Mapa Vivo de Mídias – Amazonas

AMAZONAS
Contingente de mídias com pauta socioambiental é o maior entre os estados

Em nosso mapeamento, o Amazonas registra o maior número de veículos com cobertura socioambiental. Grande parte desses meios está concentrada em Manaus.


O Amazonas, estado com maior extensão territorial e de floresta da Amazônia, sente o avanço dos crimes socioambientais, especialmente ao sul. Lá estão municípios como Humaitá, Lábrea e Apuí. Os conflitos se impõem também no oeste do estado. Ali está a Terra Indígena Vale do Javari, onde foram assassinados em junho de 2022 o indigenista brasileiro Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips. Assim, a sociobiodiversidade, por um lado, e os ataques a ela, por outro, tornam a pauta ambiental primordial.



mídias com cobertura socioambiental foram mapeadas no Amazonas

mantêm seção específica sobre Amazônia ou meio ambiente


O estado foi o que mais teve meios de comunicação com cobertura socioambiental identificados pelo mapeamento da Rede Cidadã InfoAmazonia. Reflexo da demografia, os veículos mapeados no Amazonas estão concentrados na capital Manaus. Poucos deles – 22% – mantêm editoria específica a respeito da temática. Ainda assim, esse número está acima da média regional; as seções existentes estão nomeadas como Amazônia, Meio Ambiente ou Sustentabilidade.

Na cobertura sobre desmatamento, encontramos reportagens sobre ações de repressão às ilegalidades, assim como disputas de narrativas a respeito dos alertas de perda florestais, ora com informes sobre aumento, ora com o governo federal apontando queda. Nas reportagens, encontramos ambientalistas em desacordo com o governo quanto aos dados.


Buscas por Bruno Pereira e Dom Phillips no Vale do Javari (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

O desmatamento ainda aparece relacionado às secas, aos apagões elétricos, ao risco de doenças como a malária e ao fenômeno de terras caídas, processo de erosão fluvial que leva ao desmoronamento das margens dos rios amazônicos.

Quando o assunto foi queimadas, as operações de combate ao fogo no sul do Amazonas estiveram em pauta em 2021. Em uma das reportagens encontradas há repercussão de uma fala do presidente Jair Bolsonaro sobre a alegação de que a Amazônia “não pegaria fogo porque é uma floresta úmida”. O jornal A Crítica trouxe a explicação de um cientista sobre a questão, um pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) que desmentiu o presidente Jair Bolsonaro.

Os municípios de Apuí e Lábrea, no sul do estado, são frequentemente citados pelos altos índices de queimadas e emissão de gases de efeito estufa. Há matéria que trata de doação de empresa de cosméticos para combate a incêndios florestais, e um texto da Agência Amazônia Real a respeito da luta dos Tembé contra invasores, Covid-19 e queimadas.

Desafios são comuns entre pequenos e grandes meios

Com a concentração de veículos em Manaus, muitas localidades do Amazonas recebem pouca cobertura da imprensa. Alguns municípios não dispõem de sequer um veículo, configurando o que o Atlas da Notícia nomeia ‘deserto de notícia’. Para a pesquisadora Jéssica Botelho, que coordena o levantamento do Atlas na região Norte, outra questão é a difusão de pequenos sites noticiosos baseados na reprodução de conteúdos de agências e assessorias.

“A gente tem uma falta de financiamento, o que impacta na contratação de equipe, que por sua vez vai ter limitações de produção também e aí, para resolver esse problema, se aposta na reprodução de releases e materiais de agências”, avalia Botelho. A prática, por vezes, não atinge apenas veículos pequenos.

Veículos tradicionais da imprensa amazonense, como A Crítica, D24AM/Diário do Amazonas e meios que integram a Rede Amazônia, estão presentes no mapeamento. Se para as mídias consolidadas o cenário já envolve pressões político-econômicas e limitações espaciais de cobertura, os pequenos veículos sobrevivem em geral de modo mais precário, com comunicadores populares driblando a pouca estrutura e o assédio dos poderes locais.

Por outro lado, com todo o cenário de dificuldades, o Amazonas abriga experiências de produção de reportagens críticas fundamentais, como as realizadas pela Amazônia Real.

Kátia Brasil e Elaíze Farias, da Agência Amazônia Real, em congresso da Abraji (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Uma agência da floresta e dos povos

A Amazônia Real é uma das mais importantes iniciativas de jornalismo socioambiental feitas na região. Em atividade há nove anos, a agência mobiliza esforços para abranger grande parte da Amazônia em sua cobertura. A sede da Amazônia Real fica em Manaus, mas a organização mantém uma rede de jornalistas baseados em Roraima, Rondônia, Pará, Mato Grosso, Acre e Amapá.

O site foi fundado e é dirigido pelas jornalistas Kátia Brasil e Elaíze Farias. Mesmo antes da Amazônia Real, Farias já era uma atuante repórter socioambiental na imprensa amazonense, com foco especialmente em direitos humanos, povos indígenas e comunidades tradicionais. Kátia Brasil tinha na bagagem passagens por veículos nacionais como correspondente na Amazônia.

“Quando eu me vi dentro da Agência, fazendo reportagens, fazendo eventos, debates, eu falei: ‘eu tinha que fazer isso, eu tinha que estar aqui para fazer’. Essa é minha verdadeira missão, fazer jornalismo na Amazônia, jornalismo local, regional, com as pessoas daqui contando as coisas que acontecem aqui para o mundo inteiro saber”, disse Brasil em documentário do ano passado realizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) por ocasião de homenagem ao trabalho da Amazônia Real.

Além de repórteres e fotógrafos espalhados pelos estados da região, a Amazônia Real conta com colunistas e com comunicadores indígenas que escrevem para o Blog Jovens Cidadãos da Amazônia. O projeto do blog partiu de oficinas de comunicação realizadas pela Agência e teve conteúdos produzidos pelos jovens comunicadores indígenas de dentro de suas aldeias e comunidades.

Um dos pilares da Agência, fundada por duas mulheres, é a diversidade de vozes, que inclui a escuta de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e demais povos da floresta. “A gente luta pelo ancestral que a Amazônia representa junto com seus povos”, contou Kátia Brasil no documentário da Abraji.

Jéssica Botelho considera que o aprofundamento das pautas socioambientais pelo jornalismo do Amazonas depende de financiamento e segurança. “Eu não vejo outro caminho senão com novas possibilidades de financiamento, pensando o jornalismo como política pública, enquanto parte fundamental da democracia. A gente tem ótimos profissionais na região, o que a gente não tem é incentivo, segurança jurídica, segurança física”, avalia a pesquisadora do Atlas da Notícia.

Outros pontos para avançar, aponta, são a abertura para o diálogo com comunidades tradicionais e a possibilidade de articular organizações midiáticas não tradicionais, como coletivos de comunicação. “Cada vez mais, os jornalistas que cobrem a questão socioambiental estão dialogando com coletivos de comunicação popular na Amazônia e fazendo parcerias”, diz Botelho. Há no Amazonas coletivos de jornalismo como a Abaré.

Ação da Abaré pelo Dia da Amazônia, em Manaus (Foto: Márcio Melo)

Escola e mídia para a juventude

A Abaré surgiu em 2020, quando a pandemia de Covid-19 começou a se espalhar pelo país. As primeiras atividades envolveram a realização de lives e oficinas virtuais. A proposta do coletivo formado por jovens jornalistas manauaras é levantar debates sobre o jornalismo local, ser um espaço de ensino e de crítica de mídia. Além de ser uma escola, a iniciativa produz conteúdo e atua como mídia.

“Nós atuamos em duas frentes: uma que é de jornalismo local, com produção de conteúdo e debates sobre o jornalismo produzido aqui em Manaus, e outra de educação midiática, que é esse trabalho nas escolas de alfabetização para as mídias”, explica Gabriel Veras, coordenador editorial da Abaré.

Chamou a atenção na pesquisa a produção da newsletter Tipiti, espécie de curadoria com notícias socioambientais dos diversos estados da região. Há ainda produção de conteúdo jornalístico pelo coletivo sobre meio ambiente e questões socioambientais da realidade amazonense publicados no blog da organização. De acordo com Veras, um dos motivos que fez surgir a Tipiti foi a necessidade de saber o que acontece nos estados vizinhos, que nem sempre chega pelo noticiário estadual ou nacional.

Embora o interesse maior seja que as informações circulem na Amazônia, o público que acessa o conteúdo da Abaré tem alto índice de leitores de fora. “Nós não pensamos no nosso conteúdo para alcançar esse público. A ideia principal era que as pessoas da nossa própria região pudessem estar inteiradas do que está acontecendo nos estados vizinhos”, confirma o coordenador editorial da Abaré.

Hoje o coletivo conta com uma rede de jovens jornalistas em toda a região. E vem dessa juventude a vontade de fazer um jornalismo socioambiental mais comprometido. “Uma das grandes lições que a gente tira com a experiência da Abaré é a de acreditar na juventude. É muito revigorante você encontrar jovens e estudantes que querem contar essas histórias”, afirma Veras.

Aumento das violações e crimes socioambientais

A execução cruel de Bruno Pereira e Dom Phillips fez ecoar os riscos que correm lideranças de comunidades tradicionais, ambientalistas, indigenistas e mesmo jornalistas socioambientais diante de agentes do crime e de violências que se apossam da Amazônia. No caso dos jornalistas, Jéssica Botelho lembra que as ameaças e a vulnerabilidade costumam ser ainda maiores para quem é da região e vive aqui.

Para a pesquisadora do Atlas, a tensão criada contra defensores socioambientais dificulta a cobertura das violações. “A quantidade e a intensidade dos crimes ambientais têm aumentado de forma absurda nos últimos anos. Em tese, a cobertura e a investigação deveriam aumentar também, mas outras peças desse quebra-cabeça são a hostilidade incentivada pelo governo federal, o discurso de ódio contra ambientalistas, o incentivo a práticas ilegais, a violência com que jornalistas são vistos e tratados”, aponta Jéssica.

Além dos atentatos contra a vida das gentes e da floresta, o Amazonas guarda um pulsar que vem da sociobiodiversidade e que também precisa estar na pauta. “A Amazônia e a questão socioambiental não são só desgraça. Infelizmente, ela é uma parte da nossa história, nos atravessa, mas não é só isso. Existem outras formas de fazer cobertura socioambiental”, lembra a coordenadora na região Norte do Atlas da Notícia.

Claudia Ferraz, do povo Wanano, e Elizângela da Silva, do povo Baré, no programa Papo da Maloca (Foto: Paulo Desana/Rede Wayuri)

Podcast indígena no rio Negro

Comunicadores indígenas do Rio Negro participam de uma rede que leva informação para os 23 povos que habitam os territórios tradicionais das imediações. A Rede Wayuri é uma iniciativa da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e conta com integrantes nas cinco grandes áreas em que a região do Rio Negro é dividida.

A rede foi iniciada em 2017, com a primeira formação de comunicadores escolhidos pelas lideranças. “A missão era transmitir informações do que estaria acontecendo nas bases e a gente aqui da sede repassar o que estaria acontecendo em nível municipal, estadual, nacional e mundial, para compartilhar com os nossos parentes que estão nas comunidades”, conta Claudia Ferraz, do povo Wanano, comunicadora da rede.

A sede fica em São Gabriel da Cachoeira. De lá é produzido o boletim de áudio Wayuri, podcast que é a principal produção de mídia da rede e conta com participação dos comunicadores dos cinco distritos, por vezes falando em suas línguas de origem. Com o podcast, a comunicação entre os povos ficou ainda mais frequente.

“A gente tem um grupo no Whatsapp dos comunicadores indígenas. Eles acessam, nesses grandes distritos, nessas cinco coordenadorias, para poder baixar o podcast Wayuri e levar para as suas comunidades. Nas comunidades, eles passam essas informações por caixas de som e outros meios”, detalha Ferraz. A Rede Wayuri tem também o programa de rádio Papo de Maloca, na Rádio FM O Dia, com alcance limitado aos arredores de São Gabriel.

Durante o período mais crítico da pandemia, a rede e o podcast foram importantes para levar informações dos profissionais de saúde para os indígenas nas línguas Nheengatu, Baniwa, Yanomami e Tukano. “A gente fazia roteiros com as informações desses profissionais de saúde e traduzia nas quatro línguas para compartilhar nas comunidades de base e circular aqui em carro-som, porque tem falantes dessas línguas aqui na sede também”, lembra Claudia Ferraz.

Uma das principais ameaças aos povos do rio Negro é o garimpo. A Rede Wayuri alerta os parentes sobre ninguém ter o direito de entrar para explorar as terras indígenas. “Não é qualquer pessoa que chega, entra na nossa casa e a gente vai permitir que faça uma bagunça”, diz a comunicadora indígena. O podcast Wayuri está disponível no Spotify, no Soundcloud e pode ser enviado por aplicativo de mensagens.