Responsáveis por executar ações de adaptação e redução dos danos ligados às mudanças climáticas, os dois principais cargos municipais devem fortalecer órgãos ambientais, como as secretarias e as defesas civis, e desenvolver um plano de resposta para eventos extremos.
Da seca às enchentes, a crise climática atinge os municípios da Amazônia. Prefeitos e vereadores precisam agir para mitigar os impactos locais, seja fortalecendo órgãos como a Defesa Civil e a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, ou adotando medidas de adaptação — como a criação de um plano concreto que permita aos bairros e comunidades enfrentarem essas emergências.
Oficialmente, a Constituição não define quais são as responsabilidades dos prefeitos e dos vereadores especificamente em relação ao clima — até porque eventos extremos passaram a ser sentidos com mais frequência recentemente. No entanto, há ações que podem ser implementadas dentro de suas funções de gestão e fiscalização municipal. Por exemplo, em cenários de seca extrema e enchentes, o fortalecimento da Defesa Civil pode ser uma estratégia para garantir a atuação em deslizamentos de terra, desabamentos, quedas de pontes e até na distribuição de alimentos para comunidades isoladas pela baixa dos rios.
A Defesa Civil também é responsável por atuar na prevenção de situações de risco de desastres. Cabe a ela alertar seu braço federal, a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, quando os problemas atingem níveis críticos e demandam auxílio federal. São os agentes de defesa que realizam o mapeamento de zonas vulneráveis e indicam ações eficazes para prevenir novas tragédias.
Além disso, é responsabilidade da prefeitura alocar o orçamento para a resposta e recuperação de desastres — seja para os órgãos municipais, seja para solicitar apoio do governo federal em casos de emergência. Em maio, quando o Rio Grande do Sul foi atingido por enchentes, o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) já havia informado e alertado os prefeitos sobre as cidades gaúchas mais vulneráveis às mudanças climáticas. Com essas informações, eles poderiam ter elaborado um plano de prevenção, contatado o governo federal e solicitado financiamento.
Outro principal órgão que necessita de fortalecimento e fiscalização é a secretaria municipal de meio ambiente. É por meio dela que os prefeitos propõem projetos, programas e ações ambientais nas cidades. Essas secretarias podem efetivar o aumento da arborização para diminuir a sensação térmica, proteger os animais que estão expostos nas zonas rurais da cidade e realizar limpezas de rios e igarapés que poderiam estar sendo usados pela população.
Apesar do papel importante dessas secretarias ambientais especializadas na gestão municipal, um levantamento do De Olho nos Ruralistas revela que, entre os 100 maiores municípios do Brasil, menos da metade (48) possui uma secretaria municipal exclusiva para a área ambiental. Em algumas cidades da Amazônia, como Coari e Japurá, no Amazonas, e Apiacás, Brasnorte e Comodoro, no Mato Grosso, a pasta ambiental está inclusive unida à de Agricultura.
Para Geyza Pimentel, professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e doutora em ciência política, o distanciamento de alguns políticos da Amazônia em relação ao tema ocorre por questões ideológicas. “São pautas que não são bem vistas pelo público e pelos partidos, porque a pauta do clima e do meio ambiente já foi carimbada como uma pauta de esquerda. Analisando os municípios e estados da região Norte, a maioria tem um alinhamento com a direita. Então, quando se trata dessas pautas, é preferível ficar calado do que trazer para uma discussão”.
O papel do vereador
Os vereadores fazem parte do Poder Legislativo e têm como função criar leis de proteção ao meio ambiente. Eles propõem novos projetos nas Câmaras Municipais que, quando aprovados, são encaminhados para a sanção dos prefeitos — um processo semelhante ao que ocorre no Legislativo federal, entre deputados e o presidente. Após a conclusão desse trâmite, as leis municipais são publicadas no Diário Oficial.
O poder legislativo municipal pode solicitar audiências com os secretários de meio ambiente ou com o prefeito, que são obrigados a participar de sabatinas ou audiências públicas quando convocados pelos vereadores. Os parlamentares também podem pedir dados sobre os recursos financeiros aplicados. Além disso, é a Câmara Municipal que define o orçamento da cidade, incluindo quanto será investido na proteção das áreas verdes ou em políticas ambientais.
Entre suas atribuições, os vereadores podem propor leis em diversas áreas sociais, relacionadas à adaptação e mitigação dos danos climáticos. No entanto, Pimentel afirma que tanto prefeitos quanto vereadores só começaram a discutir recentemente os temas ambientais ligados à Amazônia, devido à urgência desses assuntos. Mesmo assim, segundo ela, a ideologia parlamentar ainda não é favorável.
“É uma pauta difícil de ser discutida e de passar qualquer lei ambiental para coibir os agravamentos que nós temos nesses últimos anos. Porque foi feito um processo em que os próprios empresários interessados na exploração dos territórios viram que fazer lobby e estar no meio político é mais vantajoso. Então, você vê candidatos interessados em causas próprias”, afirma a professora.
Os cidadãos podem acompanhar a tramitação das propostas dos vereadores diretamente nos sites das Câmaras Municipais de cada cidade. No entanto, algumas iniciativas buscam facilitar o acesso a essas informações, que muitas vezes não são de fácil leitura ao público. O Diários do Clima, por exemplo, é uma plataforma que reúne publicações dos Diários Oficiais de diversos municípios do Brasil e oferece uma ferramenta que permite a busca por temas específicos por meio de palavras-chave. Ela é uma iniciativa da InfoAmazonia em parceria com outros veículos e instituições, como Eco Nordeste, ((o)) Eco, #Colabora – Jornalismo Sustentável, Envolverde e Open Knowledge Brasil. Além disso, o Política por Inteiro, do Instituto Talanoa, compila diariamente documentos e atualizações sobre atos tanto do Executivo quanto do Legislativo.
Plano de adaptação
Um Plano de Adaptação Climática elaborado pelo próprio município deve definir as medidas de prevenção a desastres e eventos extremos, como secas e enchentes. Entre as capitais da Amazônia, somente Rio Branco, no Acre, possui um Plano de Adaptação Climática. Um levantamento feito pela Associação Abaré Escola de Jornalismo revelou que, entre os candidatos à prefeitura das nove capitais da Amazônia, apenas quatro estão propondo a criação de um plano.
Atualmente, o governo federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), está desenvolvendo o Plano Clima, que terá um papel semelhante, mas com medidas a serem implementadas em todo o país. Embora os documentos sejam distintos, eles englobam ações complementares: o Plano Clima deve orientar os planos de adaptação municipais, que, por sua vez, devem incluir detalhes locais para que as medidas sejam adaptadas às particularidades de cada região, bioma e biodiversidade local.
Para o ativista ambiental Thales Lima, do Instituto Mapinguari, organização sediada em Macapá, no Amapá, as políticas consideradas prioritárias nas cidades da Amazônia, como infraestrutura e urbanização, precisam levar em conta as características regionais e o contexto social único de cada município.
“Quando pensamos nestas cidades em contextos amazônicos, nós observamos que, há muito tempo, elas foram condicionadas a um tipo de desenvolvimento importado da Europa, do Sudeste do Brasil, que desconsiderou as características ambientais que elas sempre tiveram. Cada uma das nossas capitais tem uma conexão com os rios, mas é como se eles estivessem por trás, não há uma valorização disso”, diz.
Apesar dessa dificuldade, Thales avalia que os danos causados pela crise climática, cada vez mais frequentes, geram uma maior comoção na população em relação ao tema, o que pode resultar em mais envolvimento e comprometimento nos próximos anos. “Vivendo os extremos, passamos a enxergar que é preciso novas iniciativas dentro das cidades para adaptar mesmo esses ambientes. Agora, estamos vendo que [a mudança do clima] não era um tema prioritário na Amazônia e os prefeitos não estão investindo nele”, diz.
Para a historiadora Francy Junior, do Movimento das Mulheres Negras da Floresta, de Manaus, os prefeitos da Amazônia devem focar sua atenção na implementação de mais áreas verdes, que ajudem a reduzir a temperatura ambiente, na melhoria da drenagem da água da chuva, na criação de parques e corredores ecológicos. “Assim como, ampliar, fomentar e preparar o sistema de saúde do município para lidar com o aumento de problemas respiratórios e outras doenças associadas às mudanças climáticas e ambientais, como as ondas de calor, é essencial para nossa população”.
O prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), que é candidato à reeleição, anunciou em 12 de agosto a criação de um plano municipal que inclui um Comitê Municipal de Combate às Queimadas, campanhas de orientação sobre cuidados com a saúde, publicações de boletins e medidas para evitar o acúmulo e a produção de vegetação na cidade. No entanto, para Alice Almeida, ativista ambiental da organização Minha Manaus, o plano falha ao não consultar a sociedade. “Chegaram um dia e aqui está o plano bonito, estamos fazendo algo, mas é um plano que não menciona a palavra ‘fumaça’ em nenhum momento”, diz.
“O plano está sendo desenvolvido teoricamente desde o ano passado ano. O prefeito enviou um projeto de lei em relação a isso, colocando diretrizes [para o plano], e desde o início ele já foi uma política que está sendo construída de um lado apenas, sem o envolvimento da participação popular. Na audiência, uma representante da Semas [Secretaria de Meio Ambiente] apresentou um cronograma dizendo que o plano fica pronto em 19 meses e que foi contratada uma empresa para isso”, complementou Almeida.
Francy Junior afirma que as políticas ambientais na Amazônia estão reproduzindo discursos que desestimulam a pauta ambiental. “Podemos ver que existe um conflito de interesses entre a conservação ambiental e o uso dos recursos naturais para o tal desenvolvimento econômico. Para isso, são fortalecidas as narrativas que surgem como prioridades econômicas, como o desenvolvimento da infraestrutura. Criam, injetam uma percepção de que o crescimento econômico é urgente e necessário, fazendo com que questões ambientais sejam vistas como secundárias ou até mesmo um obstáculo”.