Seis capitais da Amazônia têm prefeitos que buscam a reeleição. Desde 2021, esses municípios investiram, juntos, R$ 267 milhões na gestão de meio ambiente, em contraste com uma receita total de mais de R$ 82,2 bilhões.
Neste domingo, 6 de outubro, moradores das capitais da Amazônia vão às urnas em meio a uma das crises ambientais mais graves da história do país. Em Manaus, o rio Negro se aproxima do menor nível em 121 anos. Em Rio Branco, a fumaça das queimadas, que transformou a cidade na capital com a pior qualidade do ar nas últimas semanas, paira sobre os eleitores. No distrito do Bailique, em Macapá, o processo de erosão avança, destruindo casas e ameaçando a subsistência de milhares de pessoas.
Já em Belém, a gestão municipal investe milhões em obras para a COP30, que ocorrerá em 2025, enquanto segue como a capital menos arborizada da Amazônia, enfrentando problemas crônicos de saneamento. Em Boa Vista, a prefeitura descarta os resíduos de forma inadequada em um lixão a céu aberto.
Apesar dos problemas ambientais e climáticos que afetam a vida dos habitantes, uma análise da InfoAmazonia revela que os prefeitos que buscam a reeleição em seis capitais da Amazônia Legal neste ano — Manaus, Rio Branco, Belém, Macapá, Boa Vista e São Luís — destinaram apenas 0,36% de suas receitas para ações relacionadas ao meio ambiente. Juntos, eles investiram um total de R$ 267 milhões entre janeiro de 2021 e junho de 2024, em comparação com uma receita líquida de R$ 82,2 bilhões recebida nesse mesmo período.
Os dados de execução orçamentária das capitais da Amazônia foram obtidos no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), ferramenta destinada ao recebimento dos registros contábeis, financeiros e de estatísticas fiscais do governo, incluindo prefeituras e estados.
Manaus, sob a gestão de David Almeida (Avante), investiu 0,25% da receita para o meio ambiente, um total de R$ 74,6 milhões entre janeiro de 2021 até junho de 2024. Ao mesmo tempo, o prefeito destinou R$ 93 milhões somente neste ano ao Programa Mais Agro, voltado ao agronegócio. Em dois anos de programa, Manaus investiu duas vezes mais no agronegócio (R$ 171 milhões) do que todo valor gasto em meio ambiente em quatro anos, segundo dados do Portal da Transparência do município.
Impactada diretamente pelas queimadas em áreas protegidas, a capital do Amazonas não reservou nenhuma verba específica para prevenção e controle de queimadas em suas Leis Orçamentárias Anuais (LOAs) de 2022 a 2024.
O atual prefeito de Manaus também não traz em seu plano de governo uma seção específica com propostas para a redução dos impactos das mudanças do clima, apenas uma parte direcionada ao meio ambiente em geral. Nela, ele defende a ampliação da arborização da cidade e a melhoria da coleta de resíduos, mas dedica metade do capítulo do meio ambiente às iniciativas que beneficiam animais de estimação.
Já Macapá, governada por Dr. Furlan (MDB), investiu 0,29% de sua receita em meio ambiente, um valor de R$ 17,4 milhões na gestão ambiental. Enquanto isso, a região do Bailique sofre com a redução da vazão do rio Araguari e com a erosão. Além disso, segundo dados do Instituto Trata Brasil: O Trata Brasil é uma organização não governamental brasileira dedicada à promoção de melhorias nos serviços de saneamento básico no país. A organização realiza estudos e pesquisas para mapear a situação do saneamento no Brasil, produzindo relatórios que destacam a realidade do acesso à água e ao esgoto em diferentes regiões do país., 60% dos moradores da capital não têm acesso a água tratada e apenas 4% estão conectados à rede de esgoto. No bairro central, valas canalizam o esgoto para o rio Amazonas.
Em seu plano de governo, Furlan promete a criação de um programa de mitigação às mudanças climáticas e de descarbonização. O município ainda não dispõe de aterro sanitário, e continua depositando resíduos em lixões. O fechamento do lixão foi uma das promessas não cumpridas do candidato que vai à reeleição neste domingo como favorito, segundo as pesquisas.
Sede da COP30 aplicou menos de 1% em gestão ambiental
Belém tem pelo menos 50 pontos críticos para alagamentos, segundo dados da Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan). A cidade está entre as piores capitais no ranking de saneamento do Instituto Trata Brasil (ITB), com apenas 19% da população com coleta de esgoto, sendo que apenas 2,38% deste volume é tratado.
Apesar de se destacar uma das principais capitais na Amazônia brasileira, o município tem uma das menores taxas de arborização de vias públicas do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em julho deste ano, o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues (PSOL), disse à reportagem da InfoAmazonia que, apesar dos desafios, sua gestão estaria priorizando a questão ambiental, mas os dados mostram que esse investimento está longe de ser prioridade no orçamento público.
Em valores absolutos, a capital do Pará destinou R$ 72 milhões à gestão ambiental entre 2021 e 2024, valor inferior ao de Manaus e Boa Vista. Esse montante representa 0,46% do total das receitas correntes líquidas do município, que possui uma população de 1,3 milhão de habitantes. Durante os quatro anos, Belém arrecadou R$ 15 bilhões em receitas líquidas, uma média de R$ 3,9 bilhões por ano.
Só o orçamento previsto para a realização da COP30, somando verbas do município, estado, União e aportes da iniciativa privada, é de R$ 5 bilhões, valor superior a todo a verba disponível para a prefeitura de Belém em 2024, que foi de R$ 4,4 bilhões.
Entre as obras previstas para a COP, estão a abertura de estradas, a construção de centros para receber o evento, a revitalização de praças e canais de escoamento, além do investimento em áreas de baixa renda.
Gado e fumaça em Rio Branco
Dados do Programa Copernicus, da União Europeia, que faz observação da Terra por satélite, mostram que o céu da capital do Acre seguirá sob efeito das queimadas na Amazônia quando os eleitores estiverem a caminho das urnas. As projeções mostram grande concentração de monóxido de carbono nos próximos dias para todo o sudoeste da Amazônia.
O prefeito de Rio Branco, Tião Bocalom (PL), tem se destacado por sua oposição às normas ambientais vigentes e às organizações que atuam nessa área. Em quatro anos, seu governo destinou R$ 56 milhões à gestão ambiental, o que equivale a 1,3% de toda a receita arrecadada no período, que foi de R$ 5,4 bilhões.
Bocalom é um forte defensor da agropecuária e da mineração na Amazônia, que estão entre as atividades que mais pressionam a floresta e as populações tradicionais. Em seu plano de governo, ele destaca que investiu R$ 250 milhões para agropecuária nos últimos quatro anos, valor que é quase cinco vezes maior do que o dedicado ao meio ambiente.
Em depoimento na CPI das ONGs, no ano passado, Bocalom criticou as leis ambientais e disse que elas criam barreiras para o desenvolvimento. Ele questionou as limitações impostas na Reserva Extrativista Chico Mendes, que impede a exploração ostensiva dos recursos naturais.
O prefeito de Rio Branco afirma que há mais de 20 anos luta contra o que ele chama de "turma da florestaria", grupo que, segundo ele, prioriza a preservação ambiental a ponto de colocar os interesses de "macacos e árvores" acima das necessidades humanas.
Enquanto a área no município destinada para agropecuária cresce progressivamente, as queimadas também aumentaram significativamente sobre a floresta, principalmente para o manejo de pasto. Em setembro de 2024, o fogo transformou o ar de Rio Branco no pior entre as capitais brasileiras. Os níveis de poluição do ar chegaram a 480 µg/m³, o que é 32 vezes superior ao limite aceitável de 15 µg/m³ e estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em seu plano de governo, Bocalom afirma que vai investir no combate às queimadas e na preservação ambiental, defendendo que “o melhor desempenho é aquele que irá promover a responsabilidade ambiental através de incentivos econômicos e deixar que o setor privado lidere na criação de soluções inovadoras”.
Lixão em Boa Vista e poluição em São Luís
Boa Vista, capital de Roraima, abriga cerca de 20.410 indígenas, e é a segunda capital do Norte do Brasil com a maior quantidade absoluta de pessoas indígenas, atrás apenas de Manaus. No início deste ano, essas populações viram suas fontes de água desaparecerem com a seca que atingiu a região, e que acabou agravada pelas queimadas.
O prefeito Arthur Henrique (MDB) aplicou R$ 75 milhões para gestão ambiental entre janeiro de 2021 e junho deste ano, o que representa apenas 1% da receita da cidade, que foi de R$ 7,4 bilhões no mesmo período.
O prefeito não cumpriu a promessa de inaugurar um novo aterro sanitário para os resíduos da cidade no primeiro mandato, e mantém a promessa para sua reeleição. Enquanto isso, a cidade continua depositando seus resíduos de forma inadequada.
Em 2021, o Ministério Público de Roraima abriu uma investigação contra o prefeito de Boa Vista. Há suspeita de um crime ambiental na construção de um campo de futebol em uma área considerada de preservação permanente, no Parque Nacional de Viruá. A ação ainda aguarda julgamento.
Já São Luís, capital do Maranhão e integrante da Amazônia Legal, foi o município que menos investiu em gestão ambiental, de acordo com dados do Siconfi, destinando apenas R$ 718 mil para essa área ao longo de quatro anos. Na capital Maranhense, o prefeito Eduardo Braide (PSD) lidera as pesquisas com 62% das intenções de voto.
Entre as questões mais graves de São Luís, está a contaminação dos rios Anil e Bacanga, que sofrem com o lançamento de esgoto in natura. A poluição compromete os níveis de balneabilidade das praias. Além disso, a queima de carvão mineral e atividades de mineração têm gerado contaminação por metais pesados, atingindo não apenas os cursos d'água, mas também a saúde pública.
Apesar do Maranhão ser rico em recursos hídricos, apenas 30% da água disponível é considerada potável.
COMO ANALISAMOS O INVESTIMENTO DOS PREFEITOS À REELEIÇÃO NA ÁREA AMBIENTAL?
. Nesta reportagem, analisamos os dados de execução orçamentária das capitais da Amazônia em que os prefeitos concorrem à reeleição em 2024. As informações foram extraídas do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), referente ao Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO), para o período de janeiro de 2021 a junho de 2024.
. Foi considerada a receita corrente líquida geral e as despesas nas contas de Gestão Ambiental e de Assistência aos Povos Indígenas (encontrada apenas para o município de Boa Vista - RR).
. Para reforçar nosso compromisso com a transparência e garantir a replicabilidade das análises, a InfoAmazonia disponibiliza os dados nesta pasta.
Esta reportagem foi produzida pela Unidade de Geojornalismo InfoAmazonia, com o apoio do Instituto Serrapilheira.
Texto: Fábio Bispo
Análise de dados: Renata Hirota
Visualização de dados: Carolina Passos
Edição: Carolina Dantas
Coordenação de dados: Thays Lavor
Direção editorial: Juliana Mori