Romerinho Jatobá, do PSB, foi identificado pelo Ibama como responsável por desmatamento, criação de gado e queimadas ilegais em área protegida no Pará. Ele nega.

R$ 17 milhões. Este é o valor das infrações ambientais aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ao presidente da Câmara Municipal do Recife, Romero Jatobá Cavalcanti Neto. Mais conhecido como Romerinho Jatobá, o vereador é candidato à reeleição com apoio declarado do seu colega de partido, o prefeito de Recife João Campos (PSB). 

O valor acumulado é o maior em multas ambientais entre todos os candidatos à reeleição dos municípios brasileiros nas eleições de 2024.

A mais de 2 mil quilômetros de Recife, Romerinho foi apontado como responsável pelo desmatamento de 404 hectares de floresta amazônica para criação de gado dentro da Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu, em São Félix do Xingu, no Pará.

Segundo consta nos autos de fiscalização, o político recifense teria adquirido três áreas dentro da APA em 2019, todas com registros de desmatamento e queimadas intensificados depois da compra.

As informações foram obtidas por meio de análise exclusiva realizada pela Agência Tatu e InfoAmazonia, em parceria com o Intercept Brasil.

Romerinho foi multado por desmatamento ilegal, descumprimento de embargos do Ibama por criação de gado ilegal sem autorização do órgão ambiental dentro da unidade de conservação.

Segundo o Ibama, as autuações contra Romerinho Jatobá estão em fase de homologação e dentro do prazo de defesa. Caso ele não apresente elementos que modifiquem o entendimento da fiscalização, os valores vão para execução. Além da multa ambiental, o Ministério Público também ingressou com uma notícia de fato para que o político seja investigado pelos crimes ambientais.

No Cadastro Ambiental Rural: Registro eletrônico obrigatório, feito por autodeclaração e voltado à regularização ambiental de imóveis rurais de todo o país., as fazendas adquiridas por Romerinho estão registradas em nome de terceiros e somam 3,6 mil hectares. É uma área 37 vezes maior que o bairro do Arruda, onde está a base eleitoral do político, em Recife. 

A fiscalização do Ibama foi realizada em 2020, após um grande desmatamento ser detectado na região. A operação do Grupo de Combate ao Desmatamento na Amazônia, realizada entre 2 de outubro e 1º de novembro de 2020 por servidores ambientais e Exército, fez a inspeção no local e embargou quase 2 mil hectares da área, proibindo a atividade agropecuária. Sete autos de infração foram emitidos em desfavor do parlamentar.

Mas o embargo não foi cumprido, e a criação de gado e o desmatamento continuaram – inclusive com uso de fogo. Imagens de satélite mostram que, entre 2019 e 2023, 4,6 mil hectares de florestas na área apontada como de propriedade de Romerinho foram derrubados para criação de gado, como também mostram imagens do local colhidas pelos fiscais do Ibama.

Além disso, entre julho e setembro deste ano, essas áreas registraram focos de queimadas, mesmo tendo sido embargadas e o uso do fogo estar proibido nesta região da Amazônia. Também identificamos que o desmatamento das áreas apontadas como sendo do político se expandiu para além dos limites das três fazendas.

Romerinho nega ser dono do gado e da área. Em resposta à reportagem, o líder da Câmara Municipal de Recife respondeu, por meio de um escritório de advocacia sediado no município de Canaã dos Carajás, no Pará, que “as autuações foram baseadas em uma pesquisa superficial realizada no Google, utilizando os termos ‘Romero’ e ‘Recife’, o que resultou no nome do Sr. Romero Jatobá Cavalcanti Neto sendo o primeiro a aparecer nos resultados”.

O político ingressou com ação na Justiça para desvincular os crimes ambientais de seu CPF. O pedido liminar do político foi negado pela Justiça em setembro de 2023, na decisão, o juiz federal Heitor Souza Gomes, da Vara Federal de Marabá, sustentou que “a jurisprudência é unânime em dar crédito aos atos administrativos e aos seus meios de prova”. 

“Os autos de infração se embasaram em declarações dos trabalhadores que foram encontrados no local do dano no momento da fiscalização, sendo que todas foram claras em afirmar que o impetrante, Romero Jatobá, residente em Recife, seria dono da fazenda”, diz trecho da decisão. O processo ainda aguarda julgamento do mérito.

O relatório de fiscalização do Ibama aponta que a equipe chegou ao nome de Romerinho Jatobá por diferentes fontes, especialmente por meio de entrevistas com pessoas encontradas na localidade, como funcionários e empresários contratados.

Pelo menos três pessoas confirmaram às autoridades a relação de Romerinho com as fazendas. Segundo o relatório de fiscalização, os entrevistados afirmarem que “as fazendas teriam sido vendidas para um Sr. chamado Romero Jatobá de Recife/PE a cerca de um ano, somente confirmam que propriedade foi adquirida antes do desmatamento praticado no local”. O objetivo seria a implantação de uma nova área de pasto, ligada por uma estrada.

Outra evidência registrada foi a marcação no gado, que foram associadas às iniciais de familiares do vereador: “RR” de Romero pai e Romerinho, o filho, “RF” de “Romero Filho” e “SM” de Maura de Sá, a mãe do político.  

A fiscalização também apontou como evidência um caminhão amarelo com a placa de Recife identificado dentro da fazenda. Segundo dados da fiscalização, o veículo – que transportava insumos agrícolas – estava registrado em nome de Rafa Com. e Distribuidora de Alimentos Ltda, com sede no bairro Zumbi, em Recife. A empresa acumula mais de R$ 17 milhões em dívidas com a União.

Recentemente, a empresa alterou dados do negócio na Receita Federal, trocando o endereço da sede para um escritório virtual e modificando drasticamente a natureza do negócio, de alimentos para serviço especializado de apoio administrativo. A razão social também foi alterada para Rafa Serviços Ltda.

O negócio está registrado em nome de Andrea Carla Oliveira Celestino, que durante a pandemia foi beneficiada com auxílio emergencial.

A reportagem esteve nos dois locais apontados como endereços da empresa. No centro empresarial MultiOffice, onde funciona o serviço de caixa postal, fomos informados que a empresa realmente estaria formalmente sediada lá e que a pessoa responsável teria o nome de Rafael Neves. Já no endereço anterior da empresa, encontramos outro negócio do ramo de alimentos em funcionamento: a Mini Menu. Em 2018, os sócios dessa empresa foram investigados por fraudes na merenda escolar em Recife, com outra empresa, a Casa de Farinha. Na sede da empresa, ninguém quis conversar com a reportagem.

Trecho da decisão da Justiça Federal reforça crédito dos atos administrativos que identificaram o político como dono das fazendas. Imagem: Reprodução/JF

Área de preservação é uma das mais desmatadas da Amazônia

A APA Triunfo do Xingu, onde o político teria cometido os crimes ambientais, é uma das unidades de conservação mais afetadas pelo avanço ilegal da pecuária. O município de São Félix do Xingu, que abriga parte da unidade, tem o maior rebanho bovino do Brasil, com quase 2,3 milhões de cabeças de gado.

A Unidade de Conservação contabilizou, sozinha, 33% dos focos de queimadas entre julho e setembro deste ano, incluindo fogo ilegal registrado pelos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) nas áreas indicadas como sendo do presidente da câmara de Recife.  

As multas dos órgãos ambientais configuram infrações administrativas e que podem ser seguidas de advertências e multas. Os multados têm direito de recorrer. Caso a sanção do órgão ambiental seja convertida em ação na Justiça, ele pode responder por crime ambiental.

Um levantamento recente da BBC Brasil mostra que só nas eleições de 2024 são mais de R$ 500 milhões em multas ambientais vinculadas a candidatos.

Focos de queimadas registrados nas fazendas de Romerinho Jatobá. Fonte: CAR/INPE. Análise: InfoAmazonia/Agência Tatu.

Político é sócio em resort na Ilha de Fernando de Noronha

Além da relação com gado na APA Triunfo do Xingu, Romerinho também tem negócios em outra unidade de conservação, a ilha de Fernando de Noronha, onde aparece como sócio com outros políticos na pousada Village Premiere.

São sócios no negócio em Noronha o deputado federal André Ferreira, do PL de Pernambuco, e os também vereadores em Recife Samuel Salazar, do MDB, e Eriberto Rafael, do Progressistas, todos concorrendo a uma nova vaga no legislativo da capital pernambucana.

Romerinho também é dono de uma empresa de vigilância privada, a Proação Segurança Privada, em Recife, além de constar como diretor do Conselho Nacional do Poder Legislativo Municipal das Capitais.

O político tenta a terceira reeleição no dia 6 de outubro. Na campanha deste ano, ele declarou um total de R$ 2.470.306,06 em bens à Justiça Eleitoral, indicando cotas em duas empresas, nos valores de R$ 750 mil e 104 mil, sem fazer referência direta sobre quais são estes negócios.

Desde 2016, quando foi eleito pela primeira vez, o patrimônio declarado pelo vereador cresceu 275%, passando de R$ 896 mil para os mais de R$ 2,4 milhões declarados este ano.

A evolução patrimonial de Romerinho é semelhante à dos seus sócios políticos. O deputado André Ferreira, que em 2014 declarou R$ 800 mil em bens, na última eleição que concorreu, em 2022, declarou R$ 2,8 milhões. O vereador Salazar, que em 2016 declarou R$ 877 mil, este ano informou um patrimônio de R$ 2,5 milhões. Já Eriberto Rafael, que em 2016 tinha R$ 517 mil, apresentou uma lista de bens em 2024 que somam R$ 1,4 milhão.

Sobre o autor
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Fábio Bispo

Repórter investigativo da InfoAmazonia, em parceria com a Report for the World, que combina redações locais com jornalistas emergentes para reportar sobre questões pouco cobertas em todo o mundo. Ele...

Lucas Maia

Jornalista formado pela UFAL, tem experiência em análise de dados, data storytelling e dataviz. É diretor da Agência Tatu e também atua como jornalista de dados no projeto CruzaGrafos, da Abraji.

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