Trechos asfaltados de seis rodovias estaduais conectadas à rodovia federal já impactam 34 TIs e 24 UCs, segundo análise inédita da InfoAmazonia; especialistas apontam que trechos planejados e abertura de novos ramais também devem ser considerados no licenciamento da rodovia federal.

Como analisamos o impacto das rodovias estaduais ligadas à BR-319 em TIs e UCs do Amazonas?


Cruzamos dados públicos de infraestrutura rodoviária e áreas protegidas que permitiram avaliar o impacto das rodovias ligadas à BR-319

A reportagem teve acesso, via Lei de Acesso à Informação (LAI), ao traçado das rodovias estaduais AM-254, AM-354, AM-356, AM-360, AM-364 e AM-366 planejadas pela Seinfra-AM.
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Com forte potencial de causar divisões internas na atual gestão de Luiz Inácio Lula da Silva,  a pavimentação da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), permanece no horizonte do Ministério dos Transportes mesmo projetando impactos em dezenas de terras indígenas e unidades de conservação.

Levantamento exclusivo da InfoAmazonia constatou que o impacto de seis rodovias estaduais previstas para se conectarem à BR-319, segundo o traçado disponível na base de dados rodoviários do DNIT, pode chegar a 40 terras indígenas (TIs) e 38 unidades de conservação (UCs). Sobre esses territórios tradicionais, estima-se uma população impactada de mais de 23 mil indígenas, segundo a base de dados Terras Indígenas no Brasil, do Instituto Socioambiental (ISA).

Com quase 240 km de extensão, os trechos pavimentados desses 6 ramais: Um ramal rodoviário é uma ramificação de uma estrada principal da BR-319 representam cerca de 20% do traçado total – pouco mais de 1200 km – planejado pela Secretaria de Infraestrutura do Amazonas (Seinfra-AM) e já impactam diretamente 34 TIs e 24 UCs.

Ramais aumentam desmatamento às margens da BR-319. Foto: Cristie Sicsú/OBR-319

Em sua área de influência, os ramais acumulam desmatamento que equivale a quase metade da área do município de São Paulo 746 km², registrados  entre 2008 e 2022 pelo Prodes – sistema de monitoramento anual de perda de vegetação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O resultado vai ser um desmatamento muito intenso, irreversível, no coração de uma área muito importante do ponto de vista de equilíbrio ambiental e de proteção da biodiversidade. Vai explodir o desmatamento no estado do Amazonas inteiro. Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima.

Suely Araújo, especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima.

A reportagem teve acesso ao traçado das rodovias planejadas pela Seinfra-AM via Lei de Acesso à Informação (LAI). Com base nesses dados, analisamos os impactos dessas estradas, considerando a área de 40 km ao seu redor, estipulada pela Portaria Interministerial 60/2015 para determinar a área de influência de rodovias na Amazônia Legal e utilizada no estudo de impacto ambiental (EIA) da BR-319.

Também consideramos uma zona de amortecimento de 10 km ao redor das áreas protegidas, faixa utilizada para calcular o impacto de atividades econômicas e empreendimentos próximos que afetem negativamente a preservação desses territórios, assim como a vida e a cultura das populações que ali vivem. 

Questionada sobre a origem dessas estradas, a Seinfra-AM afirmou que “não há um documento oficial que apresente informações precisas sobre a inauguração e construção dessas vias”. Por meio de nota enviada à reportagem, a secretaria afirmou que “é possível inferir que todas as rodovias citadas já haviam sido construídas ou planejadas até o ano de 1986”, com base no decreto estadual nº 9885/1986, que estabelece diretrizes, normas e a extensão das faixas de domínio no Amazonas.

Suely Araújo considera que uma avaliação ambiental estratégica da região, feita em conjunto pelo governo federal, governo estadual e municípios, seria a medida mais adequada, do ponto de vista técnico, para avaliar os impactos da BR-319.“Toda essa região e os empreendimentos previstos nela, tanto do governo federal, quanto do governo estadual, deveriam ser objeto dessa avaliação, somando os efeitos negativos desses ramais, da liberação do trecho do meio e de outros empreendimentos previstos para a região, não necessariamente só rodovias. Essa licença tem que ser lida em seus efeitos regionais”.

BR-319, trecho do meio. Foto: Divulgação

A ex-presidente do Ibama observa problemas jurídicos na licença prévia da BR-319 e defende sua revisão pelo órgão ambiental, uma vez que as condicionantes previstas não têm elementos para controlar o desmatamento que vai ser gerado pela reativação da rodovia.“Esse conjunto todo vai levar a um desmatamento absolutamente descontrolado e inaceitável. Você teria que primeiro resolver essa situação antes de liberar a licença prévia, que é um atestado jurídico de viabilidade ambiental de cada empreendimento”, avalia Suely Araujo.

Apesar da licença prévia ter sido autorizada ao final do mandato de Jair Bolsonaro (PL), os estudos de viabilidade e sustentabilidade ambiental do projeto seguem válidos, aguardando serem analisados por um grupo técnico criado no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)  para decidir sobre o seu início. 

A próxima etapa do processo é a obtenção da licença de instalação, emitida com base no Plano Básico Ambiental que será apresentado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).  

Estudo sobre Trecho do Meio considerou apenas 5 terras indígenas

Localizada no coração da Amazônia, a BR-319 cruza uma região repleta de áreas protegidas e planeja a pavimentação de 405 km no chamado Trecho do Meio, com início na divisa entre os municípios Borba e Beruri e final em Humaitá, onde se liga ao trecho asfaltado que segue até Porto Velho (RO).

Estrada aberta na Resex do Lago Grande Capanã. Foto: Divulgação/OBR 319

“O EIA-Rima é muito incompleto, não considera os impactos secundários da obra, ignora todo o processo de ocupação e as estradas estaduais planejadas, que impactam terras indígenas e unidades de conservação, nada disso foi considerado”, aponta Fernanda Meirelles,  secretária-executiva do Observatório da BR-319, formado por uma rede de organizações da sociedade civil, pesquisadores e associações indígenas.

A pesquisadora Ivani Faria, professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) que participou do Estudo de Componente Indígena (ECI) no EIA-Rima anterior da BR-319, realizado em 2008, destaca que esse tipo de estudo precisa considerar as rodovias estaduais, mesmo aquelas que estão apenas planejadas, mas não foram abertas.

“Em um estudo de impacto, a gente também faz a previsão de cenários. Essas rodovias tinham que ter entrado, porque um dia elas podem vir a ser executadas. A gente faz o estudo para prever os impactos e, assim, definir as medidas mitigadoras”, comenta Ivani.

Em um estudo de impacto, a gente também faz a previsão de cenários. Essas rodovias tinham que ter entrado, porque um dia elas podem vir a ser executadas.

Ivani Faria, professora da Ufam