Em entrevista à InfoAmazonia, o especialista prevê os prováveis impactos da nova era Trump. Ele explica que as promessas do republicano para o clima ‘são as piores possíveis’ e que serão ‘quatro anos em que vamos perder algo muito precioso, especialmente na agenda climática: tempo’.

Marcio Astrini dedicou os últimos 18 anos de trabalho a entender, explicar e propor ações de combate às mudanças climáticas no Brasil e, em especial, na Amazônia. Desde 2020, ele é secretário-executivo do Observatório do Clima, uma rede que reúne 119 representantes de organizações da sociedade civil, ambientalistas e institutos de pesquisa, todos com o propósito de discutir a agenda climática no país.

O especialista conversou com a InfoAmazonia um dia após o resultado das eleições americanas, na quinta-feira (7). Ele diz que lamenta a vitória de Donald Trump “por várias agendas, não só a de clima, mas também as de direitos humanos, democracia, gênero e raça”. Avalia que o republicano “se retirará das mesas de negociação, aumentará as emissões e, pior ainda, fomentará o contrassenso climático ao redor do mundo”. 

Leia a seguir a entrevista completa.

InfoAmazonia — Como você recebeu a notícia da vitória de Donald Trump?
Marcio Astrini — Normalmente, quando há uma eleição, você torce para que o ganhador cumpra suas promessas de campanha. No caso de Trump, é o contrário: você torce para que ele não faça aquilo que prometeu durante a campanha. As promessas de Trump para o clima são as piores possíveis. São promessas de um negacionista e de alguém que, em parte de sua trajetória, militou contra a agenda climática.

O que se espera é alguém que se retirará das mesas de negociação, aumentará as emissões e, pior ainda, fomentará o contrassenso climático ao redor do mundo. A eleição de Trump é uma catástrofe climática, um evento climático extremo.

Eu lamento muito, por várias agendas, não só a de clima, mas também as de direitos humanos, democracia, gênero e raça. Lamento que um país tão importante tenha no poder alguém que, em vez de buscar soluções, tende a complicar ainda mais a situação.

É uma escolha do povo americano. Não podemos criticar, até porque cometemos o mesmo erro há alguns anos. O que me preocupa é o fato de que são quatro anos em que vamos perder algo muito precioso, especialmente na agenda climática: tempo. Vamos perder um tempo considerável com um negacionista sentado em uma das cadeiras mais importantes do planeta.

É uma escolha do povo americano. Não podemos criticar, até porque cometemos o mesmo erro há alguns anos. O que me preocupa é o fato de que são quatro anos em que vamos perder algo muito precioso, especialmente na agenda climática: tempo.

Marcio Astrini

Hoje, a Amazônia passa por eventos extremos frequentes, com problemas agravados por eles. Como a vitória de Trump impacta o que estamos vivendo aqui?
Os Estados Unidos são, historicamente, o maior emissor de gases do efeito estufa. É o país que precisa fazer o maior sacrifício para reverter suas emissões e o que mais precisa ajudar financeiramente os outros países a também realizarem a transição energética necessária. 

Com Trump, o que se pode esperar é que ele não cumpra nenhuma de suas obrigações e continue lançando mais carbono na atmosfera, acelerando o ritmo de aquecimento do planeta. Um planeta mais quente piora as condições para todos: quem vive na Amazônia, no Rio Grande do Sul, na Somália, em Bangladesh, no Vietnã, no sul da Índia, em qualquer lugar. Trump é alguém que tende a alimentar o problema.

O segundo fator é que, em alguns lugares, existe uma espécie de culto ao negacionismo. Existem grupos que negam o que está acontecendo e arrumam desculpas para isso. Temos essa situação muito presente na Amazônia. Há um movimento muito forte de setores políticos que acham que tudo não passa de uma imagem, uma invenção, uma trama internacional para que nosso país não se desenvolva.

Quando você não aceita o diagnóstico da doença, você não toma o remédio correto para a cura. Ter um presidente americano que alimenta essas dúvidas e todo esse negacionismo acaba atrasando medidas que precisam ser tomadas urgentemente por governantes, como a adaptação: A adaptação climática é o conjunto de ações planejadas para lidar com os impactos das mudanças climáticas, buscando reduzir a vulnerabilidade de pessoas, comunidades, ecossistemas e infraestruturas às mudanças já em curso ou esperadas no futuro..

Esta não é a primeira seca na Amazônia, é a segunda seguida. Temos outro agravante: quando ocorre uma enchente em outros lugares, parece haver uma mobilização nacional e internacional, como aconteceu no Rio Grande do Sul. Agora, quando a seca é no Norte ou no Nordeste, a situação parece quase aceitável, infelizmente, para grande parte do país.

Não há a mesma comoção, os mesmos olhares, a mesma atenção. É um tratamento muito diferente e desigual. Lugares como a Amazônia vão sofrer mais impacto porque têm menos assistência, porque há mais negacionistas. Trump pode piorar esse cenário já problemático, tanto no que se refere ao negacionismo quanto ao aquecimento global, resultando em um mundo ainda mais quente e com mais eventos extremos.

Amazônia passa por seca dos rios que prejudica deslocamento e acesso a água nas comunidades indígenas e ribeirinhas Foto: Mario Neto/Secom-AM

E quanto à política climática global? Teremos impacto direto no que acontece por aqui? No Fundo Amazônia, por exemplo?
O Fundo Amazônia é importantíssimo para o Brasil. Ele financiou o combate ao desmatamento no período entre 2004 e 2012, que foi o mais vitorioso na diminuição do desmatamento no país. 

O fundo é um componente fundamental para o setor que mais emite no Brasil: o desmatamento da Amazônia. Para termos uma ideia, acabamos de divulgar os números do SEEG, que são as estimativas de 2023 para as emissões brasileiras. Quase todos os setores aumentaram suas emissões, mas a redução do desmatamento na Amazônia foi tão significativa que praticamente puxou sozinha emissões brasileiras para baixo. O Fundo Amazônia é essencial para mantermos a queda no desmatamento. 

Sobre o autor

Jullie Pereira

Repórter na InfoAmazonia em parceria com a Report for the World, que combina redações locais com jornalistas emergentes para reportar sobre questões pouco cobertas em todo o mundo. Jullie nasceu e...

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