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De olho no cobre de terras indígenas, Anglo American falha em consultar povos Munduruku

A mineradora Anglo American fez três requerimentos de pesquisa de cobre em terras indígenas protegidas da Amazônia sem consultar os povos afetados, afirma líder indígena à Unearthed, site de jornalismo investigativo ligado ao Greenpeace.  

A gigante inglesa fez os requerimentos sobre território de povos Munduruku em 2019 na Agência Nacional de Mineração (ANM). Porém, qualquer atividade mineradora de pesquisa ou exploração em terras indígenas é ilegal no país até que isso seja regulamentado pelo Congresso, conforme prevê a Constituição brasileira.

Como membro fundador do Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM, na sigla original em inglês), a Anglo American é signatária da Declaração dos Povos Indígenas e Mineração, que prevê que as empresas associadas devem procurar consentimento de projetos “em terras que tradicionalmente pertencem, ou são de uso comum, a povos indígenas e podem gerar impactos adversos significativos neles”. 

A empresa não nega que tenha feito os requerimentos em terras indígenas, mas afirma que “nunca realizou qualquer atividade” em solo indígena, e que protocolou na ANM a desistência dos requerimentos no dia 27  de janeiro deste ano, após os processos serem revelados pelo projeto Amazônia Minada, do InfoAmazonia. Os pedidos de desistência dos processos da Anglo aparecem no sistema de registros da ANM. 

“Os requerimentos de pesquisa mineral solicitados à ANM baseiam-se, inicialmente, em dados geológicos públicos. Nesta fase, não há atividades de campo”, comunica a empresa em nota.

Requerimentos “Bela Adormecida”

Nos últimos dois anos, sob gestão do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, o Brasil bateu recorde de registros de pedidos de mineração dentro de terras indígenas, o que procuradores do Ministério Público Federal (MPF) na região amazônica costumam chamar de requerimentos “Bela Adormecida”: processos que tramitam na ANM feitos por empresas ou pessoas que aguardam pela aprovação de alguma lei no Congresso que autorize a exploração de terras indígenas.

O projeto Amazônia Minada sobrepõe dados de requerimentos de mineração do sistema da ANM e áreas de terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (Funai). O resultado desse cruzamento de dados é exposto em um mapa interativo e, sempre que um novo requerimento minerário ilegal é feito dentro de TI, uma conta-robô no Twitter posta uma mensagem com informações sobre o pedido. 

Qualquer tipo de atividade mineradora em território indígena é ilegal, mas o Amazônia Minada identificou mais de 2.500 aplicações de mineração ativas na ANM e que estão sobrepostas a terras indígenas na Amazônia. Há processos com sobreposições pequenas, nas bordas de territórios protegidos, e também há pedidos feitos integralmente dentro das terras de povos indígenas. 

Para os pedidos da Anglo American, de acordo com o protocolo de consulta criado pelo próprio Munduruku, bem como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração da ONU sobre direitos indígenas, a empresa deveria ter solicitado formalmente ao governo brasileiro para iniciar um processo de consulta com os Munduruku antes de registrar qualquer projeto que pudesse afetar eles, como os requerimentos de pesquisa minerária encontrados pelo Amazônia Minada. Somente após este processo de consulta a empresa poderia solicitar o “consentimento livre, prévio e informado” do povo Munduruku.

Para a líder indígena Alessandra Munduruku, vice-coordenadora da Associação Pariri, que representa todos os Munduruku no Médio Tapajós, e vice-presidente da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa) afirma que nenhum governante, em nível federal ou estadual, fez contato os Munduruku sobre os requerimentos aplicações. Eles também não foram contatados pela Anglo American.

“Nós nunca aceitaríamos isso”, afirma Alessandra Munduruku.

Após 10 anos sob estudos de identificação, a terra Sawré Muybu teve a sua delimitação publicada em abril de 2016. Desde então, os povos Munduruku aguardam pelo governo federal para o cumprimento das duas fases no processo de reconhecimento da TI: a declaração e o decreto presidencial de homologação do território, algo que não deve ocorrer na gestão Jair Bolsonaro. Alessandra Munduruku diz que essa situação torna a terra Sawré Muybu ainda mais vulnerável à especulação mineradora — mesmo que uma terra indígena não necessite oficialmente ter seu processo de demarcação concluído para estar protegido pela Constituição. 

Rosana Miranda, da ONG Amazon Watch, reforça que a demarcação formal não deveria fazer diferença no nível de proteção que as comunidades indígenas recebem. “Não depende da demarcação, é um direito originário”, ela afirma.

Esses requerimentos não deveriam ter sido admitidos da base de dados da ANM, e, se foram depois disso, a agência deve imediatamente dizer ‘não’ aos pedidos 

afirma Rosana Miranda.

A Anglo American fez outros 19 requerimentos minerários que fazem fronteira com o território Sawré Muybu e, de acordo com o projeto Amazônia Minada, têm pequenas sobreposições. Destes, 12 parecem ter sido suspensos por uma decisão judicial do final do ano passado.

A mineradora informa que esses pedidos, aprovados pela ANM, estão fora dos limites da TI Sawré Muybu. Em nota, a empresa diz que a ação teve como foco a prevenção da mineração legal ou ilegal dentro das áreas das Florestas Nacionais (Flona) Itaituba I e II. A Flona Itaituba I faz fronteira com o território Sawré Muybu; e a Flona Itaituba II se sobrepõe totalmente à TI.

Um presidente do lado dos mineradores

Há muito tempo há frustração na ala direita da política brasileira de que grandes extensões de terras ricas em recursos naturais estão fora dos limites da lei para o agronegócio e as indústrias extrativistas. Em 2017, o então presidente Michel Temer (MDB) tentou permitir a mineração unilateralmente em uma reserva natural amazônica maior que a Dinamarca, chamada Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), mas uma reação internacional o forçou a revogar o decreto.

O atual presidente Jair Bolsonaro capitalizou essas frustrações em uma campanha eleitoral que dividiu o país, a por vezes foi explicitamente antiindígena. Desde que assumiu o poder, em janeiro de 2019, o número de inscrições aumentou drasticamente.

A bacia do Tapajós é um viveiro de mineração ilegal de ouro — Itaituba é conhecida localmente como “cidade pepita” e os moradores locais dizem que essa atividade aumentou com a eleição de Bolsonaro e durante a última fase da pandemia.

“Com a covid-19, isso [mineração ilegal] ficou ainda mais preocupante”, diz Beka Munduruku, uma jovem integrante do povo Sawré Muybu. “Como não estamos saindo muito, eles tiram vantagem para explorar a região.”

Em março, o MPF abriu um inquérito para apurar as falhas de autoridades brasileiras em impedir a mineração ilegal na bacia do Tapajós. 

Mas os requerimentos feitos através de órgãos oficiais estão crescendo também. Em 2020, um total de 143 requerimentos de mineração que afetam terras indígenas foram protocolados, e não rejeitados, na ANM — foi o maior número em 24 anos, quase três vezes o resultado de 2018, último ano antes de Bolsonaro assumir a Presidência. Uma onda de pedidos surgiu depois que Bolsonaro apresentou o projeto de lei 191, em fevereiro de 2020, que prevê a regularização da exploração mineral de terras indígenas, cumprindo assim uma de suas promessas de campanha mais controversas. O projeto de lei estagnou, mas no mês passado Bolsonaro declarou que seria uma de suas prioridades legislativas para 2021.

Ainda mais preocupante, 71 dos 143 pedidos feitos no ano passado foram em terras onde a Funai tem registros da existência de povos indígenas isolados. Algumas comunidades indígenas isoladas têm poucos remanescentes e são altamente vulneráveis, especialmente durante a pandemia de covid-19.

Os requerimentos mais recentes da Anglo American foram feitos entre 2017 e 2019,  e metade teve como alvo o território Sawré Muybu, no sudoeste do Pará. 

Beka Munduruku
ela está distribuindo os resultados das pesquisas q foi feito pela Fio Cruz sobre o mercúrio no sangue

Alessandra Munduruku diz que a comunidade indígena vai continuar resistindo a qualquer atividade comercial no território. 

“De repente tem gente de fora do Brasil querendo explorar a nossa casa? Isso é um absurdo”, acrescentou Alessandra. “Não vamos deixar essa mineradora entrar em nosso território. Nós vamos lutar.”

Em fevereiro, em resposta a uma carta da Amazon Watch e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Anglo American não descartou mineração em terras indígenas, independente de mudanças na legislação brasileira.  

Em nota à Unearthed, a Anglo American informa: “Estamos cientes da difícil história que existe entre os povos indígenas e o setor de mineração. Em muitos casos, a mineração legal e ilegal teve um impacto negativo na vida dessas pessoas e no meio ambiente. No entanto, sabemos que a mineração, quando realizada de forma responsável, pode trazer desenvolvimento sustentável para as comunidades e regiões.”

A mineradora acrescenta: “A empresa sempre respeitará as leis locais e os padrões internacionais e, se eventualmente se envolver com povos indígenas, buscará obter o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) desses povos antes de realizar quaisquer atividades que exijam acesso ao seu território. ”

No entanto, Rosana Miranda, da Amazon Watch, diz que isso significa pouco quanto os dados mostram que a Anglo American pediu permissão, e recebeu em alguns requerimentos, para pesquisar minério em terras onde o acesso é proibido pela Constituição. 

“Quem decide onde [a consulta] começa, é quando já estão trabalhando lá? Ou depois de fazerem a pesquisa?”, diz Rosana Miranda. “Eles nos disseram que sabem que essas aplicações se sobrepõem a terras indígenas, então, se pretendem realizar pesquisas nessa área, por que ainda não consultaram o povo Munduruku?”.

Mesmo que o processo de consulta fosse respeitado, os Munduruku nunca concordariam com a exploração da terra deles para lucro, afirma Alessandra Munduruku. 

Não queremos esse tipo de mineração que vai abrir o nosso território, que vai sujar o nosso rio, que vai fazer a gente perder a nossa liberdade e autonomia, porque quando essas empresas chegam, tudo muda

diz Alessandra Munduruku.

“O futuro não é apenas destruição, o futuro é ter a área de pé, é ter o rio, onde você pode pescar, tomar banho, lavar a suas roupas e onde pode brincar com os seus filhos. Esse é o futuro”.


Esta reportagem faz parte do Amazônia Minada, projeto especial do InfoAmazonia com o apoio do Rainforest Journalism Fund/Pulitzer Center.

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