A COP16, um dos eventos mais importantes sobre biodiversidade no mundo, ocorre nesta semana em Cali, na Colômbia. Enquanto isso, na Amazônia — uma das regiões mais biodiversas do planeta —, cada hectare de floresta derrubado representa a perda de 139 árvores e, com elas, centenas de conexões com outras espécies. Isso é o que está em jogo.

Antes de decidirmos a capa da edição impressa do “El Espectador”, um dos maiores jornais da Colômbia, deste domingo (20), discutimos por várias horas sobre a melhor maneira de chamar a atenção para a importância da biodiversidade. Não é difícil imaginar que, em meio a tantos anúncios, fóruns, palestras virtuais, reels no Instagram e threads no Twitter, mais de uma pessoa estará — ou já está? — cansada de ouvir sobre biodiversidade, assim como das notícias desoladoras que a cercam. “Já estou saturado da COP, chega!”, reclamava um colega quando contei que cinco colegas jornalistas do “El Espectador” iriam viajar para a COP16, que começou nesta segunda-feira (21), em Cali.

Algo semelhante frequentemente acontece com as pessoas ao se depararem com os números inquietantes da tragédia que a Amazônia enfrenta. Outro colega, o jornalista e escritor Santiago Wills, expressou isso em uma coluna há algumas semanas: “A Amazônia já morreu, ou pelo menos está próxima de passar o ponto de não retorno: O ponto de não retorno é um limite ou situação que, uma vez alcançado, não permite que o sistema volte ao estado anterior., e eu não sei — os jornalistas não sabem — como fazer com que as pessoas se importem com isso”.

Assim, após discutirmos sobre a capa e o primeiro texto da edição de domingo, decidimos contar uma história que nos ajude a dimensionar o que está em jogo quando falamos em proteger a biodiversidade e a Amazônia. Afinal, este lugar é um dos pontos mais biodiversos do planeta, como reiterou o Painel de Cientistas pela Amazônia (SPA) em seu último relatório.

Essa história tem como protagonistas várias árvores. As mesmas que estão sendo perdidas enquanto você lê este relato. À medida que você avança nessas linhas, árvores estão caindo em alguma floresta amazônica. Se precisar de números, entre 1985 e 2023, perdemos 88 milhões de hectares, segundo o MapBiomas Amazônia. E, em cada hectare, desapareceram, em média, 139 árvores que levaram muitas décadas para crescer.

Algumas dessas árvores estão nas fotos em destaque neste texto. Elas foram desenhadas pelos indígenas Diego Guerrero Román e Confucio Hernández para que suas comunidades e nós, os “ocidentais”, lembremos que há uma riqueza na Amazônia que nem sequer conhecemos e que estamos perdendo.

Carlos Rodríguez, diretor da “Tropenbos Colombia”, uma organização que se concentra na proteção e manejo sustentável das florestas tropicais na Colômbia, explica: “com a ampliação da fronteira agrícola, com o desmatamento e com a mineração ilegal, estamos destruindo a floresta sem conhecê-la. A cada dois ou três minutos, uma hectare está sendo queimada e nem sequer sabemos o que há nela. Isso é uma grande vergonha, porque temos a biodiversidade, falamos o tempo todo sobre ela, mas não a conhecemos e tampouco a protegemos”.

Desde que começaram a trabalhar com as comunidades indígenas da Amazônia nos anos 80, a Tropenbos tem feito muitos esforços para resgatar o conhecimento dos povos amazônicos. Alguns anciãos indígenas, diz Rodríguez, podiam nomear até mil espécies de árvores, mas hoje os adultos lembram apenas de 50 a 80. É raro que os mais jovens conheçam mais de 20 espécies.

Por isso, há uma década, a Tropenbos iniciou conversas com os mais velhos para buscar alternativas pedagógicas e evitar que esse conhecimento desapareça junto com a floresta. Sem rodeios, encontraram no desenho e na coleta de amostras de árvores uma maneira de “preservar esses saberes e comunicá-los” entre as comunidades e entre nós, os “brancos”.

“Fico impressionado que o tempo todo falamos de restauração, mas nem sequer conhecemos a composição ou a oferta de sementes de um hectare de floresta amazônica”, acrescenta Rodríguez.

Essa não é a única coisa que surpreende Carlos Rodríguez, biólogo e doutor em Ciências Naturais. Também o surpreende que, ao mesmo tempo em que milhares de hectares de floresta são perdidos, não refletimos sobre as conexões que estão desaparecendo. As imagens a seguir — também de Confucio Hernández, da etnia uitoto — mostram algumas dessas ligações que não vemos, mas que se perdem toda vez que uma árvore cai ou é queimada, como é o caso do caimo: O caimo (nome científico: Cecropia) é uma árvore tropical conhecida por sua rápida taxa de crescimento e suas folhas grandes e palmeadas. Pertence à família das Urticaceae e é comum em regiões tropicais, incluindo a Amazônia..

Ilustraciones que muestran algunas de las conexiones ecológicas del caimo.
Ilustrações que mostram algumas das conexões ecológicas do caimo. Foto: Confucio Hernández/Cortesia Tropenbos Colombia.

Os frutos do caimo silvestre alimentam a arara-vermelha e a arara-azul, além do macaco-esquilo e do churuco, outro primata. A borboleta monarca busca o néctar do fruto quando ele cai ao solo, mas, ao anoitecer, as relações mudam. O caititu: O caititu, conhecido cientificamente como Tayassu tajacu, é um mamífero da família dos caititus (Tayassuidae) que se assemelha a um porco selvagem. come seus frutos, e a cobra verrugosa se aproxima de seu tronco em busca de outras presas. Isso acontece apenas em um período específico, durante a frutificação.

Ilustrações que mostram algumas das conexões ecológicas noturnas em torno do caimo. Foto: Confucio Hernández/Cortesia Tropenbos Colombia

Essas não são todas as conexões que podem existir em torno de uma árvore, obviamente. Como explica o Painel Científico pela Amazônia, as interações entre plantas e animais nessa região são processos ecológicos centrais para a floresta. Sem essas interações, a biodiversidade deixaria de existir.

Resumidamente, entre 80% e 90% das árvores dependem dos animais para a dispersão de sementes, enquanto até 98% das plantas dependem deles para a polinização. “São redes de polinização muito diversas e complexas, que incluem uma ampla variedade de invertebrados e vertebrados e formam a base da reprodução e perpetuação das florestas”, afirma um dos relatórios do painel. Assim como aves e morcegos dispersam sementes durante seus voos, há peixes que se tornam dispersores quando grandes áreas da floresta são sazonalmente inundadas.

Uma árvore, um mundo

Se quisermos analisar em mais detalhes a biodiversidade que estamos perdendo com o desaparecimento de uma árvore na Amazônia, Fernando Fernández, professor da Universidade Nacional e entomólogo (ou seja, especialista em insetos e outros artrópodes), apresenta um exemplo significativo: as abelhas do gênero Exaerete (Apidae) são responsáveis pela polinização das orquídeas que crescem nas árvores amazônicas. Mas, se essas abelhas começarem a desaparecer, as orquídeas também desaparecerão, levando consigo esse grupo de abelhas.

Algo semelhante acontece com o maior besouro do mundo, o Titanus giganteus (Cerambycidae), que pode atingir até 18 centímetros. O entomólogo e professor da U. Nacional, Juan Pablo Botero, destaca a conexão maravilhosa que esse besouro tem com a Amazônia: acredita-se que suas larvas, ainda desconhecidas, se alimentam de raízes. Quando os indivíduos são adultos, comem madeira viva ou em decomposição.

“Quando um tronco cai e morre, como acontece com esse besouro, muitos ‘bichos’, incluindo fungos e bactérias, se alimentam da madeira e ajudam a devolver os nutrientes ao solo, permitindo o crescimento de novas plantas”, explica seu colega Dimitri Forero, do Instituto de Ciências Naturais, da Universidad Nacional de Colombia.

Forero, especialista no estudo de percevejos, não pode deixar de mencionar outro exemplo quando questionado sobre as relações ecológicas que se perdem com o desmatamento da Amazônia: o Montina ruficornis (Reduviidae). Essa espécie, que é exclusiva da região, atua como predador, ajudando a controlar espécies consideradas pragas em algumas culturas agrícolas.

Além disso, como registra um dos relatórios do SPA, em uma única árvore amazônica, um grupo de pesquisadores encontrou 95 espécies diferentes de formigas — o mesmo número que toda a fauna de formigas nativas da Alemanha.

Outro dado sobre os invertebrados, pois raramente pensamos neles quando falamos de biodiversidade: em 2022, um grupo de cientistas liderado por Dalton de Souza Amorim, da Universidade de São Paulo (USP), publicou um estudo na “Scientific Reports” (do grupo Nature) que mostrava os resultados de um experimento para descobrir quais insetos habitam a parte superior das árvores. Após colocar “armadilhas” a até 32 metros de altura, eles observaram que 60% da densidade de insetos naquela porção da floresta (próxima a Manaus) estava no dossel: O dossel é a camada superior de uma floresta, formada pelas copas das árvores que se encontram em altura. e acima dele. Recolheram 37.778 indivíduos. “No dossel, há uma fauna muito rica e exclusiva (…) e um sistema complexo de insetos”, escreveram.

Ilustrações de árvores da Amazônia por Diego Guerrero Román. Foto: cortesia de Tropenbos Colombia

“Essa vegetação no dossel é o abrigo de muitas espécies e há interações maravilhosas que ninguém vê”, acrescenta Lucas Barrientos, professor da Universidade Javeriana, que se dedica ao estudo de anfíbios. Para ele, há muitos exemplos que demonstram a gravidade de uma rã perder as árvores que também são seu lar. Algumas do gênero Ecnomiohyla vivem no dossel, onde se alimentam e descem para se reproduzir. Seus excrementos se tornam matéria orgânica, que se transforma em adubo.

Embora a bacia amazônica tenha a maior densidade de espécies do mundo, ainda existem muitas que não foram descritas. No caso das salamandras, acredita-se, segundo o grupo do SPA, que haja muitas outras espécies desconhecidas. O mesmo acontece com as aves. Apesar de a Amazônia abrigar o maior número de aves do mundo (pelo menos 1.300 espécies), é possível que haja muitas outras. Mais de 260 dessas espécies só são encontradas nesses ecossistemas.

Como a Amazônia não é uma região isolada, Jorge Velásquez, diretor científico da Audubon para a América Latina e o Caribe, destaca que suas conexões se estendem muito além de suas fronteiras. Ele explica que o Parque Nacional Natural (PPN) Serranía de Chiribiquete está ligado à costa ocidental dos Estados Unidos e a territórios tão distantes quanto o Alasca e o sul da Argentina. “As árvores da Amazônia oferecem abrigo para as aves desses locais durante o inverno e servem como ponto de passagem para aquelas que seguem para outras regiões do continente”, observa.

Em um estudo liderado por Velásquez para a Audubon, uma organização dedicada à conservação de aves, foi demonstrado como os parques nacionais colombianos são essenciais para muitas dessas aves migratórias. Embora a maioria das espécies chegue ao Parque Vía Isla Salamanca, no Caribe, uma quantidade significativa passa pelo PPN Serranía de La Macarena (mais de 40 espécies) e pelo PNN Picachos (também mais de 40). Ambos estão localizados na Amazônia.

Se todos esses dados não forem suficientes para compreender o que estamos perdendo com a destruição da floresta — um tema crucial na COP16 — é importante lembrar uma conexão que nos preocupa profundamente: cada árvore pode liberar mais de 1.000 litros de água em apenas 24 horas, o suficiente para encher 10 banheiras.

Aos olhos de Carlos Rodríguez, também devemos pensar nesses rios que voam, conceito que tomamos emprestado da mitologia indígena, ao falarmos sobre biodiversidade.


Este artigo é publicado graças a uma parceria entre El Espectador e InfoAmazonia, com o apoio da Amazon Conservation Team.

Sobre o autor

Sergio Silva Numa

Escreve sobre saúde, meio ambiente e ciência para o El Espectador.

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