MARANHÃO
Amazônia que mora no Nordeste tem poucas editorias sobre meio ambiente
Estado mantém proximidade cultural e também conflitos similares com seu vizinho da região Norte, o Pará. Entre os meios mapeados, há muitos blogs e um caso de mídia comunitária feita por jovens quilombolas.
Como estado que abriga tanto a Amazônia quanto o Cerrado, o Maranhão se destaca pela sociobiodiversidade da transição entre os biomas. Enfrenta também conflitos socioambientais, que atingem comunidades quilombolas e terras indígenas, apontando o avanço do agronegócio vindo do MATOPIBA, fronteira agrícola cujo nome remete às iniciais de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
mídias com cobertura socioambiental foram mapeadas no Maranhão
mantêm seção específica sobre Amazônia ou meio ambiente
Em nosso levantamento, identificamos que a mídia maranhense, mais que nos outros estados da Amazônia Legal, apresenta poucas editorias voltadas para a temática socioambiental. Os veículos que entraram no mapeamento realizado pelo InfoAmazonia estão concentrados na capital São Luís. Os municípios de Imperatriz e Pedreiras aparecem bem atrás. Chama atenção, entre as mídias online do Maranhão, a presença de blogues.
Quando o assunto é desmatamento, o noticiário de 2021 tratou de casos de polícia, como a apreensão de tratores usados por jagunços de empresários da soja para desmatar comunidade quilombola em Matões, e o caso do prefeito de Centro Novo, foragido por exploração ilegal de garimpo e desmatamento. Outros temas constantes na cobertura em 2021 foram: a retomada das operações de fiscalização do Ibama, a relação entre devastação e aquecimento global, além da conexão entre uma rede de supermercados e grandes frigoríficos compradores de gado, proveniente de áreas de desmatamento.
As queimadas são citadas ora pelo aumento, ora pela redução de focos de incêndios florestais. A imprensa maranhense reporta, com frequência, alertas de baixa umidade no município de Imperatriz, mas também noticiou o lançamento de programas de reflorestamento e combate a queimadas, como os realizados no município de Lima Campos. Além disso, foi destaque o desenvolvimento de um nanossatélite que mapeia zonas de queimadas pela Universidade Federal do Maranhão.
Conflito socioambiental: caso Cajueiro
As violações de direitos para a construção de um porto privado no território de Cajueiro são emblemáticas de como os conflitos na amazônia maranhense se assemelham aos de outros estados amazônicos. Em 2019, houve despejos e derrubada de casas nessa comunidade tradicional. O terminal portuário que se sobrepõe a parte do território atenderia ao escoamento de commodities. O caso foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
“Por mais que a gente tenha tido, nos últimos dois mandatos, um governo do estado progressista, não houve grandes avanços do ponto de vista do meio ambiente. Inclusive houve conflitos com comunidades ribeirinhas, com povos tradicionais, como é o caso de Cajueiro. Essas pessoas mantêm uma cultura ancestral que é ligada ao território”, pontua Leticia Cardoso, professora do curso de Comunicação da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Muitas vezes invisíveis na cobertura da mídia tradicional, comunidades buscam autonomia na comunicação, transformando-a em um dos instrumentos de luta. Assim faz o quilombo Rampa com sua TV Quilombo.
Quilombo Rampa na frente das telas
A TV Quilombo já ganhou destaque nacional ao levar o primeiro lugar no Festival de Cinema Móvel de Brasília de 2018, categoria mídia alternativa. Mas, para os participantes da iniciativa, a maior conquista é que a comunidade possa se ver nas telas do celular e da televisão, tomando esse espaço de visibilidade que sempre lhe foi negado. O quilombo Rampa fica a 27 quilômetros de Vargem Grande, município com cerca de 50 mil habitantes a oeste da capital São Luís. São 204 anos de história desde que os ancestrais dos atuais habitantes ocuparam aquelas terras fugindo da escravidão.
É recente o contato da comunidade com as tecnologias de comunicação da modernidade. Só em 2003 o quilombo passou a ter energia elétrica. Em 2006, a partir da chegada da televisão no quilombo, começaram a aparecer inquietações, por conta de os quilombolas não se enxergarem representados na programação. Mas foi só em 2017, quando a internet chegou, que surgiu a ideia de uma TV feita pela própria comunidade.
“Para contar a nossa história do nosso próprio jeito. Ter autonomia de mostrar o lugar, o povo de uma forma simples, mas necessária. Principalmente para manter a cultura, manter a identidade quilombola. Dar visibilidade para o quilombo e para as pessoas que têm história na comunidade, os mais velhos, fazer essas pessoas se sentirem importantes”, conta Raimundo Quilombo, um dos criadores da TV Quilombo.
No início, não havia recursos, nem mesmo um celular. Então a TV começou na imaginação, com o uso de uma câmera de papelão. Depois, com aparelhos celulares, foi possível filmar e postar os vídeos. Hoje, a TV Quilombo conta com equipamentos, sem deixar de lado o material produzido de modo artesanal na comunidade, como o tripé de bambu e o bambu drone, vara de 10 metros para fazer imagem do alto.
Além da TV Quilombo, está no ar a Rádio Quilombo FM – A Medonha. As duas mídias são tocadas pela coletividade, principalmente pelos jovens. O quilombo Rampa passou a ser visto em outros lugares. E os integrantes da Rádio e da TV começaram a incentivar que outras comunidades tivessem essa autonomia de comunicação. O grupo mantém contato não só com quilombos, também com assentamentos e aldeias indígenas.
“Se tornou um modo essencial de luta por direitos, de busca por respeito. A gente mostra como os quilombos são, nessa relação de proximidade com a natureza, de cuidado com a terra. Essa parte que geralmente a grande mídia não vai pautar, porque não é uma realidade deles. Não dá para fazer um discurso de que vai proteger a Amazônia se você não aceita as comunidades quilombolas, indígenas, tradicionais”, considera Raimundo Quilombo.
Sincretismos e mestiçagens afroindígena
A identidade maranhense, no limiar entre regiões e biomas, guarda muito das culturas da Amazônia, principalmente do Pará, segundo Letícia Cardoso. Desde a culinária, com farinhas e juçaras, até a música, marcada por influências caribenhas. As expressões da cultura popular, atravessadas por sincretismos e mestiçagens afroindígenas, também se assemelham. No caso do Maranhão, o bumba-meu-boi é a principal manifestação.
“Nós temos muitas proximidades simbólicas, culturais com os modos amazônicos de viver, de ser. Especialmente no Maranhão da baixada ocidental em diante, seguindo a região de manguezais. A nossa experiência aqui no Maranhão é muito amazônica. Tem uma outra parte do Maranhão que é mais tocantina, voltada para o agronegócio, no sul do estado”, avalia a pesquisadora da UFMA.
Se a imprensa local nem sempre dá atenção à pauta socioambiental, o cerco do agronegócio acaba atuando como um fator a mais de enfraquecimento da cobertura. “A questão ambiental nos meios de comunicação no Maranhão aparece a partir de práticas muito independentes, sem apoio de empresas, do estado, porque não é conveniente apoiar iniciativas dessa natureza”, avalia Cardoso.
No mapeamento do InfoAmazonia a respeito da cobertura socioambiental, constam jornais tradicionais, como os impressos e online O Imparcial e Jornal Pequeno. O jornal O Estado do Maranhão, que tinha o ex-presidente da República José Sarney entre os fundadores, encerrou as atividades em 2021. Aparecem também blogues, como o de Ed Wilson Araújo, e outras experiências online alternativas, caso da Agência Tambor.
O barulho de uma agência contra-hegemônica
A Agência Tambor nasceu em São Luís em um seminário realizado em 2017 para debater comunicação e poder no Maranhão. Herdou o legado e a organização do jornal alternativo Vias de Fato, um impresso mensal fundado em 2009 e focado em temas ligados aos direitos humanos. O jornal, na época, enfrentava a crise do papel e dificuldades em manter parcerias firmadas desde o período em que combatia o poder da família Sarney.
A ideia da Agência partiu do movimento das rádios comunitárias que participou da organização do seminário. Com a Tambor, seria possível produzir conteúdos para veiculação em diversas rádios comunitárias do interior do estado. Mas a dificuldade de levar ao ar informações sobre justiça social e povos e comunidades tradicionais em emissoras que têm muita influência de prefeitos e igrejas neopentecostais fez a proposta mudar de rumo.
“Hoje o que é a Agência Tambor? É um veículo de webjornalismo multiplataforma. Nós temos um site. Retomamos a experiência do Vias de Fato de trabalhar com reportagem. A gente trabalha com texto diário. A experiência do rádio a gente leva para o YouTube e passa a fazer o Jornal Tambor. A ideia era jogar para as rádios, mas não deu certo. E isso tudo circula em outras plataformas”, explica Emílio Azevedo, integrante da Tambor.
A equipe da Tambor é formada tanto por antigos colaboradores do Vias de Fato, do qual Azevedo foi um dos fundadores, quanto por jovens jornalistas. As pautas socioambientais estavam presentes desde o tempo do jornal. A Agência mantém esse compromisso, contando inclusive com uma editoria voltada para o Meio Ambiente no site, e conversas sobre o tema em edições do Jornal Tambor.
Emílio Azevedo cita a deterioração do rio Itapecuru como uma das questões que entrou no noticiário da Tambor. “O principal rio maranhense, que é o rio Itapecuru, – a gente recentemente fez matéria sobre isso – é um rio ameaçado. Praticamente 65% da água que a gente consome em São Luís vêm do continente. E é do rio Itapecuru. Esse rio vive assoreado. A soja está nas nascentes do Itapecuru, ali perto da área do Matopiba”, conta.