O atual prefeito David Almeida (Avante) e o deputado federal Capitão Alberto Neto (PL) disputam a prefeitura da capital do Amazonas nas eleições municipais. Nenhum dos dois incluiu projetos para os 71,7 mil indígenas que vivem na cidade nos planos de governo.
Manaus é a cidade com o maior número de indígenas no país, mas os dois candidatos que disputam a prefeitura no segundo turno, o atual prefeito David Almeida (Avante) e o deputado federal Capitão Alberto Neto (PL), não apresentam propostas para os povos tradicionais em seus planos de governo. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 71.713 indígenas residem na capital do Amazonas.
Nos documentos apresentados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ambos os candidatos incluíram questões ambientais e climáticas em suas propostas, com investimento em arborização, limpeza de igarapés, planos de ação para mudanças climáticas e campanhas educacionais. No entanto, as populações tradicionais, como povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas, foram excluídas dos projetos.
Em 4 de outubro, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação contra a Prefeitura de Manaus, solicitando a criação de uma categoria de “escola indígena municipal”, conforme previsto na Lei Municipal nº 2.781. A legislação, aprovada em 2021, determina a implementação de instituições de ensino com políticas específicas e profissionais especializados em línguas e conhecimentos tradicionais indígenas, dentro da estrutura da Secretaria Municipal de Educação. Apesar da sanção da lei, a medida não foi executada.
Em sabatina da BandNews, Almeida foi questionado sobre os serviços destinados às populações indígenas, especialmente sobre a presença da cultura indígena nos eventos artísticos da cidade e a implementação da “escola indígena municipal”. No entanto, ele se limitou a citar as ações realizadas durante seu mandato: “O maior bairro de indígenas é no Parque das Tribos. Lá, construímos a maior unidade básica de saúde, com 59 compartimentos diferentes. Lá temos indígenas falando as línguas indígenas dessa população. Lá tem asfalto, lá tem escola, foi a prefeitura que levou”, respondeu.
Ismael Munduruku, cacique-geral: Representação máxima da comunidade. No Parque das Tribos, a escolha ocorre por votação. É responsável por gerir conflitos, organizar discussões, falar em nome de todos. do Parque das Tribos, diz à InfoAmazonia que está apoiando a candidatura de David Almeida. Segundo ele, na gestão do atual prefeito foi inaugurada uma Unidade de Saúde da Família (UFS) e duas escolas no bairro. Também foram incluídas novas linhas de ônibus.
De acordo com a Fiocruz Amazônia, existem 2,8 mil pessoas de 35 etnias diferentes no Parque das Tribos, um bairro indígena de Manaus. Em 2022, a instituição informou que 97% dessas pessoas recebiam um salário de cerca de R$ 600 por mês. O local fica a 28 km de distância do centro da cidade e é caracterizado pela pouca estrutura urbana, com ruas ainda necessitando de asfalto, casas de alvenaria com tijolos aparentes, baixa cobertura de acesso à esgoto e coleta de lixo.
O cacique explica que as medidas adotadas pela prefeitura são, na verdade, resultado de uma intensa luta que ocorreu durante a pandemia, quando os indígenas de Manaus foram desconsiderados nos atendimentos hospitalares e na prioridade da vacinação. Ele afirma que os municípios do Amazonas não estão preparados para atender as populações indígenas. “Todo indígena que vai para um município se torna um indígena urbano e não tem política para isso. Manaus não tem uma secretaria, uma fundação, qualquer autarquia para tratar dos povos indígenas”.
Ismael Munduruku destaca que um fator que favorece Almeida nestas eleições municipais é a rejeição ao concorrente Capitão Alberto Neto, apoiado por Jair Bolsonaro, dentro do movimento indígena. “Eu não acredito, de forma alguma, que um prefeito que apoia Bolsonaro vá querer dar atenção aos nossos povos. Bolsonaro nunca apoiou nenhuma de nossas causas, não é que ele tenha apoiado uma ou outra, ele nunca apoiou nada”, afirma.
Não são apenas os movimentos indígenas que estão seguindo essa lógica. Na quinta-feira (17), a Rede Sustentabilidade publicou uma nota em apoio à candidatura de Almeida. “Reconhecemos as falhas da administração do atual prefeito David Almeida, mas acreditamos que é a opção mais democrática, que permitirá melhor diálogo e avanço nas políticas públicas que sonhamos para a cidade”, diz o partido.
No plano de governo do atual prefeito de Manaus, que sequer cita a palavra “indígena”, há seis propostas apenas para a defesa da causa animal. Para o crescimento econômico, Almeida propõe a continuidade do programa “Manaus Mais Agro” para apoiar projetos de agropecuária familiar. Ele também sugere a ampliação do acesso ao saneamento básico e a recuperação de parques ecológicos.
Nos últimos quatro anos, Almeida investiu apenas 0,25% da receita em projetos relacionados à proteção do meio ambiente e, durante sua gestão, foi criticado por movimentos sociais. Em setembro deste ano, por exemplo, a organização Minha Manaus apresentou um documento com mais de 3 mil assinaturas solicitando ao Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ/AM) que impeça a construção da nova sede da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Sustentabilidade e Mudança do Clima (Semmasclima), cuja obra afetaria o Parque Ponte dos Bilhares, uma das principais áreas verdes da cidade.
Militar e evangélico
Já o plano de governo do Capitão Alberto Neto é voltado para o público conservador. Policial militar e religioso evangélico, o deputado federal visitou Manaus duas vezes para participar de comícios e pedir votos nesta eleição. No documento enviado ao TSE, Neto utiliza expressões como “que Deus esteja conosco” e “vamos dar um choque de ordem”.
Na campanha, o foco é a segurança pública. Ele propõe transformar a guarda municipal em polícia, criar um centro de comando e controle e instalar um “botão do pânico” nos ônibus da cidade, que poderá ser acionado em situações de emergência. Para a economia, defende projetos para empreendedores, a revitalização do Sistema Nacional de Emprego (Sine) em Manaus e uma plataforma exclusiva para a contratação de micro e pequenas empresas.
Alberto Neto foi eleito deputado federal em 2018. Desde então, propôs 272 projetos de lei (PL) e aprovou oito. Em seis anos de mandato, apenas o PL 1737/2020 abordou questões indígenas, sendo que a proposta é autorizar o garimpo dentro dos territórios. “A permissão de lavra indígena será outorgada a indígena brasileiro e a cooperativas indígenas, autorizadas a funcionar como empresa de mineração, que venham a exercer suas atividades em terras indígenas”, diz o projeto, que está tramitando e foi apensado ao PL 7099/2006, que aguarda criação de comissão.
Durante a sabatina da BandNews, o candidato do PL admitiu que errou com a falta de propostas no plano de governo e ficou surpreso ao saber que a cidade é a maior com o número de populações indígenas do país. “O mundo todo quer conhecer essa cultura e a gente acaba deixando de explorar isso e nós vamos fazer um ambiente saudável para as populações indígenas. É nossa cultura, é nossa maior riqueza, a gente não pode virar as costas para a comunidade originária”, disse.
A InfoAmazonia perguntou aos dois candidatos, David Almeida e Capitão Alberto Neto, qual o motivo da ausência de propostas direcionadas à população indígena, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Desconhecimento das populações locais
O antropólogo Raimundo Nonato, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), avalia que os candidatos possuem um desconhecimento sobre as populações indígenas locais, por isso, a dificuldade em ter propostas significativas, o que ele chamada de “deficiência cognitiva política”: “Cria-se uma dificuldade de compreender os preceitos legais garantidos pela legislação brasileira que define o ser indígena. Essa deficiência abre espaço para ações políticas populistas em respostas a demandas da população”, afirma o professor.
Os indígenas foram os primeiros habitantes do território que hoje se chama Manaus. Na década de 70, o local era moradia de vários povos, entre eles, o povo Manáos, que travou diversas lutas contra as tropas portuguesas e depois se tornou inspiração para o nome da cidade. Entre seus líderes, estava Ajuricaba, guerreiro indígena que foi assassinado durante os confrontos e tem seu nome registrado como um dos combatentes da época.
Depois da região ter sido tomada pela coroa portuguesa, muitos indígenas foram mortos e expulsos. Ainda hoje as lideranças reivindicam um espaço de acolhimento para populações que chegam na cidade em busca de educação, atendimento hospitalar e assistência social. Desde a década de 80, ocupações urbanas feitas por populações indígenas são vistas na cidade, como é o caso do Parque das Tribos.
A líder Vanda Witoto, moradora do Parque das Tribos, afirma que existe uma inversão de valores na sociedade manauara. “As pessoas estão olhando a nossa vida sem nenhum valor, ou seja, até os animais têm mais direitos hoje do que os povos indígenas. A gente vê um processo de desumanização dos nossos direitos enquanto povos originários. A gente tá de fato num cerco de retirada dos nossos direitos”, diz.
Para promover os debates em torno dos indígenas em contexto urbano, o cacique Ismael Munduruku está organizando um evento que deve reunir lideranças da região em Manaus, em novembro. O objetivo é inserir as questões urbanas dentro dos debates ambientais, como a preparação para a COP30, que ocorrerá em 2025, em Belém, no Pará.
“Eu vejo que existem muitas organizações indígenas falando em nome dos nossos povos, mas ninguém falando sobre os indígenas em contexto urbano. Esse evento é para que as nossas vozes sejam escutadas em nível nacional e internacional”, explicou.