A Cúpula da Amazônia terminou na última sexta-feira (22), em Bogotá, na Colômbia, com uma declaração conjunta assinada no Palácio de Nariño que definiu pontos-chave para a proteção da Amazônia. Os acordos foram firmados pelos chanceleres dos países que compõem a região e aprovados pelos presidentes da Colômbia, Gustavo Petro; da Bolívia, Luis Arce Catacora; do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva; e pela vice-presidente do Equador, María José Pinto.
Entre as autoridades presentes, esteve a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva. Em agosto de 2024, a Amazônia brasileira registrou a menor taxa de desmatamento em seis anos, segundo dados do sistema de monitoramento Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A queda foi de 10,6% em relação a agosto de 2023, resultado obtido já sob a nova gestão do MMA.
Em entrevista ao jornal colombiano El Espectador, Marina falou sobre os novos desafios que encontrou em seu retorno à pasta. Também comentou projetos na Amazônia que têm gerado críticas, como a reconstrução da BR-319 e a exploração de petróleo e gás no Brasil.
El Espectador – Há alguns dias, a senhora se reuniu com a ministra interina do Meio Ambiente da Colômbia, Irene Vélez. Como foi o encontro? Conseguiram chegar a acordos para proteger a Amazônia?
Marina Silva – Tratamos de vários assuntos. Falamos sobre a defesa dos povos indígenas, o desenvolvimento sustentável e de que forma a Amazônia, assim como seus povos, vem sendo afetada pelas mudanças climáticas. Também conversamos sobre os esforços necessários para não chegar ao ponto de não retorno na região. Buscamos uma agenda comum que permita que Brasil e Colômbia aprofundem cada vez mais sua cooperação, seja na implementação dos acordos firmados no âmbito da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), seja nas decisões que serão tomadas na COP30, em novembro.
O Brasil tem a meta de zerar o desmatamento até 2030, enquanto a Colômbia assumiu compromissos na área de petróleo e gás. Acredito que temos dois países que vêm demonstrando bastante coragem diante da crise climática. No caso do Brasil, já estamos começando a alcançar resultados significativos porque conseguimos nos preparar desde o primeiro governo do presidente Lula, em 2003.
Quais efeitos você acredita que os acordos terão após a Cúpula da Amazônia? Como isso se traduz em ações concretas para a proteção da região?
É claro que há várias decisões e que cada país vai implementar de acordo com suas possibilidades e prioridades, mas existem algumas agendas que podemos trabalhar em conjunto. Já temos algumas ações definidas para combater incêndios junto a outros países da Amazônia, assim como iniciativas de cooperação na área de energia renovável. Quando o presidente Lula esteve na Colômbia, em abril do ano passado, assinamos um compromisso para a produção de hidrogênio verde, ligado a uma agenda de transição energética limpa e a um processo que nos ajudará a enfrentar as mudanças climáticas.
Além disso, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) é uma iniciativa que, no âmbito da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), vem sendo liderada por Brasil e Colômbia, com a participação também de Bolívia, Peru, Venezuela, enfim, todos os países amazônicos. Mas a Colômbia, em particular, tem se empenhado para que o TFFF já esteja em operação durante a COP30.
Sobre esse fundo para a proteção das florestas tropicais, a senhora acredita que ele será decisivo para alguma frente de proteção no Brasil? Há algum projeto específico em mente?
O Brasil tem uma posição diferenciada, porque já conta com o Fundo Amazônia, que nos dá um suporte significativo. A preocupação do presidente Lula, ao pensarmos no TFFF, eram os países que não têm as mesmas condições que o Brasil — onde dispomos de um sistema de monitoramento em tempo real e de um plano de prevenção e controle do desmatamento para todos os biomas brasileiros. Estamos alcançando resultados: evitamos lançar mais de 400 milhões de toneladas de CO₂ na atmosfera nos últimos dois anos com as ações que implementamos.
O TFFF será muito importante para todos os países, mas principalmente para os mais vulneráveis, já que se concentra no pagamento por serviços ecossistêmicos, tanto para as comunidades quanto para investidores ou proprietários de excedentes de vegetação privados. Diferentemente de outros instrumentos que oferecem apoio para deter o desmatamento, esse remunerará aqueles que já protegeram as florestas tropicais e que desejam continuar fazendo isso.

O TFFF será muito importante para todos os países, mas principalmente para os mais vulneráveis, já que se concentra no pagamento por serviços ecossistêmicos, tanto para as comunidades quanto para investidores ou proprietários de excedentes de vegetação privados.
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima
Muitas organizações e cientistas pediram que, por um lado, a COP30 trate do tema dos combustíveis fósseis. Além disso, para a Cúpula da Amazônia, fizeram um apelo para que a região fosse declarada uma zona de exclusão de combustíveis fósseis. Qual é a posição do Brasil a esse respeito?
O Brasil se alinhou à decisão que já havia sido tomada em Dubai, só que não se concentra apenas em combustíveis fósseis, mas também em frear o desmatamento. Nesse sentido, manifestamos nossa posição de que é necessário fazer a transição para o fim do uso de combustíveis fósseis, da mesma forma que é preciso realizar a transição para o fim do desmatamento.
Estamos tentando viabilizar essa implementação em um diálogo que envolve todos os países, tanto produtores quanto consumidores de combustíveis fósseis, ao mesmo tempo em que é necessário criar alternativas para substituir essas fontes de geração de energia, acelerando as energias renováveis. O Brasil tem um grande potencial de geração de energia renovável, seja solar, eólica ou de biomassa, e, além disso, é um grande produtor de biocombustíveis.
Estamos tentando viabilizar essa implementação em um diálogo que envolve todos os países, tanto produtores quanto consumidores de combustíveis fósseis, ao mesmo tempo em que é necessário criar alternativas para substituir essas fontes de geração de energia, acelerando as energias renováveis.
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima
Nossa preocupação é como podemos ter, cada vez mais, indicadores de esforços que apontem nessa direção. Estamos propondo que trabalhemos para que a COP30 talvez possa encarregar um grupo de especialistas de elaborar um roteiro para o fim dos combustíveis fósseis e o fim do desmatamento.
Desde que a senhora foi ministra, nos anos 2000, durante o primeiro mandato de Lula, que mudanças houve na Amazônia? Você vê mais desafios agora? O que encontraram na região depois do governo de Jair Bolsonaro e como responderam?
Encontramos uma situação de terra arrasada, com o enfraquecimento dos orçamentos e equipes totalmente intimidadas e desmotivadas. Encontramos o abandono do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e do Fundo Amazônia. Não houve criação de novas unidades de conservação nem de terras indígenas; ao contrário, houve incentivo até mesmo à ocupação irregular de áreas legalmente protegidas. Tudo isso representou uma situação muito grave para as políticas ambientais e para a proteção dos ecossistemas e dos biomas brasileiros.
Nos últimos dois anos e meio, recuperamos essas políticas: ampliamos nossa capacidade de fiscalização em mais de 96% e fortalecemos as ações de prevenção e controle do desmatamento, alcançando, nos dois primeiros anos, uma redução de 46%. Foram 32% no país como um todo, 25% na região do Cerrado e 77%, segundo o dado mais recente, no Pantanal. Estamos atuando também na Caatinga e no Pampa para obter os mesmos resultados.
Neste ano também registramos uma redução nos incêndios. Aprovamos uma lei de manejo integrado do fogo e ampliamos o número de brigadistas para esse combate — hoje, são cerca de 4.300 pessoas. Também aumentamos em mais de 70% a capacidade de aeronaves, reforçando o transporte das brigadas de uma região para outra, tanto para áreas mais acessíveis quanto para as mais remotas.
Além disso, realizamos um amplo esforço de “desintrusão” das terras indígenas. Já obtivemos êxito na Terra Indígena Yanomami, Apitereu, Kayapó, Trincheira Bacajá No e na Terra Indígena Munduruku, das que eu me lembro agora. Fizemos esforços muito grandes, mas que ainda precisam ser fortalecidos porque, como disse, o Brasil é o único país que assumiu o compromisso de desmatamento zero e estamos perseguindo esse objetivo para que isso seja controlado em todos os biomas.
No Brasil, existe a possibilidade de uma rodovia importante, a BR-319, cortar o coração da Amazônia. Há uma tentativa de criar um corredor ecológico, mas em outras estradas, como a BR-163, isso não funcionou. A senhora é a favor dessa construção na Amazônia?
É um empreendimento altamente complexo. Fiquei 15 anos fora do governo e, mesmo aqueles políticos e lideranças bastante interessados em construir a rodovia sem os devidos regulamentos ambientais, não conseguiram fazer. São 400 quilômetros de estrada em plena área de floresta.
Estamos trabalhando para que seja realizado um estudo sobre toda a área de influência desse empreendimento, a fim de verificar sua viabilidade ambiental, sobretudo porque ali existem muitas comunidades indígenas, unidades de conservação e por ser uma área sensível. A BR-163, quando foi construída, também contou com um planejamento. Infelizmente, quando alguns governos mudam, nem sempre dão continuidade a esses planos.
Estamos trabalhando para que seja realizado um estudo sobre toda a área de influência desse empreendimento, a fim de verificar sua viabilidade ambiental, sobretudo porque ali existem muitas comunidades indígenas, unidades de conservação e por ser uma área sensível. A BR-163, quando foi construída, também contou com um planejamento. Infelizmente, quando alguns governos mudam, nem sempre dão continuidade a esses planos.
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima
No Brasil, tivemos um governo que abandonou todas as políticas de proteção ao meio ambiente. Assim que assumimos, retomamos essas políticas e hoje estamos trabalhando tanto nas agendas de comando e controle quanto nas de ordenamento territorial, retomando a criação de unidades de conservação e de terras indígenas e buscando a governança socioambiental dessas áreas. É um esforço que precisa ter continuidade independentemente dos partidos e governos. Só assim será possível prosperar de forma duradoura.
Como os Estados podem coordenar esforços e aproveitar, por exemplo, cúpulas como a da Amazônia, para transformar essas ações em realidade? Além disso, não apenas entre governos, mas também entre ministérios ou pastas como a do Meio Ambiente e a da Defesa?
Já estamos nos articulando e temos vários termos de cooperação. Estamos finalizando um com a Bolívia, por exemplo, para o combate a incêndios, que nos afetam muito nas áreas de fronteira. Há também cooperação entre as polícias, com ações transfronteiriças. Existem problemas relacionados à mineração ilegal, ao tráfico de drogas, e tudo isso só poderá ser enfrentado se houver uma ação integrada e uma ação transfronteiriça que tenha continuidade, independentemente dos governos que estiverem no poder.
Este texto é publicado graças a uma parceria entre El Espectador e InfoAmazonia, com o apoio da Amazon Conservation Team.
Imagem de abertura: Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, durante a Cúpula da Amazônia em Bogotá, na Colômbia. Fotos: José Vargas/El Espectador