Os Waiwai se encontram na região de matas, onde sabem como viver da caça, pesca e da coleta. Alguns já relataram que pensam em sair de suas casas e construir mais longe, dentro da mata, para fugir mesmo dessa nova doença.
Os Waiwai se encontram na região de matas, onde sabem como viver da caça, pesca e da coleta. Alguns já relataram que pensam em sair de suas casas e construir mais longe, dentro da mata, para fugir mesmo dessa nova doença.
Por Alexandre Aniceto de Souza WaiWai
Nascido na comunidade Waiwai do Jatapuzinho, Terra Indígena Trombetas/Mapuera. Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Roraima -UFRR (2014), Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Amazonas-UFAM ( 2018).
Este relato foi elaborado a partir da observação e do convívio entre o grupo Waiwai do Anauá e Xaari diante da pandemia da COVID-19. Isso porque no decorrer deste ano, desde que a doença foi anunciada em meio ao coletivo, houve mudanças na forma de pensar das pessoas, com o medo constante.
Eu nasci na terra dos karapau yana, longe das cidades, onde atualmente é conhecida como aldeia Jatapuzinho. Recentemente essa terra ganhou um novo nome: território Wayamu/Jabuti, assim decidido pelas lideranças Waiwai e outros yanas que fazem partes do mesmo território com os estados do Amazonas, Pará e Roraima, onde vivem os Waiwai entre outros.
Quando criança ouvia os Waiwai mais velhos, como meus pais, tios e avós contarem histórias, predizendo, sobre um tempo que viria e faria sofrer a todos, onde iriam surgir doenças que todo povo iria entristecer-se com ela e também onde as pessoas iriam sentir medo, coisas que jamais os Waiwai haviam pensado um dia. Mas eles não sabiam exatamente, dizer se era sobre a atual situação que estamos presenciando hoje no mundo.
Minha finada avó Ahmori também já tinha me falado dessa doença parecida, e temia que fosse com nós, pois essa doença aquela que era difícil de curar, também segundo ela, já era comentada pelo finado do meu avô Euká, quando ainda ele estava vivo entre o grupo. Ele sabia que existia uma doença que o homem iria demorar a descobrir como é e como curar, mas como ele era um xamã, apenas fazia uma defumação para mandar para longe os espíritos das
enfermidades, as doenças que não faziam bem a eles, como, a febre, dores de cabeça, às
vezes diarreia por conta dos alimentos que comiam.
Mas nesses novos tempos, desde que passaram por um processo de “evangelização” em 1949, onde tudo o que eles sabiam foi renunciado, não é possível mais praticar tais rituais de proteção.
Quando os Waiwai ouviram falar que existe uma doença que é muito forte, que está matando muita gente mundo a fora, assustaram-se, pois o acontecimento da pandemia da COVID-19, para a grande maioria é o “cumprimento da palavra de Deus”, “está escrito”. Muitos repetem isso, e sentindo-se amedrontados, por não compreenderem como fazer para proteger os seus familiares e todo o povo do terrível vírus que se aproxima cada vez mais.
O vírus fez com que os Waiwai recordassem de um acontecimento no passado que assombra a história do povo, porque outra doença, o sarampo, quase exterminou os Tarumás/Caruma, vizinhos, com quem praticavam suas trocas de mercadorias. Eles ouviram e viram o povo inteiro sendo contaminado e também exterminado pela doença, doença que foi trazida pelos índios Uapixanas, na região da Guiana inglesa naquela época.
Os Waiwai com medo de serem contaminados fugiram para mais dentro da mata, longe daqueles que já tinham pegado a doença. Quando voltaram, só encontraram corpos estendidos pelo chão e por toda parte, sendo devorados pelos urubus. Foi uma época de muito sofrimento, poucos Tarumás conseguiram sobreviver. Apenas aqueles que tinham se casado com alguém de outra tribo e não moravam mais lá.
Os Waiwai se encontram na região de matas, onde sabem como viver da caça, pesca e da coleta, por conhecerem bem a região, alguns já relataram que chegaram a pensar em mudar de lugar, sair de suas casas e construir mais longe, dentro da mata, para fugir mesmo dessa nova doença. Até que passe e eles possam retornar, dessa forma fazendo permanecer aquele primeiro pensamento de fuga que se deu à tempos atrás.
Para os mais velhos/pooco isso significa a chance de salvar o povo e a melhor estratégia a se fazer no momento. E esta ainda é uma possibilidade como medida para enfrentar o novo coronavírus, como informa um morador do Anauá.
“Recebi essa informação sobre o novo corona vírus pelos amigos quando fui no município de baliza, essa noticia é muito assustadora tenho medo que chegue na aldeia, parece que as pessoas mais jovens não estão preocupados,
depois que algumas pessoas disseram que o vírus apenas atacam os velhos/Pooco”. (i.p, Ivaldo Amohpî 2020).
Porém, a ideia não chega da mesma forma para os mais jovens, apesar de muitos se agradarem da ideia, pois gostam de viver no lugar, sentem que também necessitam de outras coisas, das quais já se acostumaram também para viver. Coisas dos não índios, desde itens básicos como óleo, açúcar, sal e sabão, até outros como o celular, motores de popas e também a preocupação em receberem o dinheiro, para adquirir as coisas, que vem dos benefícios que recebem da bolsa família e do auxilio emergencial.
Essas dependências de necessidades atuais faz com que os Waiwai saiam das comunidades para ir até as cidades de Caroebe, São João da Baliza, São Luiz do Anauá, Rorainópolis e também à capital Boa Vista em busca desses itens essenciais para eles, arriscando de se contaminarem, Tudo isso faz com que as lideranças pensem em alternativas diferentes para evitar a doença e não transmitir para os demais.
Waiwai é um grupo coletivo ameríndio que aprecia a liberdade. Conhece outros povos, desde antigamente viajavam pelas matas e rios, estabeleciam seus sistema de trocas para conhecer outras pessoas, a procura de novidades, faziam isso com satisfação e tal comportamento sempre é reforçado nos seus encontros atuais.
A equipe de saúde SESAI/RR passou informações sobre nova doença, o quão grave pode atingir o grupo, sobre como pode ser transmitida, bem como das formas de prevenção ditas à todos, dentre estas, a mais destacada é a permanência na casa (quarentena). Os Waiwai então entenderam que precisam cancelar as datas
comemorativas durante este período entre eles (as conferências, assembleias, as festas tradicionais e as aulas), que estavam marcado para este ano.
Outra medida que foi tomada pela liderança do Xaari e Anauá , foi construir um portão como barreira no limite da terra indígena Waiwai, mas apenas fecharam e a algumas lideranças do Xaari que tinham iniciado a ideia o abandonaram e fugiram para dentro da mata. O portão então inicialmente encontrava-se fechado, ninguém saía ou entrava nas comunidades indígenas para que não pudessem contrair a doença. Porém não durou muito até todos saberem que suas liderança não se encontrava no meio deles e que tinham fugido, revoltados o povo considerou essa medida como um fracasso e voltaram a frequentar as cidades, a deixar de lado a barreira.
Não apenas pelo costume da qual se atém, mas pela falta de alimentos essenciais para eles hoje e entre
outros, fez com que não obedecessem à regra de permanecer apenas dentro da aldeia, havendo uma abertura diária e constante do portão que havia sido colocado como forma de prevenção.
Alguns dos Waiwai entendem, que se a doença chegar nas aldeias onde estamos não será com a mesma força com que está atingindo primeiro às outras pessoas nos lugares a fora, nas grandes cidades, como saem nos noticiários. Pode ser que até lá a doença irá sofrer uma modificação e se enfraquecerá ou até mesmo que já tenham encontrado um remédio para tratar.
Entre essas ideias Waiwai, também presenciei e estive com um grupo de Karapau yana que ainda se destaca em meio aos Waiwai, aquele mesmo povo que os Waiwai passaram a chamar de Enîhnî/não visto. Em uma conversa direta e de pouca aproximação e obedecendo os protocolos de saúde, estive com Matuhta e Wayamari, ambos são dos últimos índios de recente contato que ainda vivem em meio aos Waiwai.
Matuhta não acreditou quando me viu com uma mascara, achando que eu já estava com vírus, e me perguntou “Essa mascara protege? Pois eu não tenho mascara, fique longe”. Após explicar que é uma forma de proteger a todos,
pudemos conversar. Entre eles, compreendem que essa doença é apenas dos não índios e que fizeram desta um meio de tentar controlar os indígenas, orientando-os para fazer o uso das máscaras, sentem que foram proibidos de respirar a natureza onde vivem, argumentam que a doença está no ar daqueles que moram em cidades, onde não tem
mais ar natural e que por isso não podem respirar mais. Isso porque quando ainda não conviviam com os Waiwai, nunca vivenciaram situações assim, em que algum deles pudessem se infectar pegar doenças ou morrer por isso,
“Quando eu estava na floresta nunca ouvir dizer em doença que considerávamos perigoso, para nós doença não tinha perigo e não sabíamos o que era isso” (i.p, Matuhta 2020).
Dentro da mata, desconheciam todo tipo de doença; quando estavam lá não tinha gripe, não tinha tose, não tinha enfermidades graves como aparecem hoje pra eles, que agora sabem que existem. A única doença que temiam e que eles tinham conhecimento era a febre, essa era a pior situação que podiam passar, ninguém queria ficar com febre naquela época, e essa febre se dava através de um pássaro muito perigoso para os Karapau yana, era Kukuwi que na língua dos Karapau yana significa Gavião real, esse pássaro representava um perigo para esse grupo, pois trazia uma
doença chamada “febre” que não parava, nem os xamãs conseguiam aliviar.
Quando o Kukuwi se aproximava, ouviam seu som ecoando nos altos das árvores, todos se escondiam dentro de suas casas, para que o Kukuwi não os vissem, também era proibido olhar para esse pássaro, se acontecesse de alguém ouvir o Kukuwi e estivesse longe da sua casa, tinha que se esconder em baixo do tronco da árvore ou ficar até dois dias debaixo, todo karapau yana tinha medo de ficar com febre. Após conviver com os Waiwai, a crença no gavião que causava a febre se desmanchou se depararam com outra realidade muito diferente da qual viviam, dessa vez aprenderam que existem vários outros tipos de doença além de febre, esta que não sentem mais na presença do Kukuwi, e outras que não sabiam que tinha. Assim como todos na aldeia, consideram essa doença muito perigosa, e eles têm medo da gripe, da tose e falta de ar.
Contudo, ainda recordam seu medo do passado, pensam que pode ser que o Kukuwi, um gavião real, deve ter passado na aldeia dos não índios e avistado as pessoas que habitam lá, porém, ninguém percebeu a sua presença, então surgiu o vírus como doença grave e se espalhou, iniciando a pandemia, por isso o fato das pessoas estarem
se contaminando agora, sofrendo.
“Eu sinto muito medo de contrair o corona” (i.p,Matuhta 2020).
Ainda compararam o isolamento social que é feito atualmente, com o fato de que antes todos tinham que se esconder dentro de casa, senão contraia a febre, quem obedecia se livrava desta doença, quem descumpria esse aviso ficava doente por muitos dias.
Poucos Waiwai aderiram ao uso de máscaras de proteção e uso de álcool em gel com frequência, alguns usam apenas quando vão para as cidades, mas ao retornar para a aldeia, deixam de fazer o uso destes materiais e continuam fazendo suas aglomerações dentro da comunidade, principalmente o trabalho de roça, que não é para estar acontecendo, pois são formas orientadas para não ser contaminado pelo novo coronavírus, mas é muito difícil para os Waiwai ficar só dentro de casa.