nas análises do projeto Amazônia Minada, do InfoAmazonia, e identificou, em novembro de 2020, que haviam 2.478 pedidos minerários ativos sobrepostos a 261 terras indígenas. Esses processos estão em nome de 570 mineradoras, associações de mineração e grupos internacionais que requerem explorar uma área de 10,1 milhões de hectares, quase o tamanho da Inglaterra.
Junto com o relatório, também foi lançado, em parceria com o InfoAmazonia, o painel interativo com os dados do projeto Amazônia Minada, que permite consultar a situação de todos os requerimentos minerários em terras indígenas e unidades de conservação na Amazônia Legal.
A análise das organizações se debruçou especialmente sobre 225 requerimentos minerários ativos com sobreposição em 34 terras indígenas envolvendo as nove empresas citadas no relatório e seus principais financiadores. São pedidos em diferentes estágios, que vão desde projetos de pesquisa a minas em pleno funcionamento, todas com impactos sobre territórios indígenas. Algumas dessas empresas já foram acionadas na Justiça, tanto pelos danos ambientais e sociais já causados, ou por riscos anunciados em seus projetos ou violações dos direitos indígenas.
O documento detalha casos como o projeto Onça Puma, da mineradora Vale, que explora níquel ao lado do rio Cateté desde 2011 com impactos diretos aos povos Xikrin e Kayapó. A comunidade local trava uma batalha judicial que se arrasta há anos e que denuncia a contaminação das águas do Cateté com metais pesados.
A Vale lidera o número de requerimentos entre as empresas analisadas e com impactos em terras indígenas na Amazônia, são 75 pedidos ativos na ANM. A Vale também é a mineradora que mais atraiu investimentos de bancos nacionais e internacionais para suas atividades em solo brasileiro. Segundo dados do relatório, a mineradora captou US$ 31,7 bilhões em títulos e ações e mais de US$ 4 bilhões em financiamentos. A BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, o Bank of America, a Capital Group e a Vanguard, estão entre os principais investidores e financiadores da mineradora
Em maio de 2020, a mineradora foi excluída da carteira de investimento do Fundo Soberano da Noruega com o argumento de que suas operações oferecem danos ambientais graves. A própria ANM foi forçada a suspender vários processos minerários, de diferentes mineradoras, a partir de decisões judiciais pedidas pelo Ministério Público Federal.
Em setembro do ano passado, a Vale anunciou que devolveria todos os requerimentos de pesquisa e lavra com interferência em terras indígenas. Pouco mais de um mês após o comunicado, a multinacional brasileira protocolou novos pedidos para explorar áreas contíguas à Terra Indígena Xikrin do Rio Cateté, no Pará, onde vivem os Xikrin e os Kayapó, e que já são impactados pelo Projeto Onça Puma, como informou o InfoAmazonia. A empresa é acusada pela poluição do rio Cateté com metais pesados que impactam diretamente os Xikrin e os Kayapó. A Vale nega que o Onça Puma cause os impactos citados pelos indígenas e pelos estudiosos. Mesmo assim, em novembro de 2020, o Ministério Público Federal (MPF), a Vale e os povos indígenas Xikrin e Kayapó firmaram acordo para discutir a poluição no rio Cateté.
A BlackRock também investiu em ações da Anglo American, Rio Tinto, AngloGold Ashanti e Glencore. Já a Capital Group, uma das maiores e mais antigas gestoras de investimentos dos Estados Unidos, concentra recursos na Vale e Rio Tinto, segundo maior investidor das duas companhias.
O grupo Minsur, um dos principais produtores de estanho do mundo, e que desde 2020 assumiu as operações da Mineração Taboca e a Mina Pitinga, no Amazonas, recebeu US$ 114 milhões em financiamento do Bank of America. Recentemente, um vazamento de rejeitos de estruturas da Taboca atingiu rios dentro da Terra Indígena Waimiri Atroari .
Credores e investidores
A quarta edição do relatório dividiu a análise de gestoras financeiras e bancos com participação na mineração brasileira em dois grupos, os financiadores, que oferecem créditos e linhas de financiamentos, e os investidores, que são aqueles que detém efetivamente participação acionária nas empresas.
As nove mineradoras analisadas receberam US$ 12,2 bilhões a título de empréstimos, entre 2015 e 2021. Já os investimentos diretos chegam a US$ 41,9 bilhões em ações e títulos atribuíveis às atividades no Brasil, com dados de outubro do ano passado.
Entre os principais investidores em ações e títulos nas nove mineradoras analisadas está o fundo de pensão brasileiro Previ - Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil, com US$ 7,4 bilhões, seguido pela gestora de recursos americana Capital Group, com US$ 7 bilhões e pela BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, com quase US$ 6,2 bilhões de dólares em títulos e ações dessas empresas. A gestora Vanguard tem cerca de US$ 1,6 bilhões investidos em ações nessas empresas.
Entre os credores, o relatório destaca ainda a participação do banco francês Crédit Agricole, com US$ 698 milhões de dólares em empréstimos e subscrições para cinco das nove mineradoras analisadas, seguido de perto pelo Bank of America (US$ 670 milhões) e do alemão Commerzbank (US$ 668 milhões). A lista dos maiores financiadores das mineradoras com riscos iminentes aos povos indígenas brasileiros ainda inclui o Conglomerado Citigroup, também dos Estados Unidos, e o SMBC Group, do Japão.
O levantamento das movimentações financeiras foi realizado pelo Profundo Research and Advice, que analisou financiamentos e investimentos entre 2015 e outubro de 2021.
O projeto da canadense Belo Sun, com ações listadas na Bolsa de Toronto, e que pretende implantar a maior mina de ouro a céu aberto do país na Volta Grande do Xingu (PA), também é detalhado no relatório. O projeto é alvo de sete ações pedindo a nulidade de licenças e a suspensão do Licenciamento Ambiental. Pelo menos 11 requerimentos da Belo Sun impactam nas terras indígenas Arara da Volta Grande do Xingu e Trincheira Bacajá. Mesmo assim, a empresa recebeu US$ 144 milhões através de empréstimos e investimentos diretos de bancos internacionais.
O documento ainda cita o projeto da Brazil Potash, também canadense, que opera as intenções da subsidiária Potássio do Brasil para implantar uma mina em Autazes, no Amazonas, e que afetariam diretamente áreas das TIs Jauary e Paracuhuba, com riscos enormes a essa região, em especial, o de contaminação de fontes de água.
Mesmo com as atividades suspensas por força de decisão da Justiça Federal, que obriga a empresa a realizar a consulta livre, prévia e informada das comunidades atingidas como prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a empresa descumpriu ordens da Justiça brasileira e omitiu informações para abertura de capital na Bolsa Americana, como mostrou nossa reportagem em maio do ano passado.
O documento aponta que a mineração na Amazônia causou um aumento de 62% no desmatamento entre 2018 e 2021. Além disso, a atividade é responsável por até 28% dos gases de efeito estufa lançados globalmente. Enquanto isso, casos de contaminação das águas, solos e aumento de problemas de saúde diversos dos povos indígenas se multiplicam.
“É preciso questionar e colocar um fim a esse modelo de extração mineral que concentra os lucros em cada vez menos mãos e responsabilizar esses atores que ameaçam o futuro da Amazônia. As mesmas cinco ou seis instituições financeiras internacionais são responsáveis por mais de 50% dos investimentos”, emenda Rosana.
Nesta quarta edição do relatório, as organizações direcionam pedidos às empresas, gestoras financeiras e bancos, ao governo brasileiro e a comunidade internacional cobrando o comprometimento com os direitos dos povos indígenas e com ações que mitiguem os impactos ambientais causados pela mineração.
Desde a terceira edição do relatório, lançado em 2020, o número total de requerimentos de mineração com impactos sobre as terras indígenas caiu quase pela metade.
Em 2021, além da Vale, a Anglo American também anunciou a desistência formal de pedidos para minerar em terras indígenas. “Apesar do setor atuar para assumir compromissos formais de responsabilidade socioambiental, seu modelo de operação segue insustentável, incompatível com a proteção de ecossistemas críticos, como a Amazônia, e dos povos que os habitam. As gigantes do setor, seus financiadores, os governos que regulam a atividade e todos os atores dessa cadeia precisam aumentar seus esforços para mudar esse cenário”, destacam as organizações no relatório que será encaminhado às autoridades brasileiras.
No capitalismo a regra é: VALE tudo!