Sobre o conteúdo ser um dos mais vídeos mais postados em canais e grupos no Telegram, a reportagem enviou perguntas que foram respondidas por e-mail por Lucas Ferrugem, sócio da Brasil Paralelo e diretor do documentário Cortina de Fumaça
1) Como surgiu a ideia de fazer um vídeo sobre meio ambiente no Brasil?
As pautas abordadas em nossos documentários passam por uma longa gestação aqui dentro. A ideia surge e fica engavetada enquanto conversamos sobre ela. Quando nos sentimos confiantes em ter algo novo para falar e fazer um trabalho de qualidade, damos prosseguimento. A preocupação é sempre entregar ideias, valores e sentimentos que contribuam com o debate público na busca da verdade.
2) Como foi o trabalho de produção e pesquisa?
Foram muitos os desafios, e acertar o foco da pesquisa certamente foi um dos maiores. Procuramos fugir das armadilhas narrativas: você pode cair na tentação de querer responder se há ou não aquecimento global. Existe intenso debate científico neste tema e, como diz o gaúcho, é “mato sem cachorro”. Outro desafio foi de conseguir entrevistados qualificados. Queríamos poder contar com depoimentos de diferentes etnias indígenas, não queríamos cometer o erro de falar da questão sem consultá-los. Nossa equipe passou dias nas aldeias e ficamos muito felizes com a lista final do documentário, realmente um trabalho inédito no Brasil. A mesma coisa com diferentes correntes ideológicas e políticas, temos professores de esquerda, co-fundador de partido liberal, ex-ministro da ditadura militar, integrantes do atual governo, integrantes do governo Lula etc.
Todo filme que fazemos, aprendemos novas lições; acho que a importância de ouvir pessoas que discordam da Brasil Paralelo foi muito grande neste filme. Quem assistir vai poder ver que há entrevistas que enriquecem extremamente o material.
3) Um estudo brasileiro mostrou que o vídeo do filme foi um dos mais postados no Telegram em grupos de extrema direita no ano passado. Como vocês montaram essa estratégia de conteúdo? Quanto foi investido?
O enquadramento do filme passa longe do que poderia ser identificado como “extrema-direita”, o conteúdo não é concentrado em um único governo ou período do Brasil. A lista de convidados já é um reflexo desse ponto: há integrantes de diferentes governos da história brasileira e de diferentes espectros políticos. Temos co-fundador e ex-presidente do Greenpeace (Patrick Moore), ex-ministro da Defesa do Governo Dilma (Aldo Rebelo), ex-ministro da Agricultura do Governo Geisel indicado ao Nobel da Paz (Alysson Paulineli), ex-ministro da Agricultura do Governo Lula (Roberto Rodrigues), a atual ministra da Família (Damares Alves), lideranças indígenas, fundadores de ONGs, jornalistas, empresários do agronegócio, entre muitos outros nomes importantes para um debate qualificado.
Sobre o valor investido na produção do documentário, foi algo entre 1 ou 2 milhões de reais, compatível com o tamanho da produção, para pesquisa, tempo dedicado pela equipe, quantidade de horas de viagem, entrevistas etc.
O vídeo foi postado gratuitamente na internet e não temos conhecimento da suposta viralização do conteúdo nos canais de Telegram.
4) Vocês têm conhecimento que, desde o lançamento, há questionamentos sobre a veracidade das informações?
Sobre quais informações há questionamentos? Em qual trecho do documentário? Esse tipo de insinuação sempre ocorre de forma genérica, sem citar qual seria o dado questionado. As informações apresentadas no documentário são acompanhadas da fonte de onde foram obtidas, além de serem de fácil acesso aos interessados que pesquisarem.
5) Vocês acreditam que o vídeo contribui para o debate público no Brasil ou é uma produção que prega para convertidos?
O filme contribui para o debate público, uma vez que apresenta uma visão rica em dados e depoimentos de muitos especialistas que tem sua vida ligada a este debate.
Há interesses econômicos de produtores que competem com as exportações brasileiras (sejam empresários ou países), há o interesse de ONGs que acreditam que agronegócio e preservação do meio ambiente são antagônicos, ou que simplesmente vivem deste combate. Também existe uma abordagem intelectual e acadêmica ligada ao marxismo (através do antropólogo Florestan Fernandes) que acabou por segmentar o Brasil racialmente. Há interesse midiático no alarmismo. Todos acabam formando uma engrenagem orgânica que desfavorece o Brasil no debate público, e nós trazemos esse contraponto. Mesmo assim, para isso foram ouvidas pessoas com os mais diversos espectros políticos, o que é algo fantástico e está longe de ser “pregar para convertidos”. Recebemos muitos feedbacks positivos de pessoas das mais variadas vertentes políticas, muitas delas notáveis no debate sobre o tema ambiental.
6) O presidente da Funai é um dos entrevistados do filme. Como vocês avaliam a política indigenista do governo Bolsonaro?
Como já citado em outra resposta, o filme não tem absolutamente nada a ver com a atuação de um governo específico. Oferece um panorama geral dos problemas e como foi sua evolução ao longo dos anos, inclusive em relação à questão indígena, bastante retratada no filme.
7) O Brasil bateu três recordes anuais de desmatamento nos três primeiros anos de governo Bolsonaro. No filme, lançado no ano passado, a mensagem é de que há muito alarde sobre queimadas e desmatamento no Brasil. Os dados não confrontam a versão de vocês?
A mensagem que trazemos mostra dados irrefutáveis. O Brasil tem 66% de seu território preservado, e possui o código florestal mais restritivo do mundo. Nenhum país preserva tanto quanto nós, e quem disser o contrário está mentindo. O meio ambiente brasileiro deveria servir de exemplo, ao mesmo tempo em que o nosso país pode ser peça fundamental na paz do mundo ao ser uma potência que garante a produção de alimentos, inclusive com um ex-ministro indicado ao Prêmio Nobel da Paz pela atuação no aumento de produção sem desmatamento. As fontes são extremamente abundantes e citadas ao longo do documentário.
8) Vocês visitaram áreas desmatadas/queimadas/degradadas e conversaram com moradores impactados por atividades criminosas, como garimpo e desmatamento ilegais? Se sim, podem compartilhar como foi essa experiência?
Sim. Muitos deles relataram o envolvimento de políticos que se apresentam como de esquerda e de alguns indivíduos envolvidos com estas atividades ilegais. Como isso demandaria uma pesquisa mais profunda, não quisemos acusar a esquerda e os indígenas de desmatamento ilegal apenas com base nestas experiências. A posição do filme é clara: ilegalidade não é agronegócio.
9) Uma das críticas ao trabalho de vocês é que ele é revisionista, confrontando dados históricos e científicos, e contribuindo para o aumento do negacionismo na sociedade. Como vocês enxergam isso?
Mais uma vez, a pergunta vem recheada de jargões, sem apontar quais afirmações dariam base para essas críticas. Estamos abertos aos questionamentos, e certamente podemos errar. Mas é preciso indicar a informação que está sendo questionada e com base em que fonte, para podermos avaliar se trata-se de um erro, ou não. Assim, vemos esse tipo de acusação genérica como uma tentativa de impedir o debate por motivos políticos-ideológicos.
10) Na divulgação do filme, compartilhada por atores do governo federal, a “cortina de fumaça” não viria das queimadas, mas das notícias. Por que vocês acham que o papel da imprensa não é adequado nessa discussão? Quando a imprensa, com jornalistas profissionais em seus quadros, deixou de ser fonte confiável de informação? Quem é fonte confiável?
Acreditamos no papel da imprensa, e inclusive grande parte do documentário apresenta reportagens do que se conhece como “grande mídia”. O que não consideramos adequado é quando algum veículo ou jornalista confunde o seu papel de informar com o de convencer as pessoas de uma determinada posição política, principalmente quando isso sobrepõe a apuração de fatos. E isso hoje acontece tanto nos jornais mais tradicionais como também na mídia independente, cabendo então ao espectador avaliar qual a melhor forma de se informar, de acordo com os seus valores.
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