Somente durante a atual legislatura, que está em vigor há 1 ano e 6 meses, a Comissão de Meio Ambiente (CPAMA) da Assembleia Legislativa do Amazonas passou a abordar propostas relacionadas a eventos extremos climáticos.
Ao longo das últimas décadas, as queimadas, a fumaça e a seca na Amazônia vêm se agravando de forma contundente. Recentemente, em 2023, a região enfrentou uma seca histórica, com os maiores rios atingindo níveis críticos. Já este ano, as queimadas caminham para ser uma das piores já registradas nos últimos anos.
Um levantamento exclusivo da InfoAmazonia revelou que, enquanto a Amazônia sofre com os extremos climáticos e uma série de crimes ambientais, 63% das matérias legislativas que tramitaram na Comissão de Proteção aos Animais, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (CPAMA-Aleam) nos últimos 5 anos e meio, estavam relacionadas à causa animal, com foco especial em animais domésticos, um total de 88 proposituras.
A análise considerou 140 documentos registrados no Sistema de Apoio ao Processo Legislativo da Assembleia Legislativa do Amazonas (SAPL-ALEAM). O período analisado corresponde a 19ª legislatura (01/02/2019 a 31/12/2022) e a primeira metade do atual mandato (01/02/2023 a 31/08/2024). Matérias legislativas são atos, proposições, denúncias, requerimentos, projetos e representações apreciadas pelo Poder Legislativo.
Enquanto isso, apenas 13 propostas ambientais tratavam de mudanças climáticas e queimadas, correspondendo a 9% das pautas presentes na CPAMA. Isso demonstra que, apesar da urgência e da gravidade da questão climática no Amazonas, marcada pelo aumento do fogo e de outros crimes ambientais, esses temas ainda não recebem a prioridade necessária no debate legislativo, figurando como pauta de baixa prioridade em comparação a outros assuntos abordados.
Em 2024, das 11 proposituras analisadas pela Comissão, nenhuma tinha ligação com os temas mais sensíveis às problemáticas que atingem o Amazonas, como estiagem, queimadas e a consequente fumaça. Em agosto, a qualidade do ar era avaliada como péssima na maioria das zonas de Manaus e também no interior do estado, segundo medição do Sistema Eletrônico de Vigilância Ambiental (Selva), da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
As demais pautas presentes no escopo das 140 matérias legislativas analisadas pela reportagem referem-se às temáticas do Meio Ambiente 43 (31%) e do Desenvolvimento sustentável, que contabilizou 7 (5%) projetos. Durante o período analisado, nenhuma indicação, requerimento, denúncia, ofício ou representação relativos às problemáticas ambientais foram enviadas pela CPAMA ao Poder Executivo e/ou Judiciário, conforme demonstra o registro do Sistema da ALEAM.
Duas matérias (1%) registradas no SAPL e que integram a atividade da comissão não tinham a ver com a área de atuação da mesma: referiam-se à temática da saúde, sendo que uma delas era relativa à obrigatoriedade de exames de mamografia e foi devolvida à comissão de competência. A outra, que institui a Semana Estadual de Políticas Sobre Drogas, recebeu parecer favorável da CPAMA.
O SAPL permite a consulta de algumas informações, mas as atas das reuniões da comissão, fundamentais para entender o debate entre parlamentares, não estão acessíveis ao público. Essa falta de transparência limita as análises e a fiscalização da atuação parlamentar, restringindo o acesso da sociedade à discussão de questões ambientais urgentes, por exemplo.
Nos últimos 18 meses, mudanças climáticas representam apenas 12% da temática da CPAMA
Durante a atual legislatura, que está em vigor desde 2023, nove propostas que tramitaram na comissão eram sobre temas relativos aos eventos extremos climáticos, o que representa apenas 12% das temáticas de trabalho da Comissão de Meio Ambiente, que durante este período já registrou 76 matérias legislativas, conforme o SAPL. Desse total, apenas uma tem como autor um membro da CPAMA, o deputado Carlinhos Bessa (PV), que é suplente.
Exemplo destas aprovações, é a recente Lei 6.528, que estabelece diretrizes gerais para a elaboração dos planos de adaptação às mudanças climáticas (PL 298/2023), de autoria do presidente da Assembleia Legislativa, Roberto Cidade (União Brasil), atual candidato a prefeito de Manaus. Em novembro de 2023, a InfoAmazonia publicou reportagem mostrando como instrumento legal, voltado para essa necessidade, já existe desde 2007, mas não vinha sendo cumprido.
As legislações sancionadas recentemente incluem também a Lei nº 6.376 e a Lei nº 6.989, que tratam de questões emergenciais e de conscientização ambiental. A Lei 6.376 estabelece normas para a Atenção às Emergências Climáticas e o Combate ao Racismo Ambiental, promovendo a transição energética e a gestão de riscos no âmbito estadual. Já o PL 1002/2023 institui a campanha “Preserve Nossa Floresta – Apague essa Ideia”, com foco no combate a incêndios e queimadas, aprovada em meio à crise de queimadas e estiagem que afetou o Amazonas em 2023.
Já a Lei nº 6.514 cria a Política de Inteligência Climática para a Agricultura. A nova legislação visa incentivar a adoção de tecnologias que ajudem o setor agrícola a se adaptar às mudanças climáticas, promovendo sistemas integrados de produção, como a interação entre lavoura, pecuária e floresta. Esses mosaicos produtivos buscam favorecer práticas mais sustentáveis e resilientes, contribuindo para a preservação ambiental e a sustentabilidade do agronegócio.
Em 2023, das 65 matérias que passaram pela CPAMA, de fevereiro a dezembro, dez (15%) guardam alguma relação com as principais problemáticas vivenciadas no Amazonas, como a atual situação de queimadas e fumaça, estiagem severa com seca histórica dos rios, e desmatamento. Entretanto, sete desses projetos estão ligados a situações como a homenagem a datas simbólicas, a exemplo do PL 894/2023, que institui o Dia Estadual da Luta Contra as Mudanças Climáticas, em 20 de setembro. Embora preveja campanhas de conscientização, palestras e seminários, não está atrelado a nenhuma política pública.
Flexibilização ambiental
A CPAMA tem aprovado projetos que, em alguns casos, levantam questionamentos sobre sua real contribuição para a proteção ambiental. Enquanto um número reduzido de leis que buscam mitigar os impactos das mudanças climáticas são sancionadas, outras iniciativas, como a criação de um dia comemorativo para atiradores e caçadores, parecem destoar das urgências ambientais do estado.
Um dos projetos de destaque é o PL 499/2023, que recebeu parecer favorável em julho de 2023 pela Comissão, e foi sancionado como lei pelo governo estadual em outubro do mesmo ano. A lei flexibiliza o licenciamento ambiental de competência estadual, facilitando a conclusão da rodovia BR-319. Entre as medidas previstas na Lei nº 6.465, de 10 de outubro de 2023, estão a supressão de vegetação nativa e a implantação de cercas em rodovias, sem necessidade de autorização dos órgãos ambientais.
Outro ponto controverso foi o Projeto de Lei Complementar 06/2023 e o PL 1254/2023, que propunham destinar 50% das multas ambientais para o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), responsável pela fiscalização e concessão de licenças. Ambas as propostas foram vetadas pelo governo, após recomendação da Procuradoria Geral do Estado (PGE), alegando “vício de iniciativa” por interferir em competências exclusivas do Executivo.
O Ipaam, que concede licenças para grandes projetos minerais no estado, tem sido alvo de questionamentos judiciais, em grande parte movidos pelo Ministério Público. Esses debates expõem a tensão entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental no Amazonas.
Conservadorismo impede avanços ambientais no Amazonas
A porta-voz do Greenpeace Brasil, Gabriela Nepomuceno, afirma que a predominância de parlamentares de partidos conservadores em comissões ambientais reflete o que ocorre no cenário nacional, com a ocupação de vagas por representantes da extrema direita. No Amazonas, partidos como União Brasil, Avante, PL e Podemos representam 83% da composição da Comissão de Proteção aos Animais, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, trazendo um viés político que, segundo ela, tende a desacreditar a gravidade das mudanças climáticas.
A CPAMA é composta por seis parlamentares, apenas um pertence ao campo progressista, no caso o Partido Verde (PV), que desde sua fundação no Brasil, em 1986, tem a pauta ambiental como foco principal.
A especialista critica a postura desses partidos, que, em vez de promover pautas voltadas ao enfrentamento das crises ambientais, optam por temas mais consensuais e menos polêmicos, como a causa animal. Para ela, isso freia o avanço de legislações importantes para o desenvolvimento sustentável, resultando em ações de obstrução dentro da comissão.
“A gente sabe que são partidos notadamente negacionistas climáticos, que pregam a desinformação com relação aos eventos extremos. É muito significativo que eles estejam numa comissão que deveria defender a construção de uma legislação favorável ao desenvolvimento sustentável e de pautas relativas ao clima”, afirmou a porta-voz do Greenpeace Brasil.
Sociólogo e coordenador do Comitê Amazonas de Combate à Corrupção Eleitoral, Carlos Santiago, reforça a crítica, afirmando que questões ambientais são tratadas como secundárias pelos deputados. Ele aponta que a construção de rodovias e o apoio a garimpeiros têm mais apelo entre os políticos locais do que o debate sobre queimadas e mudanças climáticas, o que exige uma transformação institucional e social para reverter esse cenário.
“Preferem fazer um populismo dentro de uma comissão que mistura muitas coisas, incluindo oferecimento de serviços como o de castração animal, para angariar a simpatia de quem possui pet, do que discutir uma política ambiental para o Estado do Amazonas”, explica Santiago. Para vencer esse quadro, o sociólogo acredita que os órgãos de fiscalização como o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado (TCE), por exemplo, precisam se interessar em cobrar, acompanhar e fiscalizar políticas públicas direcionadas à questão ambiental.
Para ele, “não é admissível que prefeitos, administradores municipais fiquem cortejando garimpeiros, que praticam atividades ilícitas nos rios”. “Mas, tudo isso requer uma mudança completa de comportamento que passa pelas instituições e pela sociedade”.
Assembleia e CPAMA ignoram questionamentos
A reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação da Assembleia Legislativa do Amazonas e da Comissão de Meio Ambiente para obter esclarecimentos sobre o tema. Além disso, foram feitas tentativas de contato telefônico com a presidência da comissão, mas, até o fechamento desta edição, não houve retorno.
Como analisamos a atividade parlamentar da CPAMA
Para esta reportagem, foram utilizados os dados disponíveis no Sistema de Apoio ao Legislativo da Aleam, abertos para a consulta dos cidadãos. Na aba “relatórios” do site do sistema, é possível utilizar o filtro “Histórico de Tramitações de Matérias Legislativas”, selecionando o período e local de tramitação.
Neste caso, optou-se em selecionar como local de origem e de destino a própria CPAMA para aferir as propostas feitas pela comissão, bem como as que foram apreciadas pela mesma por terem sido a ela destinadas. O Sistema lista 12 tipos de matérias legislativas como filtros possíveis. A reportagem deixou sem seleção para abarcar todas as possibilidades possíveis. Foi realizada uma checagem, para garantir que os resultados coincidissem com a busca total inicial.
A categorização das matérias legislativas analisadas seguiu a linha adotada na nomenclatura da própria Comissão, a partir da leitura de cada uma das propostas e classificação sobre em qual linha de atuação da comissão estava vinculada.
Esta reportagem foi realizada pela Rede Cidadã InfoAmazonia, e contou com o apoio do Programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC), que atua para amplificar ações climáticas locais e busca desempenhar um papel central no debate climático global. A InfoAmazonia faz parte da coalizão “Fortalecimento do ecossistema de dados e inovação cívica na Amazônia Brasileira” com a Associação de Afro Envolvimento Casa Preta, o Coletivo Puraqué, PyLadies Manaus, PyData Manaus e a Open Knowledge Brasil.
Parabéns pela iniciativa de revelar a nós, cidadãos e cidadãs do Amazonas, esta realidade que para mim só comprova o que qualquer pessoa com certo nivel de argúcia e conhecimento percebe claramente na “classe política” amazonense. Um misto de incompetência, ignorância, irresponsabilidade e mesmo cumplicidade com a criminalidade ambiental, são as características predominantes desses ditos “representantes ” do povo. Ocorre no Legislativo mas também no Executivo. Bem coerente com o infeliz título de campeão nacional de poluição, desmatamento, incêndios e garimpagem ilegal conquistado atualmente pelo nosso Estado.
Muito triste a postura deste governo perante um problema desses sem precedente