Doadores para campanhas eleitorais em 2024 receberam multas do Ibama estimadas, no total, em R$ 1 bilhão e estão ligados a crimes ambientais como desmatamento e garimpo ilegal na Amazônia. Eles investiram em candidatos principalmente do Sudeste e Centro-Oeste e em cidades-polo do agronegócio.
Infratores ambientais de todo o país doaram R$ 37,7 milhões para campanhas eleitorais neste ano. Ao todo, esses financiadores de candidatos a prefeitos e vereadores devem R$ 1 bilhão em multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), sendo que R$ 781 milhões (71,8%) são consequência de crimes cometidos na Amazônia.
São 2.470 pessoas envolvidas em 3.930 registros de crimes ambientais no país, como desmatamento e garimpo ilegal. Altamira é a cidade com o maior número (52) de infratores ambientais que realizaram doações eleitorais para campanhas em diferentes partes do Brasil, seguida de Itaituba (44), e São Félix do Xingu (44), todas no Pará. Entre as 10 cidades com maior número de infrações ligadas às doações, sete estão na lista dos municípios mais desmatados na Amazônia desde 2008, segundo os dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Quem recebe o dinheiro
Apesar de as cidades da Amazônia concentrarem o maior número dessas infrações, a maior parte das doações de campanha deste ano não seguiu o mesmo destino. Dos R$ 37,7 milhões doados, apenas R$ 14,9 milhões (39,5%) foram direcionados a candidatos da região amazônica. O restante (R$ 22,8 milhões, ou 60,5%) foi destinado principalmente a políticos das regiões Sudeste e Centro-Oeste, em cidades-polo do agronegócio.
Entre os estados com candidaturas que receberam doações de infratores ambientais, Mato Grosso lidera, com R$ 8,5 milhões. Rondonópolis é a cidade com maior valor recebido, com R$ 1,2 milhão doado para campanhas eleitorais, seguido por Sorriso (R$ 944 mil), Cáceres (R$ 926 mil) e Primavera do Leste (R$ 848 mil).
Já no Pará, estado com a maior taxa de desmatamento acumulado na Amazônia, R$ 2,2 milhões injetados nas campanhas vieram de infratores multados pelo Ibama, resultando na eleição de 19 prefeitos.
No âmbito dos partidos, o MDB teve o maior volume de recursos ligados às multas ambientais, com R$ 7,2 milhões doados por infratores em todo o país. Depois, está o União Brasil, que recebeu R$5,3 milhões, e o PP, com R$ 3,3 milhões.
Megaempresário do agro apoiou prefeito com R$ 6,3 milhões em multas
A lista dos maiores doadores eleitorais multados pelo Ibama começa com o empresário José Ricardo Rezek, de 72 anos, fundador da RZK, uma holding com atuação nos setores do agronegócio, energia e construção, além de comandar também uma das grandes distribuidoras de maquinário agrícola no país. O grupo RZK tem mais de 100 mil hectares de fazendas de gado, soja e milho no Mato Grosso, em Goiás e no Pará.
Rezek tem R$ 6,3 milhões em multas registradas em nome das suas fazendas por operar silos para grãos irregulares, pelo descarte irregular de embalagens de agrotóxicos, entre outros.
Neste eleição, ele investiu R$ 3,4 milhões diretamente em 43 candidatos no Pará, Mato Grosso, São Paulo e Goiás. Além da verba direta para os candidatos, Rezek repassou dinheiro para o diretório nacional do MDB, para o PSD em São Paulo e PT em Araraquara, totalizando R$ 4,5 milhões gastos nesta eleição.
A maior doação individual de Rezek, de R$ 300 mil, foi para a campanha de João Cléber Torres à prefeitura de São Félix do Xingu, cidade que abriga o maior rebanho bovino do país. Apesar dos milhares de reais, Cléber, também pecuarista e com R$ 9,3 milhões em multas por desmatamento ilegal entre 2011 e 2023, não conseguiu se reeleger neste ano.
No ano passado, João Cléber foi acusado pelo MPF de envolvimento na abertura de uma estrada ilegal dentro da Terra Indígena (TI) Apyterewa, além de desmatamento irregular no território. O MPF pediu a condenação de Torres e o pagamento de R$ 2,2 milhões em indenizações, mas o processo ainda não foi julgado.
O prefeito apoiado por Rezek também foi processado pelo MPF por tentar obstruir a desintrusão da TI Apyterewa. Segundo o MPF, Torres divulgou informações falsas sobre uma suposta suspensão da operação de retirada de invasores e incitou a população local contra as autoridades envolvidas. O MPF chegou a pedir o afastamento de João Cléber do cargo em outubro de 2023, mas a Justiça não acatou o pedido.
Assessor do MAPA e madeireiro do 8 de janeiro apostaram em campanhas
Outro empresário do agronegócio multado pelo Ibama com doação eleitoral é Carlos Ernesto Augustin, que desde o ano passado ocupa o cargo de assessor especial do Ministério da Agricultura. Augustin foi nomeado como um sinal de aproximação do governo com o agronegócio no Centro-Oeste.
Augustin chegou a se filiar ao PT e anunciou pré-candidatura à prefeitura de Rondonópolis, um dos pólos do agronegócio em Mato Grosso. Na reta final, recuou e decidiu aportar R$ 980 mil em três candidaturas em Mato Grosso, Goiás e São Paulo. O maior valor foi para o candidato a prefeito em Rondonópolis, Paulo José (PSB), que tinha como vice Pedro Maggi (PSB), primo do sojicultor Blairo Maggi. Apesar dos R$ 720 mil de Augustin, a chapa não conseguiu se eleger.
Augustin foi multado três vezes, entre 1999 e 2009, por desmatamento em Pedra Preta, Itiquira e Alto Garças, no Mato Grosso, com R$ 125 mil em multas ambientais. A maior delas, de R$ 120 mil, pela devastação de 1,2 mil hectares no bioma do Cerrado, já prescreveu. As outras duas multas, somando R$ 5.350, foram pagas.
Já em Rondônia, o madeireiro Nereu Mezzomo colocou R$ 624 mil na candidatura da esposa, Marlei Mezzomo (PP), para a prefeitura de Ariquemes. Mezzomo e suas empresas foram autuados 23 vezes pelo Ibama, em multas que somam R$ 1 milhão, todas ligadas a ilegalidades na atividade madeireira. Em 8 de janeiro de 2023, o empresário publicou fotos nas redes sociais durante os ataques aos três poderes, mostrando as barreiras derrubadas. Apesar dos esforços do empresário, Marlei não conseguiu se eleger.
No Tocantins, Armando Cayres de Almeida, multado em R$ 7,5 milhões por desmatamentos e descumprimentos de embargos do Ibama no Pará e Tocantins, doou R$ 394 mil para campanha de Antônio Cayres, o Antônio do Bar (Republicanos), eleito prefeito de Augustinópolis (TO).
A família Cayres tem como principal expoente o deputado estadual Amélio Cayres (PL-TO), pecuarista que está na política do Tocantins com mandatos desde 1996. Este ano, Amélio Cayres se tornou presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins.
Rei do gás investiu em áreas de interesse na Amazônia
Carlos Seabra Suarez, conhecido como “rei do gás”, é outro empresário multado pelo Ibama que financiou candidatos neste ano. Ex-sócio fundador da construtora OAS e atual sócio de empresas de distribuição de gás natural nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, Suarez investiu R$ 420 mil em 11 campanhas de cidades estratégicas da Amazônia para seus negócios, como Maués, Anamã, Apuí e Envira, todas no estado do Amazonas.
Os interesses de Suarez incluem disputas sobre a legislação de gás no Amazonas e a ampliação da infraestrutura de abastecimento na região.
No ano passado, o repórter André Borges revelou no Estadão como o empresário poderia se beneficiar com um “jabuti”: No processo legislativo brasileiro, jabuti significa a inclusão de assunto alheio ao tema principal em um projeto de lei ou medida outra medida legislativa. Este termo surgiu por analogia ao ditado popular “jabuti não sobe em árvore” usado para expressar fatos que não acontecem de forma natural. dentro do projeto de lei PL 414/2021, que tramita no Congresso Nacional, e trata sobre a modernização do setor elétrico. A reportagem mostrou que o governo destinaria R$ 100 bilhões do lucro com a exploração do pré-sal para financiar a construção de uma rede de gasodutos por todo o país e que atenderia às demandas de Suarez.
Maiores desmatadores da Amazônia
Apontado como um dos maiores desmatadores da Amazônia, José Carlos Ramos Rodrigues foi multado em mais de R$ 104 milhões, entre 1997 e 2020, por desmatamento para criação de gado e por descumprimento de embargos. Cerca de 15 mil hectares de suas terras agrícolas em São José do Xingu, no Mato Grosso, foram embargadas pelo Ibama. Mesmo assim, segundo um relatório da organização Forest & Finance, Rodrigues forneceu gado para a Marfrig de áreas onde não podia produzir.
Além dos crimes ambientais, Rodrigues também foi responsabilizado pelo uso da força de trabalho em condições análogas à escravidão. O caso foi registrado em 2007, quando auditores fiscais resgataram 16 trabalhadores em uma de suas fazendas.
Rodrigues apoiou os prefeitos eleitos de Porto Alegre do Norte e de São José do Xingu, ambas no Mato Grosso, onde estão suas fazendas, com doações de R$ 12,5 mil.
Também na lista dos maiores infratores, o empresário Romeu Froelich, presidente do Grupo Nativa e produtor de soja, algodão e milho no Mato Grosso, doou R$ 225 mil para nove candidatos no seu estado. Froelich tem R$ 33 milhões em multas ambientais por desmatamento no estado, todas autuadas entre 2010 e 2015. O empresário é doador ativo nas campanhas eleitorais. Em 2022, ele apoiou Jair Bolsonaro com R$ 250 mil. Na eleição de 2014, doou mais de meio milhão para candidatos da bancada ruralista no Congresso.
O ex-deputado Daniel Messac, de Goiás, com R$ 67 milhões em multas registradas pelo Ibama entre 2010 e 2021 por desmatamento em Altamira e São Félix do Xingu, ficou conhecido em 2019 por desmatar 214 “maracanãs” na Amazônia. Neste ano, o político investiu R$ 7 mil na campanha de Thialu Guiotti (Avante) à Câmara Municipal de Goiânia, que não foi eleito.
Também tem origem em São Félix do Xingu parte do dinheiro da campanha do presidente da Câmara de Recife, Romerinho Jatobá (PSB), que conseguiu a reeleição. No início de outubro, a InfoAmazonia revelou que Romerinho acumula R$ 17 milhões em multas ambientais na Amazônia. O político é acusado de desmatamento e criação de gado ilegal dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, no Pará, onde ele teria adquirido terras em 2019. A fiscalização constatou que, mesmo após embargos, as atividades ilegais continuaram, incluindo queimadas. Romerinho nega as acusações e moveu ação judicial para desvincular seu nome dos crimes, mas a Justiça Federal manteve as autuações. O Ministério Público investiga o caso. Romerinho doou R$ 40 mil para a própria campanha de reeleição.
Em Novo Progresso, Gelson Dill (MDB) foi reeleito com apoio de R$ 22 mil do irmão, Clairton Dill. Juntos, eles somam R$ 775 mil em multas ambientais do Ibama. Pecuarista, Dill é um dos defensores da regularização de terras na Floresta Nacional do Jamanxim, uma das áreas de preservação ambiental mais pressionadas na Amazônia.
Dill tambem foi multado em R$ 4 milhões por desmatamento ilegal no Parque Nacional do Jamanxim. A multa foi aplicada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em 2020. Entre a eleição de 2020 e a de 2024, Dill viu seu patrimônio saltar de R$ 1,5 milhão, em 2016, quando se elegeu vice-prefeito, para R$ 7.792.411,75 declarados este ano.
Condenado a 91 anos de cadeia ajudou a eleger 12 vereadores e prefeita
Em 2015, o fazendeiro Lindomar Resende Soares foi condenado a 91 anos de prisão em regime fechado por manter 31 trabalhadores em situação análoga à escravidão. As vítimas foram libertadas em 2005, durante uma fiscalização do Ministério do Trabalho na Fazenda Santa Luzia, em Ulianópolis, no sul paraense. Além dos 31 adultos, os fiscais encontraram no local duas crianças que também eram obrigadas a trabalhar.
Lindomar recorreu das decisões e está em liberdade. Neste ano, apoiou financeiramente 60 candidatos em Ulianópolis, com R$ 108 mil, incluindo 12 dos 15 vereadores eleitos e a prefeita eleita, Kelly Destro (MDB). Lindomar soma R$ 9 milhões em multas do Ibama por desmatamento e comércio ilegal de madeira registrados em Paragominas, Ulianópolis e Belém.
Pablo Marçal recebeu doações de 194 infratores, incluindo R$ 10 de garimpeiro
O levantamento também apontou casos curiosos de grandes infratores ambientais, como o do garimpeiro José Aldemir da Silva, multado em mais de R$ 22 milhões por manter garimpos nas regiões dos rios Japurá e Jutaí, no Amazonas, e que doou apenas R$ 10 para a candidatura de Pablo Marçal (PRTB) à prefeitura de São Paulo.
Pablo Marçal foi o candidato que mais recebeu doações de diferentes infratores ambientais. Segundo a análise da InfoAmazonia, 194 pessoas multadas pelo Ibama doaram R$ 135 mil para o candidato paulista. Marçal recebeu, por exemplo, R$ 300 de Kelia Cristina Kirsch, que acumula R$ 17 milhões em multas ambientais por plantar soja em áreas embargadas em Feliz Natal, no Mato Grosso, em 2020.
A InfoAmazonia enviou questionamentos para José Ricardo Rezek, perguntando sobre o motivo do alto investimento nas campanhas e o que lhe atrai a fazer doações para João Cléber em São Félix do Xingu; também questionamos o assessor especial do MAPA, Carlos Ernesto Augustin, sobre suas doações e multas no Ibama, mas não obtivemos retorno até a publicação. Também questionamos Daniel Messac, Nereu Mezzomo e João Cléber Torres, mas não recebemos respostas.
Não conseguimos contatos com Kelia Cristina Kirsch, Lindomar Resende Soares, José Carlos Ramos Rodrigues, Armando Cayres de Almeida e Carlos Seabra Suarez. A reportagem segue aberta para ouvir os citados.
COMO ANALISAMOS AS DOAÇÕES DE INFRATORES?
. Nesta reportagem, analisamos a receita proveniente de doações de pessoas físicas nas eleições de 2024, divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e os dados de infrações ambientais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
. O cruzamento das bases foi feito utilizando o número do CPF dos doadores e dos infratores, considerando toda a série histórica desde 1977 dos autos de infrações não canceladas.
. Para reforçar nosso compromisso com a transparência e garantir a replicabilidade das análises, a InfoAmazonia disponibiliza os dados nesta pasta.
Esta reportagem foi produzida pela Unidade de Geojornalismo InfoAmazonia, com o apoio do Instituto Serrapilheira.
Texto: Fábio Bispo
Análise de dados: Renata Hirota
Visualização de dados: Carolina Passos
Edição: Carolina Dantas
Coordenação de dados: Thays Lavor
Direção editorial: Juliana Mori